terça-feira, 14 de março de 2017

Duvidar, até onde?



Neo (personagem do conhecido filme Matrix) encontra Descartes. Encontro improvável? Nem por isso. 

E se tudo o que vemos, pensamos e acreditamos ser a realidade não for mais do que uma ilusão, um enorme embuste?
E se nós próprios não somos senão a invenção de uma mente perversa, de um grande génio maligno?
E se não formos senão um cérebro estimulado para produzir todo o conjunto de representações que povoam a nossa mente?
E se admitirmos essas possibilidades temos condições para encontrar uma resposta?
Temos. O ceticismo é um caminho com fim à vista. Não somos uma ilusão, não somos um embuste, não estamos condenados à aparência e ao erro. Mas o caminho que conduz à verdade não nos é oferecido. É difícil e não devemos desistir com os obstáculos. Essa é a posição de Descartes. E de Neo.

Este video apresenta com clareza e com humor as razões e as características da  dúvida de Descartes, estabelecendo uma comparação com o filme Matrix.




Duvidar, até onde?



«Porque os nossos sentidos por vezes nos enganam, quis supor que não existia nada que fosse tal como eles no-lo fazem imaginar» (Descartes, Discurso do Método, quarta parte) 
Sim, Descartes, quanto aos sentidos, estamos convencidos. Os céticos também já tinham sido muito persuasivos...

Mas duvidar de que temos um corpo, duvidar não só do mundo tal como o vemos, mas do próprio mundo como realidade exterior a nós? Admitir até que 2+2 possam não ser 4? Admitir a possibilidade que tudo o que tomamos como certo possa ser apenas uma gigantesca ilusão? 
Duvidar de estar aqui, nesta sala, com estes alunos, a falar de ti??? 
Como é que isso se justifica? 

Talvez o filósofo  Nigel Warburton nos consiga persuadir que sim, que Descartes tinha razões para duvidar e que nós também!

Voltamos de novo a este video tão apelativo! (conf. post de 11 de março 2015; sob a etiqueta «Descartes»)





domingo, 12 de março de 2017

Pensar é perigoso e não pensar é mais perigoso ainda...


Influenciado pela reflexão sobre o mal de Hanna Arendt, o psicólogo S. Milgram concebeu uma situação experimental, que concretizou entre 1961 e 1963, com a qual testa até onde podem ir os comportamentos de obediência...


Em 2015 estreou-se nos E.U.A. (entre nós, em 2016) o filme «Experimenter», de M. Almereyda, que conta com Peter Sarsgaard e Winona Ryder nos principais papéis. O filme é praticamente uma biografia relatando a vida pessoal e académica de Milgram e, naturalmente, esta importante experiência.



Resultado de imagem para experimenter
Imagem retirada de: http://cinecartaz.publico.pt/Filme/362657_experimenter




Stanley Milgram foi influenciado pelos terríveis acontecimentos da Segunda Guerra Mundial e, particularmente, pela cobertura jornalística que a filósofa Hannah Arendt fez do julgamento do nazi Eichmann, em Jerusalém, durante o ano de 1961. Arendt desenvolve aí o conceito de «banalidade do mal», através do qual explica como indivíduos normais, em determinadas contextos, podem praticar atos desumanos e criminosos que individualmente e noutras situações não praticariam. Obedecer a ordens, obedecer simplesmente a ordens, essa teria sido a única culpa que Eichmann admite.


Milgram concebe uma situação experimental através da qual possa explicar os comportamentos de obediência. 
Os sujeitos participantes desempenhavam o papel do «professor» que castigava o «aluno» a cada resposta errada com choques elétricos progressivamente mais fortes à medida que o número de respostas erradas aumentava (sem saberem que o «aluno» não estava, na realidade, a receber qualquer choque). 

Os resultados obtidos foram surpreendentes, até para Milgram, visto que cerca de 65% dos participantes na experiência (voluntária e com remuneração pouco significativa) chegaram a infligir choques elétricos de 450 volts (suscetíveis de provocar a morte). Apesar de poderem desistir a qualquer momento, apesar de o fator remuneração ser desprezível, só cerca de 30% abandonaram a experiência.

Esta semana, os alunos de Psicologia do 12º ano puderam ver este video trazido pela M. B. e pela B.O.

I


Indivíduos normais (e não especialmente perversos ou cruéis) são capazes de praticar atos em que infligem danos a outrem (até mesmo a própria morte), desde que estejam numa situação em que considerem ter de obedecer, em que estejam submetidos a uma autoridade, em que sintam diminuição ou desaparecimento da noção de responsabilidade pessoal. Hanna Arendt diria, em que não pensem por si próprios.

Reproduções da experiência de Milgram já foram levadas a cabo com resultados similares. Em 2009 foi feita uma experiência por jornalistas que deu origem ao documentário Le jeu de la mort (2010) numa coprodução da  France Télévisions e da Radiotélévision Suisse, com resultados que continuam a dar que pensar.

Mas isso fica para outro post...



quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Vamos fazer um debate? (1)

imagem retirada de http://www.imagenslivres.com/troca-de-ideias-debate/




       Os nossos alunos manifestam com muita frequência a vontade de "debater". No entanto, depressa nos damos conta de que o seu entendimento de debate é frequentemente limitado à ideia de que se trata de uma maneira de expressar e defender uma qualquer opinião sem a preocupação de ouvir outras ou de clarificar sequer o assunto acerca do qual se pretende "ter opinião". Seguramente, é aqui que entra o nosso trabalho: conduzi-los à clarificação e aprofundamento das suas ideias, desenvolver a capacidade de ouvir e de reformular o seu pensamento, frequentemente pouco claro e insuficientemente sustentado, fazê-los sentir a necessidade da informação e do conhecimento sem o qual não existe pensamento estruturado e consistente, em suma, desenvolver um pensamento crítico. Não é tarefa fácil!!!

Antes de nos lançarmos à água, talvez seja bom clarificar o que entendemos por debate no contexto de sala de aula. Socorremo-nos deste texto retirado daquihttp://www.texto.pt/pt/dicas/detalhes.php?sec=7&id=41, acesso a 11 jan. 2017


Como organizar um debate

O debate é uma actividade que decorre naturalmente da vida em sociedade e que nos permite a troca de ideias, o confronto de pontos de vista e a reflexão. Além disso, a informação aumenta, aprende-se a tomar a palavra, a demonstrar e a convencer.
Para que o debate corra bem convém definir:

1. O papel de cada um dos intervenientes 

Um debate é uma troca activa, em que se recebe, ouvindo atentamente os outros, e em que se dá, exprimindo as nossas convicções sobre os temas em discussão. Para tal, é preciso:
  • Saber ouvir
Cada um tem direito à expressão. Não se deve ironizar nem cortar a palavra. Mesmo que não se partilhe da opinião expressa, deve-se respeitá-la e ouvir atentamente o que os outros têm para dizer. Ouvir bem é pensar no que o outro diz.
  • "Praticar" a expressão oral
Não se aproveita o debate se não se estiver resolvido a tomar a palavra. Esta é uma boa ocasião para se vencer a timidez. O que é preciso é exercitar cada vez mais.

Exprimir-se é expor o ponto de vista sobre cada um dos pontos abordados, pelo que deve indicar-se com nitidez a posição que se tem, tendo o cuidado de apoiar cada afirmação com um ou vários documentos/provas.

O valor de um debate reside no valor dos argumentos. Devem procurar-se, pois, provas para convencer os outros. Não se deve ter receio de mudar de opinião no decorrer do mesmo se descobrirmos que o ponto de vista defendido não é válido. Tal atitude é prova de honestidade e de coragem.

2. As etapas para a organização e realização de um debate

  • Escolher um assunto simples e que desperte interesse.

  • Na maioria das vezes, o debate ganha em animação e interesse se tiver sido preparado previamente por quem o organiza, quer a a nível da informação fornecida/adquirida quer pensando sobre o tema em questão. Para o conseguir:
- pode fazer-se um inquérito, reflectir sobre um pequeno questionário.
- estudar/criar um dossier sobre o tema, após reunir documentação sobre o mesmo.
- um grupo pode preparar uma exposição de cerca de 10 minutos que servirá de ponto de partida. Esta exposição pode assumir a forma de uma pequena representação teatral, de um pequeno filme ou uma apresentação em Power Point.


  • O debate deve ser organizado materialmente, ou seja, há que pensar sobre:
- Como se vai dispor a sala?
- Quem vai animar/moderar o debate?

  • O que faz o(a) animador(a)/moderador(a):
- lança o debate, expondo com clareza o assunto a discutir;
- dá a palavra às pessoas que a pedem e impede que a outras intervenham sem a ter pedido;
- estimula os participantes e convida-os a reagir e a exprimirem-se;
- chama a atenção para o assunto que está a ser debatido quando as intervenções dos participantes "fogem" ao mesmo;
- controla o tempo e, no fim, convida a que tirem conclusões.
Durante o debate, dois secretários tomam notas das principais ideias emitidas que permitirão fazer o balanço final.
Este conteúdo foi gentilmente cedido pelo Centro de Competência Nónio da Malha Atlântica(com ligeiras adaptações).

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Pensar é perigoso


«Não há pensamentos perigosos; pensar é perigoso em si mesmo». É com estas duas ideias de H. Arendt que se inicia o documentário Vida Ativa: O Espírito de Hanna Arendt. Mas a filósofa também nos diz que «não pensar é mais perigoso ainda». E porquê? É que a ausência de pensamento próprio e de reflexão pessoal permite o desenvolvimento de comportamentos de obediência cega e acrítica que destituem cada um da sua capacidade de agir, de pensar e de falar, e reduzem-no à condição de peça mecânica, de instrumento de um sistema de poder.

Hanna Arendt continua a estar presente na cultura atual, continua a despertar interesse para além das paredes da Universidade. Depois do filme de 2012 (estreado em Portugal em 2013) surge agora, no âmbito das comemorações dos 110 anos do seu nascimento, um documentário sobre a sua vida e o seu pensamento, da autoria da realizadora Ada Ushpid. Estreia amanhã, 5 de janeiro, em Portugal.




Nota: Para saber mais sobre a filósofa Hanna Arendt, temos neste blogue mais duas publicações. É só procurar em «Etiquetas» por H. Arendt.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Dia Mundial da Filosofia, 2016, a palavra dada aos alunos (7)

“Deve a União Europeia receber refugiados sírios?”

Na atualidade, a migração de refugiados sírios que fogem de conflitos armados para a Europa, tem feito manchetes em todo o mundo e dividido milhares de opiniões quando se coloca a questão: “Deve a União Europeia receber refugiados sírios?”.
É impossível ficar indiferente a este drama humanitário, quer queiramos quer não, as redes sociais e os mais diversos meios de comunicação social fazem questão de partilhar o desespero e aflição destas pessoas que atravessam frequentemente uma série de obstáculos.
 A verdade é que existem muitos europeus com receio da vinda dos refugiados. Muitos tendem a considera-los terroristas que se estão a aproveitar das circunstâncias para entrar neste continente, o que na minha perspetiva é completamente incompreensível. Estas pessoas viram-se obrigadas a abandonar o seu país onde a extrema violência se tornou praticamente diária, um país onde uma minoria leva a ideologia religiosa ao extremo sem pensar nas consequências e ignorando os inocentes.
Pois também é verdade que existem dois fatores em constante contradição: o facto da  guerra na Síria se agravar cada vez mais e o facto dos europeus se encontrarem divididos no que toca à receção destas pessoas. Pois vos digo eu, que a solidariedade não deve ser um “presente” para os refugiados mas sim um dever legal da União Europeia. Partindo do ponto de vista de Nelson Mandela, que afirmou sonhar “com o dia em que todos se levantarão e compreenderão que fomos feitos para viver como irmãos” concluiu-se que a entreajuda e a solidariedade devem ser deveres de todos nós. Alias para uma União Europeia que defende valores morais como a dignidade humana, a igualdade e o respeito dos direitos humanos (incluindo os direitos de pessoas pertencentes a minorias), esta deve ser a primeira a agir e tentar trabalhar de modo a que estas pessoas deixem de viver em condições desumanas (como atualmente estão submetidas).

Enfim, como todos sabemos é nosso dever agir de acordo com aquilo que defendemos, por isso a necessidade de agir de modo a ajudar estas pessoas é urgente. Afinal nunca é tarde demais para mudar o rumo da história.

Joana Bezerra, 11ºB

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Ainda a Palestra do Professor Bagão Félix

Coube ao aluno Rui M. realizar o relatório da aula do dia 17 de novembro. Como a aula coincidiu com a palestra, aqui temos o seu relatório:

«A palestra iniciou-se com a habitual apresentação da biografia do professor e economista Bagão Félix.
Este começou por nos apresentar o tema, explicando a origem etimológica da palavra ética e dizendo que esta foi inventada por Aristóteles, derivando da palavra grega ethos.
 Em seguida abordou os sete pecados sociais, de Mahatma Gandhi, que são os seguintes: política sem princípios, riqueza sem trabalho, prazer sem consciência, conhecimento sem caráter, comércio sem moralidade, ciência sem humanidade e culto sem sacrifício.
 Este explicou que estes pecados a que Gandhi se refere acontecem devido ao facto da nossa sociedade ser individualista e apenas pensar no seu próprio bem e do lucro que estes podem obter através destes comportamentos.
 Após esta breve abordagem, o professor passou a falar sobre a relação entre a ética e a lei. A ética é base de inspiração para as normas jurídicas sendo que nem todas as normas jurídicas se baseiam na ética e nem todas as ações eticamente erradas são punidas por lei. Os exemplos utilizados foram: o tamanho do cartão de cidadão e copiar nos exames, respetivamente.
 Para dar continuidade à palestra foi-nos feita uma pergunta retórica que foi a seguinte: O que é ser indivíduo? Passando-nos a explicar que ser indivíduo é ser único e irrepetível apenas de um ponto de vista biológico, não nos dando direito a acharmos que somos superiores a outros seres.
 Seguindo o tema, explicou que o cidadão possui direitos e deveres, presentes nas leis, sendo originalmente um termo proveniente da Grécia, mais especificamente da polis, ou seja, da cidade.
 Em seguida foi introduzido um terceiro tema: O que é ser pessoa? que consiste em ter vontade, perceção, sensibilidade e consciência das nossas ações.
 Isto serviu para introduzir o seguinte tópico, que nos diz que nenhuma lei proíbe o ódio, maldade, ganância, mentira,...
 As leis são apenas uma pequena porção (de adesão obrigatória) da ética, que se aproximam dela mas nunca a atingem na sua totalidade.
 Sendo assim, podemos concluir que a pessoa tem mais deveres que o cidadão, pois o cidadão tem de cumprir a lei, mas a pessoa além de leis, também tem o dever de seguir aquilo que a ética aceita como correto.
 Assim sendo percebemos que as leis distinguem o que é legal do que é ilegal, já a ética distingue o que é legítimo do que é ilegítimo.
 Em seguimento é-nos apresentado algo novo que consiste na aritmética da ética, que nos diz que a ética é a combinação dos saberes e dos valores.
 O professor aconselhou a leitura do livro de Aristóteles, intitulado Ética a Nicómaco, que, mesmo tendo sido escrito há 2500 anos, levanta questões éticas presentes na sociedade de hoje em dia.
 Foi utilizada então a expressão decência, que é considerada pelo autor uma expressão em desuso, que se refere à estética da ética e que implica que o nosso comportamento se baseie nos valores.
 Outra expressão que o professor também destacou foi integridade, que consiste na combinação de integral com responsabilidade.
 Posto isto, foi assim abordado algo novo para mim a que o professor chamou orgulho de pertença, que é a falta de orgulho naquilo que possuímos, como a nossa escola, casa, etc. O caso que mais o choca é a falta de utilização da palavra Portugal, e o facto da população portuguesa, na sua maioridade, apenas mostrar orgulho no seu país quando se fala em futebol.
 Retomando a abordagem dos direitos e deveres, foi levantado o caso de desarmonia que por vezes é notório entre estes, tendo um impacto enorme na nossa sociedade, o que leva à revolta e insatisfação.
 Foram utilizados alguns exemplos como:
o direito à vida implica não atentar contra a mesma, o direito à verdade implica não mentir, o direito ao trabalho implica trabalhar.
 Por estas mesmas razões devemos optar por merecer os nossos direitos através do cumprimento dos nossos deveres e não através de facilitismos, contornando obstáculos em vez de os ultrapassar.
 Em seguida passámos a falar sobre os saberes. Os exemplos foram: o conhecimento, diretamente ligado ao lado cognitivo, o saber mudar que é a adaptação, o saber comandar que é a liderança, o saber rir que é o humor e o saber entender que é a compreensão. Após ficarmos mais esclarecidos sobre no que é que os saberes consistem, o professor referiu que nem sempre podemos aprender tudo através do saber cognitivo mas que temos também de nos envolver e de experimentar através da compreensão. Aconselhou-nos também que, quando nos envolvemos não nos devemos comprometer, dando o exemplo do fiambre e do ovo. Quando comemos um ovo a galinha esteve envolvida, pois é ela quem o põe, mas quando comemos fiambre o porco está comprometido pois este teve de falecer para o podermos comer.
 Este concluiu que a ética é uma combinação de conhecimento, sabedoria e experiência.
 Em seguida o professor dividiu a ética em exemplo, erro e exigência.
Em relação ao exemplo este apresentou-nos uma citação, que é a seguinte: longo é o caminho através de regras e normas, curto e eficaz através de exemplos.
Já cometer erros é um privilégio, que vai de encontro ao referido acima, e que nos diz que devemos experimentar e não nos devemos restringir ao saber cognitivo.
Por fim, na exigência, este distingue a pessoa comum, que é exigente com os outros exclusivamente, da pessoa superior, que é exigente consigo própria.
 Dando continuidade foi abordado um tema relativo à gestão de tempo. Foi-nos dito que em primeiro lugar devemos dar atenção ao que é importante e urgente, deixando para último o que não possui importância ou urgência.
Quando nos é apresentada uma situação urgente, mas não importante, e uma importante, mas não urgente devemos resolve-las pela ordem apresentada.
Todavia, o homem é o único ser que possui noção de importância, pois os animais apenas sabem o que é urgente, nomeadamente as suas necessidades biológicas como, por exemplo, comer.
 Avançámos assim para os graus éticos. Estes dividem-se em três: ética requerida (segredo profissional), ética permitida (silêncio de um arguido) e ética proibida (matar uma pessoa).Ambos os exemplos dados para a ética requerida e permitida, podem tornar-se em ética proibida se estes possuírem informações sobre um crime. Já o exemplo dado na ética proibida pode ser permitido quando em legítima defesa.
 O subtema abordado em seguida foi a globalização (progressiva erosão da relevância da noção de distância e de tempo para as atividades, relações e processos políticos, económicos e sociais), levando assim a uma vulgarização do mal. O professor deu-nos a compreender, através de exemplos divertidos, que hoje em dia, mais e mais convivemos com objetos e produtos das mais variadas zonas do mundo.
Como consequência da globalização, tudo se tende a igualar, menos as pessoas.
Em continuidade este dividiu as pessoas em quatro tipos:
Os inteligentes, em que ambos, ele e outrem, lucram.
Os generosos, em que apenas outrem lucra.
Os malfeitores, que ganham através da perda de outrem,
E os estúpidos, em que não existe lucro algum, chamando assim, àquele que perde mais que outrem, um estúpido mais que perfeito.
 Continuando a palestra, este abordou de forma superficial o imperativo categórico de Kant, que nos diz para agir da forma que queremos que todos ajam, de forma a essas ações se tornarem máximas.
Assim sendo os deveres dividem-se em dois tipos:
O dever legal, não tendo grande importância ética, mas sim devido a uma obrigação legal.
O dever moral, este sim com relevância ética, pois a ação é baseada na consciência.
 Passámos então a ouvir um novo tópico, o todo e as partes.
Aqui o professor falou-nos sobre individualismo, afirmando que deveríamos funcionar como uma orquestra: todos têm a mesma partitura, existe pouca hierarquia, e todos são cruciais.
Tal como o Papa Francisco disse: Poliedro, a união de todas as partes, que, na unidade, mantêm a originalidade das partes individuais.
Ainda relativo ao tema, o professor contou-nos a história da visita do rei Luís IX de França à catedral de Chartres. De forma resumida, nesta história o rei visita a catedral, que estava a ser construída, perguntando a cada pessoa que lá trabalhava o que estava a fazer. O carpinteiro dizia que estava a tratar da madeira, o escultor a esculpir, etc. Por fim, já à saída, vê um homem baixo e corcunda, já idoso a varrer o chão, e fazendo a mesma pergunta este responde: Estou a construir uma catedral!

Sendo assim podemos concluir que todos são importantes independentemente da posição que ocupam, ou seja, não deve existir individualização pois todos lutam para um objetivo comum. No final da palestra apenas duas dúvidas foram colocadas (referidas na participação oral) e após o seu esclarecimento, foram feitos os habituais agradecimentos, sobretudo ao professor Bagão Félix. Após o vereador e a vice-presidente darem a sua apreciação sobre a palestra, abandonámos o auditório dando a lição por terminada.

Ainda a Palestra do Professor Bagão Félix

A (in)sustentável urgência da ética
      Foi este afinal o título da comunicação a que assistimos no passado dia 17 de novembro, na qual o Professor Bagão Félix defendeu a tese de que a crise pela qual estamos a passar «mais do que económica é uma crise ética». Podemos considerar que esta tese fornece  uma  resposta para entender o que sucedeu nos Estados Unidos da América e na Europa com o colapso do sistema financeiro e bancário, em 2008, que conduziu a uma crise global com consequências económicas e sociais enormes, nomeadamente a nível do aumento das taxas de desemprego e da pobreza.
     A tese defendida por Bagão Félix parece aproximar-se da de todos aqueles que defendem que a  ausência de princípios morais e a ganância esteviveram na origem da crise. Como consequência, a solução deverá ser encontrada na ética, o que de forma muito coerente foi sustentado pelo palestrante.
    A propósito deste problema dos nossos dias, diz o  filósofo norte americano M. Sandel:
    «Há quem afirme que a ausência de princípios morais no âmago do triunfalismo do mercado se deveu à ganância, que por sua vez levou a uma irresponsável propensão para assumir riscos. A solução segundo esta visão consiste em refrear a ganância, insistir numa maior integridade e responsabilidade dos banqueiros dos executivos de Wall Street e decretar regulações sensatas, de modo a evitar que volte a ocorrer uma crise semelhante.» (M. Sandel, 2015, O que o dinheiro não pode comprar, Presença, Lisboa) Pode-se objetar, como faz M. Sandel, que se trata de uma visão parcelar e apresentar outra resposta, que é precisamente o este filósofo faz. 
        O facto de um problema possibilitar vários tipos de respostas, quer para o seu entendimento quer para a sua solução, permite que nos demos conta da sua complexidade e convida-nos a um exercício ativo do nosso pensamento de uma forma autónoma e crítica. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Para lá do discurso de Trump

A revista francesa Philosophie Magazine, no seu número de novembro, inclui uma entrevista com Moisés Naím, apresentado como «um dos intelectuais mais influentes dos Estados Unidos». A entrevista aborda o seu último livro intitulado The End of Power e, naturalmente, a questão mais atual da política americana -  a campanha para as eleições presidenciais.
Transcrevo uma parte da sua entrevista que nos pode ajudar a interpretar o discurso de Trump e a sua recetividade junto de largas camadas da população americana, a ponto de a ter convencido a votar nele para presidente dos Estados Unidos da América e de o sistema eleitoral americano o ter feito eleger.

« (...) Toda a gente sente que há mudanças sísmicas, a todos os níveis. E a maior parte das pessoas não sabem se estas mudanças lhes vão ser favoráveis. Para um grande número, essencialmente nos países desenvolvidos, estas mudanças não foram benéficas. Elas veem-nas, então, como ameaças. E querem que alguém páre isso, que elimine a incerteza. Trump promete a segurança. Ele prometeu, por exemplo, que se fosse eleito, acabaria com o terorismo. Isso não tem nenhum sentido. Ninguém tem a fórmula mágica. E no entanto esta promessa acertou no alvo. Trump não faz promessas excessivas. Faz promessas que toda a gente sabe que não funcionam. O seu programa está cheio de ideias mortas. Nós sabemos que os muros não impedem os migrantes.Isso não o impede de ter feito da construção de um muro entre os Estados Unidos e o México o eixo central da sua política de imigração. Na realidade, a exequibilidade desta medida não lhe interessa. Trump evolui num regime de "verdade" que o torna hermético à crítica.

      Fala-se muito neste momento da post-truth politics, de uma política " para além da verdade". Trump é o rosto desta nova política?
Ele introduziu um novo modo, muito eficaz, de se comportar em relação aos factos, que consiste em injetar na política, à vista de toda a gente, mentiras. Trump mente sempre. Isso está estabelecido e documentado. Mas isso não muda grande coisa. Os eleitores têm afetos e a principal função das mentiras de Trump é dar expressão a estes afetos. Assim, eles não se preocupam com o facto de serem mentiras. Houve, durante esta campanha, todo um trabalho de fact-checking, de "verificação de factos" por parte da imprensa e mesmo dos cidadãos comuns. É importante que este trabalho seja feito. Mas isso não afeta propriamente Trump. Vimos a mesma coisa com os partidários do Brexit que avançaram números totalmente erróneos sobre as consequências da saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Reconheceram-no no dia a seguir ao referendo. Sem que isso tenha chocado excessivamente os eleitores. Estes números têm a função de exprimir a sua ansiedade, eles querem acreditar neles, mesmo que sejam falsos. Estamos portanto na era da política pós factual.

    Trump tem alguma chance de ganhar?
As sondagens indicam que é um verdadeiro competidor e que tudo pode acontecer. (...)»

Naím, Moisés (2016), Entrevista a Martin Legros, Philosophie Magazine, nº 104, pp. 70-75.


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Discurso político?

A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos não deixou os nossos alunos indiferentes. Bem pelo contrário!! Aliás, não me lembro de nenhum outro acontecimento político ter causado tanto efeito...
Não tenho por hábito fazer qualquer tipo de comentário à política partidária. Procuro nunca resvalar para um discurso superficial, imediatista e fácil e conseguir levar a cabo o papel que considero ser o da filosofia: pôr travão à tendência acrítica e à dificuldade de análise racional dos problemas. Aliás, é também essa a maior dificuldade, e também o maior desafio, no seu ensino.

Quando o R.G. percebeu que iríamos abordar o discurso político no âmbito do tema «Argumentação e Retórica» sugeriu que analisássemos um discurso de Donald Trump. Muito bem! A primeira etapa era trazê-lo (traduzido).

1ª etapa cumprida!


Imagem retirada de http://www.magazineindependente.com/www2/trump-ja-estava-confiante-republicanos-vatariam-casa-branca/

Excertos do discurso de candidatura à presidência dos EUA – Donald Trump (16 de junho de    2015):

“O nosso país encontra-se numa situação extremamente problemática. Já não vencemos em nada. Era hábito vencermos, mas agora já não. Quando foi a última vez que ganhámos um acordo comercial, digamos, à China? Eles destroem-nos. Eu ganho sempre à China. Sempre.”
“Quando o México envia pessoas, não envia as melhores. (…) Envia pessoas com muitos problemas, e essas pessoas trazem os seus problemas com elas. Trazem drogas. Trazem crime. Eles são violadores. E talvez alguns sejam boas pessoas.”
“E lembram-se do site de 5 mil milhões de dólares? 5 mil milhões de dólares que gastámos num site, e ainda agora não funciona. Um site de 5 mil milhões de dólares. Eu tenho imensos sites, tenho-os em todo o lado. Contrato pessoas, elas fazem-me um site. Custa-me 3 dólares. O outro custou 5 mil milhões.”
“Precisamos de um líder que consiga os empregos de volta, que consiga trazer a manufatura de volta, que consiga trazer as forças militares de volta, que consiga tratar os nossos veteranos. Os nossos veteranos foram abandonados. (…) Precisamos de alguém que pegue na marca dos EUA e a faça grande de novo. Não está grande neste momento. Precisamos — precisamos de alguém — que pegue neste país e o faça grande de novo. Conseguimos fazer isso. Assim, senhoras e senhores, vou candidatar-me ao cargo de presidente dos EUA, e vamos tornar este país grande outra vez.”
“Vou ser o melhor presidente a nível de empregos que Deus alguma vez criou. Digo-vos isso. Vou trazer de volta os empregos da China, do México, do Japão, de diversos lugares. Vou trazer de volta os empregos e vou trazer de volta o dinheiro.”
“Temos 18 triliões de dólares em dívida. Não temos nada a não ser problemas. Temos forças militares que precisam de equipamento em todo o lado. Temos armas nucleares obsoletas. Não temos nada. Temos uma Segurança Social que vai ser destruída a não ser que uma pessoa como eu traga o dinheiro de volta para o país. Temos imensas pessoas que querem cortar nisso. Eu não vou cortar nisso; eu vou trazer dinheiro de volta e nós vamos salvá-la.”

Excertos do discurso sobre política de imigração – Donald Trump (27 de abril de 2016):
“Nos anos 40 salvámos o mundo. A nossa melhor geração venceu os Nazis e os imperialistas japoneses. Depois voltámos a salvar o mundo. Dessa vez, do totalitarismo e do comunismo. A Guerra Fria durou anos mas, adivinhem, ganhámos e ganhámos em grande. Democratas e Republicanos a trabalharem juntos fizeram o Sr. Gorbachev atender ao presidente Reagan, o nosso presidente, quando ele disse: “Deitem abaixo esse muro.” (…) Infelizmente, após a Guerra Fria a nossa política de imigração afastou-se gravemente do percurso. Falhámos em desenvolver uma nova visão. De facto, com o avanço dos anos, a nossa política de imigração começou a fazer cada vez menos sentido. A lógica foi substituída por tolice e arrogância, o que levou a desastre atrás de desastre.”
“Estamos a reconstruir outros países enquanto enfraquecemos o nosso. Acabar com o roubo de empregos americanos dar-nos-á os recursos necessários para reconstruir as nossas forças armadas, o que tem de acontecer, e recuperar a nossa força e a nossa independência financeira. Eu sou o único candidato à presidência que percebe isto, e isso é um grave problema. Eu sou o único — acreditem, eu conheço-os a todos – eu sou o único que sabe como remediar a situação.”
“E depois existe o Estado Islâmico. Eu tenho uma simples mensagem para eles. Os seus dias estão contados. Não lhes direi quando e não lhes direi como. (…) Mas eles irão desaparecer. O estado Islâmico vai desaparecer se eu for eleito presidente. E vai desaparecer rapidamente. Vai desaparecer muito, muito rapidamente.”