sexta-feira, 14 de julho de 2017

Ciência e Filosofia (2)

(continuação da publicação anterior)

Na impossibilidade de apresentar aqui a leitura do "Poema para Galileo" pelos alunos do 11º J, deixamos a sua interpretação pelo extraordinário ator Mário Viegas (1948-1996).




Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas – parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.

Nota: a transcrição do poema segue a grafia original

António Gedeão, Poesias Completas, Lisboa, Sá da Costa Editora, 1982, pp. 149-152.
Nota:  António Gedeão é o pseudónimo de Rómulo de Carvalho (1906-1997), professor de Física, pedagogo, poeta e historiador da ciência e da educação.
(continua)
 - 

Ciência e Filosofia (1)

FILOSOFIA E FÍSICA

Este foi o título escolhido para o relatório de uma aula diferente. Calhava a vez à aluna Zhu Yuhei. O Daniel Silva decidiu colaborar e é deles o texto e a maioria das imagens desta publicação. A mim, professora do 11ºB, coube-me apenas algum trabalho de organização e de transposição de texto e imagem para aqui.


Foto do encontro entre os alunos do 11ºB e do 11ºJ na BECRE

"No dia 8 de Março de 2017 foi realizado na BECRE da Escola Secundária Madeira Torres um encontro entre os alunos de duas turmas pertencentes a diferentes cursos: línguas e humanidades (11ºJ) e ciências e tecnologias (11ºB). Esta atividade foi arquitetada e dirigida pela professora de filosofia Luísa Nogueira e pretendia expor a importância da Física na Filosofia e vice versa.
A professora começou por apresentar o livro Evolução da Física, de Albert Einstein e Leopold Infeld, mais concretamente sobre o Grande Romance Policial da Natureza. A sua principal finalidade é divulgar, ao público não especializado, informações complexas e importantes de maneira clara e simples, partindo da formação e queda do conceito mecânico na física para chegar à física moderna, explicando a teoria da relatividade restrita, a teoria geral da relatividade e terminando com os princípios da física quântica.


A professora prosseguiu expondo a seguinte passagem:
"O esforço para ler o grande  romance policial da Natureza é velho como o próprio pensamento humano. Mas há apenas uns três séculos que os estudiosos começaram a compreender a língua em que o livro está escrito. E a partir desse tempo - a época de Galileu e Newton- a leitura passou a fazer-se com rapidez. Foram-se desenvolvendo técnicas de investigação, métodos sistemáticos de descobrir e seguir pistas. Alguns dos enigmas receberam resolução embora muitas soluções fossem precárias e acabassem abandonadas em consequência de posteriores pesquisas".



Esta transcrição levou-nos a crer que, desde sempre, o homem procurou estudar a natureza. No entanto, só há três séculos é que físicos  como Galileu e Newton o fizeram com rapidez devido ao facto de ter havido um desenvolvimento de meios técnicos e métodos de investigação.
Segundo Galileu, o universo é "um grande livro que continuamente se abre perante os nossos olhos", mas "que não se pode compreender antes de entender a língua e os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras. Sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto". Isso significa que a linguagem matemática é, para Galileu, fundamental para a explicação dos fenómenos naturais. Quem não conhecer esta linguagem permanece na ignorância, ou seja, segundo as palavras de Galileu 'vaguearemos num escuro labirinto'.
Posto isto, os alunos do 11ºJ começaram por apresentar O Poema para Galileu, de António Gedeão, cujo pseudónimo é Rómulo de Carvalho."
 (continua)