sexta-feira, 17 de julho de 2020

Visita de Estudo à Casa de Saúde do Telhal - o que dizem os alunos (6)

Este post apresenta um registo descritivo e uma apreciação pessoal da responsabilidade do aluno T. S. do 12º ano, turma I.

No passado dia 30 de fevereiro, a turma realizou uma visita de estudo à Casa de Saúde do Telhal. Esta atividade ocupou todo o dia.
          Tendo chegado de manhã, começámos por assistir a uma palestra dada pelo enfermeiro responsável pela instituição. Este dissertou sobre as suas funções, a história da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus e as particularidades da Casa de Saúde, como as Unidades de Internamento (que podem ser de curta, média ou longa duração, dependendo das necessidades dos utentes), os serviços de reabilitação psicossociais e as residências comunitárias, para doentes praticamente independentes. Os alunos fizeram várias perguntas a que o enfermeiro respondeu.
Em seguida, visitámos o museu. Confesso que esta parte me desapontou. Passámos muito tempo a ouvir falar da vida de S. João de Deus e não o tempo suficiente a conhecer a arte feita pelos utentes ou a história da psiquiatria, que nos pareceram mais interessantes.
Durante a pausa para almoçar, eu e vários colegas tivemos a oportunidade de conhecer e conversar com um dos utentes, chamado Tiago, o que foi tão interessante como agradável, e que julgo que nos tenha ajudado a simpatizar com os indivíduos com a sua condição.
No período da tarde, percorremos as várias oficinas, conectadas parcialmente através de túneis. Começámos pelo Centro de Dia, cuja maioria dos pacientes pode ir para casa todos os dias, e passa apenas uma parte do seu tempo na instituição. É lá que se localizam as oficinas ligadas à produção artística, seja pintura, colagem, literatura, teatro ou outras ainda. Ouvimos o testemunho de dois utentes quanto à sua estadia naquele local e observámos as suas criações e atividades.
De seguida, estivemos na área ligada à formação profissional dada aos doentes capazes de exercer uma ocupação, especificamente o curso de jardinagem, cujos alunos estavam a aprender a distinguir diferentes folhas.
No último espaço, assistimos à atividade de um grupo de pacientes com capacidade cognitiva reduzida, que se mantinham ocupados montando peças fabris. Por fim, foi-nos pedido que nos sentássemos com alguns dos senhores e conversássemos com eles, o que fizemos. Na mesa em que me sentei (juntamente com três colegas), estavam três utentes de meia idade, que se revelaram bastante simpáticos. Um deles estava ocupado a desenhar, pelo que falou menos, mas com os outros dois foi-nos possível interagir e até jogar ao galo e à forca. Um deles fez questão de se levantar para nos cumprimentar e se despedir no fim. O outro deu provas do seu sentido de humor, ao mesmo tempo que nos falava um pouco de si mesmo.
No geral, achei esta visita extremamente produtiva. Não só pudemos ter uma visão mais correta do modo como indivíduos com problemas psicológicos são acompanhados como, e talvez mais importante, nos apercebemos da humanidade destas pessoas, muitas vezes vistas como não mais do que uma doença. O contacto pessoal com eles provou o oposto, permitindo que estabelecêssemos uma conexão. Pelo seu lado, os utentes pareceram-me contentes com a nossa visita, e espero que tenha sido de facto agradável para eles.
Visto do exterior, o complexo pareceu-me a princípio um pouco deprimente, lembrando um lar para idosos, sobretudo devido ao jardim. Contudo, esta impressão dissolveu-se no interior, onde as condições pareciam, tanto quanto me é possível avaliar, perfeitamente adequadas. A maioria dos utentes também parecia relativamente satisfeita, provando que os meus receios eram infundados.
Como já disse, o museu foi para mim o ponto baixo da experiência. Ouvimos algumas coisas interessantes, mas não informação suficiente sobre a história da psiquiatria, que era, afinal, o nosso objetivo. (...)
A parte da tarde foi significativamente mais interessante. Posso dizer que apreciei especialmente as oficinas de Arte, onde os utentes pareciam particularmente contentes. Fiquei convencido do valor da atividade artística enquanto método terapêutico. O momento final de contacto direto foi também muito interessante, e gostaria que tivesse sido mais longo.
A sala de montagem de peças foi para mim um pouco perturbadora, por ser aparentemente tão mecanizada, mas compreendo a necessidade de uma tal atividade.
Mais uma vez, acho que ganhei muito com a visita a este estabelecimento (e creio que os meus colegas concordam), no que toca à forma correta de interagir e apoiar pessoas com doenças mentais. Gostaria bastante de repetir a experiência.
Todavia, embora tenhamos podido contactar com os pacientes, não nos foi dito muito sobre as suas doenças. Gostaria que as várias perturbações e distúrbios mentais fossem analisados mais a fundo, possivelmente em aulas futuras. (...)
Sou definitivamente a favor do regresso à Casa de Saúde do Telhal, mas não sei se tal regresso é exequível.




quinta-feira, 16 de julho de 2020

Ainda sobre o Dia Mundial da Filosofia 2019 na Madeira Torres

Este ano, à semelhança de anos anteriores, em parceria com o Rotary Club de Torres Vedras, integrada nas comemorações do Dia Mundial da Filosofia, os nossos alunos participaram numa Palestra subordinada ao tema "A Comunicação Social no Mundo Atual", proferidas pelos jornalistas António Esteves e Francisco Vasconcelos. 
António Esteves - jornalista

Sobre esta Palestra, vamos dar voz ao registo dos alunos A. S. e M. N. do 10ºano, turma B, que nos enviaram este texto, em jeito de reportagem...

A palestra teve início por volta das 15:20h com António Esteves, jornalista que já
passou por vários jornais e estações, nomeadamente na RTP.
Começou por nos falar sobre a sua vida profissional dentro da área das
telecomunicações.
O jornalista contou-nos também como era antigamente com a ausência da Internet e dos telemóveis, realçando o quão importante estes são para a nossa sociedade.
       “Existe muita gente com acesso à Internet (cerca de 4,1 mil milhões de pessoas) mas também existe muita gente que não tem, como por exemplo nos países pais pobres (cerca de 2,3 mil milhões)."
Seguidamente, abordou a importância crucial das redes socias para o jornalismo,
argumentando que “todos somos potencialmente repórteres”, o chamado jornalismo de cidadania, dando o exemplo que podíamos estar a fazer uma reportagem apenas por gravar a palestra, emitindo-a em direto nas redes sociais.
Posteriormente, explicou as principais diferenças entre um repórter e um jornalista. Um repórter não tem limitações, não tem restrições ao uso do seu material, não tem de respeitar um código deontológico, é uma fonte indireta de informação e enriquece o trabalho jornalístico. Um jornalista tem mais regras a cumprir com o conteúdo que publica e que esse conteúdo tem de ser devidamente tratado e editado para ficar o mais apelativo possível ao telespetador. Tem também de seguir e respeitar o código deontológico dos jornalistas, pode usar material de repórteres nas suas fontes de informação, passando estas a ser fontes diretas de informação e não pode expôr a privacidade das pessoas, mas deve divulgar e partilhar imagens de situações de brutalidades. António Esteves realçou que qualquer tipo de imagens ou vídeos publicados na Internet são impossíveis de remover da web. Passando à frente no assunto, o jornalista também nos contou acerca da revolução das telecomunicações em Portugal, referindo como datas mais importantes os anos de 1988 em que surgiu a rádio TSF, 1992, em que surgiu o primeiro canal televisivo privado (SIC) e 1994 em que foi criado o segundo canal privado (TVI). Após o tema da revolução das telecomunicações, António Esteves mostrou-nos a ordem de separação dos poderes, estando o poder executivo em 1º lugar, o poder legislativo em 2º lugar, o poder judicial em 3º lugar e o jornalismo em 4º lugar mas que, na opinião dele, e ordem de separação deveria ser alterada, passando o poder económico para o 1º lugar, o jornalismo para o 2º lugar, o poder executivo para o 3º lugar, o poder legislativo para 4º lugar e o poder judicial para 5º lugar. Acabando assim o seu discurso, António Esteves retirou-se do centro do palco e entrou o comentador jornalístico Filipe Romão. Logo depois de alguns agradecimentos, Filipe Romão começou por abordar a importância que a componente visual e as imagens projetadas têm na nossa vida, pois consumimos muito material audiovisual. De seguida, abordou o tema dos conflitos europeus no século passado como a Guerra de Sarayevo em 28/08/1995 na Rússia, a 2ª Guerra Mundial e as dificuldades económicas que um vendedor de fruta na Tunísia passava, o que levou ao seu suicídio que foi gravado em direto e que comoveu muita gente e, consequentemente, a partir dos vídeos publicados conseguiram quebrar o Governo da Tunísia. Filipe Romão também conclui que a Internet mudou muito durante as duas últimas décadas, dizendo que antes a Internet apenas se utilizava para retirar informação e que hoje em dia se utiliza para muitas mais áreas, nomeadamente lazer, publicidade, marketing, … Saindo assim do palco, entra novamente António Esteves com o tema das audiências. O jornalista realçou que o pico de audiências no mundo foi com o desastre do atentado da colisão das Torres Gémeas com aviões em Nova Iorque.


António Esteves disse que quanto maior for a audiência, maior é a receita produzida para as televisões, relembrou que o horário nobre (topo das audiências) se verificava entre as 19h e as 01h e explicou mais tarde a definição de “rating” e “share”: Rating: é a taxa de audiências Share: é a quota de audiências (define se um canal tem sucesso ou não). Ainda relativamente às audiências, foram comparados os gráficos das todas as audiências registadas em Portugal nos anos de 2010, 2015 e do dia 20 de novembro de 2019. Importa acrescentar que António Esteves aditou o tema da comunicação social e da importância da imagem e do visual de um jornalista televisivo. Referiu que, passamos a citar: “Não há uma segunda oportunidade para criar uma primeira boa impressão”. Realçou que o que vestimos transmite a imagem que queremos passar e que os jornalistas televisivos devem sempre vestir roupas de cores lisas e no tamanho adequado para não desviar a atenção dos telespetadores. Alertou também para o facto de serem criadas muitas “fake news”, notícias falsas que têm como objetivo criar boatos e espalhar histórias irreais. 
No fim, foi perguntado à plateia se alguém tinha alguma dúvida e a aluna Ana Inácio, Nº 1 da turma N do 10º ano interveio e perguntou se a publicidade dava dinheiro aos canais televisivos, ao que o jornalista António Esteves explicou que a publicidade é uma fonte de receitas para todos canais porque as empresas/anunciantes querem colocar os anúncios da sua atividade nos canais que têm mais audiência, trocando tempo de televisão por dinheiro.

Frases que nos “marcaram”: 
a) “Todos somos potencialmente repórteres.” 
b)“Consumimos mais informação num dia, do que Washington num ano.” 
c)“As pessoas vêm cada vez mais aquilo que querem ver e não aquilo que lhes queremos mostrar.” 
d)“Não há uma segunda oportunidade para criar uma primeira boa impressão.” e)“A simplicidade é o último degrau da sabedoria.”


segunda-feira, 13 de julho de 2020

Visita de Estudo à Casa de Saúde do Telhal - o que dizem os alunos (5)

Do trabalho realizado pela C.P., 12ºI, selecionámos a sua abordagem a um dos momentos da visita, num discurso pontuado por um registo mais pessoal e subjetivo. 

«A parte mais interessante de toda a visita foi o contacto com os utentes, que se realizou da parte da tarde.
Pessoalmente, a primeira interação foi muito difícil para mim, pois o paradigma das pessoas com quem falei era muito diferente do meu, uma vez que essas pessoas estão a passar por um processo de reabilitação e que sofrem de uma doença que os faz ver as coisas de forma diferente e reagir a situações de forma diferente. Sendo, para mim a primeira vez em contacto com pessoas com doenças mentais, ao início tive algum receio de interagir com os mesmos, pois não sabia como era a sua forma de reagir, falar e interagir com desconhecidos. O que ao início mais que assustou foi o facto de nós sermos os intrusos no espaço deles e eles não nos conhecerem e por isso não sabia como seria o modo deles de reagir.
Foi uma experiência pesada, no sentido em que é difícil ouvir as histórias de vida destas pessoas, o modo como se sentem e saber que têm de passar por muito para voltar a integrar-se na sociedade, sem serem julgados. Foi uma experiência enriquecedora, apercebi-me um pouco do estigma que estas pessoas passam, aprendi que estas pessoas são vistas por muitos como estranhos e perigosos e que é nosso dever tentar mudar a mentalidade das pessoas para que a comunidade possa ajudar estas pessoas (doentes mentais que já estejam reabilitados).
Aprendi, também, que uma pessoa que sofre com uma doença mental necessita de reaprender várias coisas como,
aprendizagens cognitivas, motoras e sociais. Têm de aprender a interagir com outras pessoas, a trabalhar em grupo, a respeitar os colegas de trabalho. Por via da arte, da jardinagem ou da agricultura desenvolvem as capacidades
motoras e cognitivas. Usam a arte como meio de comunicarem e exprimirem aquilo que sentem e que não
conseguem exportar por palavras. Aprendi a importância das palavras e o modo como as usamos. Aprendi isto através da interação que tive com um determinado utente que tinha muita dificuldade em falar e foi através da paciência e de usar um tom de voz calmo que consegui que ele tivesse algum à vontade para falar comigo. Uma pessoa que ainda não está à vontade para falar, precisa que o estimulemos calmamente, pacientemente e com as palavras certas. O doente precisa do seu tempo para ganhar coragem e falar.
Apesar de ter sido uma experiência enriquecedora eu não voltaria a fazer uma visita de estudo a uma Casa de Saúde.
Isto porque é uma experiência forte que apesar dos seus pontos positivos, tem pontos negativos que não sei até que
ponto estaria disposta a passar outra vez. Todavia, não deixa de ser interessante perceber o paradigma das pessoas que por motivos de doença mental têm de ser internadas para poderem voltar a ter uma vida autónoma e saudável.
Relativamente ao tópico que gostaria de aprofundar o meu conhecimento em aula, seria a discriminação social existente perante uma pessoa que tem uma doença mental. Visto que com toda esta experiência apercebi-me que muitos sofrem deste estigma, apesar de já estarem reabilitados, terem a sua vida e alguns até terem um curso de formação numa determinada área. A discriminação no mercado de trabalho e no dia-a-dia de uma pessoa reabilitada é difícil e gostava de aprofundar o meu conhecimento neste tópico de modo a perceber como se pode tentar diminuir o estigma existente na sociedade perante estas pessoas.»
C.P, 12º I


Visita de Estudo à Casa de Saúde do Telhal - o que dizem os alunos (4)

O aluno P.L., 12º I, apresenta-nos uma descrição detalhada desta visita, dando conta também das suas experiências, impressões e opiniões. Aqui transcrevemos, quase na íntegra, o seu texto.


«(...) À chegada o grupo foi levado a uma sala de apresentação localizada nos claustros de uma reformada estrutura religiosa. Estiveram presentes três representantes: um padre da comunidade de irmãos; uma senhora que posteriormente nos apresentou um museu que englobava o próprio santo, a ordem religiosa e um pouco de história da psicologia; e o chefe de enfermagem desta casa que acolhia 460 utentes. A apresentação reforçou de forma introdutória de que estes centros não traduzem a mesma realidade expressa no mundo do cinema, e o apelo ao voluntariado dos jovens para entretenimento dos utentes dado o exemplo de atividades de desporto, passeios, música, teatro… A casa de Saúde do Telhal tinha já 126 anos e está organizada em unidades de teor curto, médio e longo. A instituição privada de cariz social e de saúde possui unidades de saúde mental, de reabilitação social, de alcoologia (de duração de 1 mês) e clínica de psicogeriatria para utentes com mais de 65 anos com perturbações mentais. O chefe de enfermagem afirmou também que a ordem hospitaleira apoia hospitais públicos ao receber pacientes durante o período de alguns meses. Introduziu-nos a unidades de contenção ambiental que se justificava nos utentes com problemas de orientação, ou seja que não tem consciência do seu espaço e perdidos correriam risco de vida, e utentes de comportamento inadequado como o de conflito agressivo ou urinar/despir em zonas públicas. Este condicionamento acaba por ser uma medida preventiva. Foram nos apresentadas as unidades em específico, por exemplo: a unidade de Santo António com o objetivo de ajudar os utentes em tarefas domésticas para que estes possam assumir um grau de independência; ou a unidade de S. Bento Menni que se direciona à autonomia dos utentes. Na área de ajustamento psicossocial a instituição não só oferece as unidades como também residências comunitárias no exterior da casa de saúde. Tal como ateliês de atividades ou ocupação (fabris, artes, jardinagem, informática). No final da sua apresentação realçaram-se os principais projetos do instituto como: a comemoração de épocas festivas; o projeto SOL que se destinava a levar as atividades a utentes com deficiências motoras; o projeto de estimulação sensorial com recurso a uma sala Snoezelen; reuniões comunitárias; entre outros... A meu ver, esta apresentação revelou-se demasiado informativa e focada na instituição em si. Foi importante para melhor compreender o funcionamento da casa de saúde mas a identificação de cada unidade juntamente com o seu nome e os seus números tornou-a demasiado exaustiva (...). Após uma breve pausa para lanche nos claustros da antiga igreja foi a vez da sessão de museu. Esta seguinte fase foi dividida em três partes: a vida de São João de Deus, que depois dá introdução à história da irmandade até aos dias de hoje, e por fim um breve resumo da história da psicologia com base na própria casa. O primeiro museu da casa, que apenas colocava em exposição obras feitas por utentes na área da Ergoterapia, foi fundado em 1920. Um novo museu fundado em 2009 deu-lhe continuidade com novas exposições debruçadas num contexto mais histórico tanto da psicologia como da própria instituição (...) Vou apresentar já de seguida a fase final da visita ao museu que tem como objeto a história da psicologia, dado que pretendo dedicar maior atenção à etapa da arte dos utentes que deixarei p deixarei para o fim. A oradora afirmou que até há um tempo relativamente próximo doentes mentais eram vistos como loucos com a justificação de presença demoníaca nos seus corpos. Numa fase posterior à revolução francesa os sofredores de perturbações mentais passam a ser vistos como doentes, e a psicologia surge (como sabemos) nos finais do séc XIX. Foram então apresentados depois alguns dos métodos usados na casa de saúde nos seus primórdios tendo estes sido: a hidroterapia, que consistia no uso de choques térmicos em utentes paralíticos ou depressivos; passeios em ambientes naturais; camisas de força e outros utensílios de contenção; tratamentos piréticos… Tivemos o prazer de poder experienciar uma sala destinada à exposição de artigos feitos por pacientes embora por apenas breves momentos. Esta atividade para os próprios é uma forma de expressão, de ocupação e terapia e a diversidade de artigos destas salas era imensa com quadros, moldes, cestaria, retratos, aguarelas, audiovisuais, fotografia, escultura, origami, e até um avião. É me impossível descrever cada objeto pelo pouquíssimo tempo que tivemos para os analisar, mas talvez o mais apelativo foi o artigo audiovisual onde um utente gravou partes do seu rosto e em legendas estavam escritas perguntas que este mesmo levantou. (...)  Com o fim das atividades da manhã inicia-se o período de almoço. Eu e parte dos meus colegas estabelecemo-nos num recinto aberto próximo ao bar das instalações e tivemos interações com vários utentes, um deles chamado Tiago que foi muito simpático na sua presença, fazia desfiles de moda e era grande fã da série animada da Disney: "Miraculous: Tales of Ladybug & Cat Noir". Cumprimentei-o de forma mais descontraída e alegre possível por meio de um aperto de mão e falámos o que melhor sabíamos relativamente à série pela qual demonstrava tanta excitação, o que dificultava a sua fala mas mesmo assim era perceptível. O período de almoço termina e, reunidos numa sala, fomos agrupados de modo a dividir o grande número de alunos e a facilitação da apresentação de diversas atividades e a interação com pacientes. O nosso grupo de turma é levado pelos túneis subterrâneos espalhados na casa até ao espaço destinado às artes e tecnologia onde encontrámos novamente o Tiago que, juntamente com a orientadora e um outro paciente, nos apresentou o espaço. Não estive focado o suficiente na apresentação em si para a descrever mas vou em vez disso indicar as minhas percepções quanto aos dois pacientes: o Tiago, sempre simpático, quis demonstrar por si próprio tanto o espaço informático como o das artes, apresentou-nos também as suas pinturas, e senti a sua grande necessidade de ser ouvido (referiu mesmo na apresentação o acidente de viação fatal do seu pai e a tristeza de terem encerrado a formação com os cães); o outro paciente cujo nome não me lembro nem indícios de perturbação mental apresentava e caso o visse nas ruas de certeza que não o reconheceria. Dirigimo-nos posteriormente a uma sala onde nos foram apresentados os seus projetos e eu dei especial ao jornal feito pelos utentes que escolhiam cada um um artigo atual que mais lhe chamasse a atenção e o transcreviam para papel. No decorrer desta fomos abordados por dois utentes: Paulo e Carlos, que depois de pedirem autorização para se apresentarem nos contaram as suas atividades, a sua gratidão ao espaço e as relações que lá formaram, afirmaram também que se sentiam bem mais realizados do que quando foram integrados na casa, e um deles (não me recordo qual) tinha desde infância o sonho de ser ator e ao momento tem papel no projeto de teatro orientado por um profissional dentro da instituição. Acima de tudo estavam conscientes das suas condições, do que passaram, da sua realidade… e impressionante foi a forma como, conhecedores dos possíveis medos e estigmas que podíamos ter, viraram isso completamente a seu favor demonstrando uma maior humanidade e espírito positivo que muitos integrados na realidade social presente. Vimos também uma sala onde eram guardados alguns projetos dos utentes e novamente esteve fortemente presente a diversidade, tendo como exemplo quadros, esculturas, cadeiras enfeitadas, foguetões… Mais uma vez o tempo não esteve a nosso favor e limitou muito essa experiência. A segunda etapa das atividades da parte consistiu numa visita a uma atividade onde os utentes formavam peças fabris. Por muito positivo que tenha sido a capacidade de oratória do utente que apresentou o projeto não deixou de ser uma experiência triste. E sendo que não nos tenham sido apresentadas grandes justificações científicas do porquê da atividade não dei grande grau de confiança à experiência. Pareceu me demasiado limitador e nem como fonte de convívio servia visto que os utentes concentrados nas suas funções motoras não comunicava. Talvez o momento mais interessante da atividade foi a fase de interação propositada com alguns pacientes, tendo juntamente com o Tiago, a Maria e a Bruna integrado um grupo composto por três utentes: Um desenhava paisagens arquitectónicas com recurso a réguas e esquadros; um outro estava disposto a falar e interagir (o que presumo ser já habitual dele sendo que que tanto as enfermeiras como os utentes já pareciam acostumados a mandá-lo calar); e um outro paciente com o qual interagi maioritariamente. Este senhor possuía menos capacidades comunicativas, chamou nos 'senhores voluntários' e tratou-nos sempre com o maior respeito que conseguia. Estava, quando chegámos, a fazer contas à mão e, nessa mesma folha, tive a ideia de jogar ao jogo do galo com ele, já que não acreditava que comunicar verbalmente fosse a opção que mais descontraído o deixasse. Algo que achei interessante foi como, em vez da habitual cruz e círculo, escreveu o número 2 como seu símbolo e, no mesmo contexto, escolhi o 1 como o meu. Deixei o ganhar os três primeiros jogos, parecia responder com felicidade. A sua postura era um pouco assustadora mas isso depressa perdeu impacto ao longo da interação. E no final do quarto jogo, que decidi vencer, a atividade das enfermeiras começa. Tal ele como eu estávamos aborrecidos e enquanto as enfermeiras falam, encarou-me, retirou um lápis do seu casaco e continuámos a jogar. Num determinado momento parou concentrado, assumi que estava a pensar e parei de jogar. Passado um tempo convidou me para um jogo da forca e desenhou a força e quatro espaços que foram preenchidos com a palavra "amor". Não era o utente mais comunicativo ou emotivo mas foi através do jogo que expressou o que sentia. Eu comecei a escrever a minha palavra e a enfermeira mandou nos despachar e então pediu me para escrever mais rápido. Coloquei em espaços a palavra "amizade" e quando chegou à solução em vez de ter dito "amizade" respondeu com "nova amizade" sendo que não havia um segundo conjunto de espaços que o indicasse a tal resposta. Manteve-se agradecido, agradeceu-nos sempre como 'senhor voluntário' e dado o final da atividade despedimo-nos. Não me vou estender muito quanto à apreciação subjetiva da visita, penso que já o fiz ao longo do texto. Uma experiência que com certeza acrescentou um novo ponto de vista à nossa perspectiva e que a irá marcar certamente no nosso futuro(...).»

Visita de Estudo à Casa de Saúde do Telhal - o que dizem os alunos (3)

Nesta publicação e nas seguintes vamos deixar excertos de textos escritos pelos alunos participantes expressando a sua opinião sobre esta Visita.


"No meu ponto de vista, mais visitas de estudo deste caráter devem ser feitas, principalmente nas escolas.
Perceber a realidade em que vive cerca 1/5 da população portuguesa, que sofre de algum distúrbio mental, devia ser algo frequentemente abordado nas salas de aula, nos corredores e na vida social, sem estigma.
Após esta visita percebi que de forma inconsciente tinha preconceitos, que acredito estarem de forma geral integrados na sociedade. Com uma simples visita a um Centro de Reabilitação pode perceber o quão erradas estavam algumas das minhas ideias.
Contactar com pessoas que sofrem preconceito por algo incontrolável, como uma doença, despertou em mim a vontade de agir, e no futuro, como cidadã de um pais democrático farei questão de agir em prol dos seus direitos humanos e sociais.
Sobre as atividades desenvolvidas no Centro, achei todas bastante interessantes, principalmente o foco dado à arte. Não alteraria nenhuma atividade, mas implementaria exercícios físicos na rotina dos utentes e animais de estimação por considerar fortes contribuintes a um estilo de vida mentalmente e fisicamente saudáveis.
Infelizmente, não só a nível social mas também a nível cientifico, as doenças mentais parecem ser descriminadas, e por isso, considero que a principal medida a ser tomada no futuro é uma maior atenção e maior investimento na área que hoje se encontra em falta."
                                                                                                             M.R. 12º I


"Na minha opinião, esta visita foi bastante interessante, visto que foi diferente das visitas de estudo que costumamos fazer. 

Achei particularmente interessante o facto de estarmos tão pouco informados sobre esta área que quando a visita de estudo terminou todos nós estávamos muito mais calmos do que no início, por já sabermos que afinal as pessoas com doenças mentais que observámos eram bastante mais parecidas connosco do que esperávamos.

Resumindo, esta visita expandiu-nos horizontes, porque ficámos a saber principalmente que a pessoa com uma doença mental não é só a doença, e sim uma pessoa que apenas está doente. Portanto não podemos reduzi-la à sua doença. Devemos saber reagir de forma natural, como se não existisse doença mental naquela pessoa."

 D. C. 12ºI



"Na minha opinião esta visita de estudo foi bastante interessante uma vez que nos permitiu ter consciência de um outro “mundo” para além daquele a que estamos habituados, a ter outra visão da realidade, tanto que para mim a parte da qual mais gostei foi aquela que denominei de fase três onde tivemos contacto com os utentes e pudemos observar o dia a dia dos mesmos."
M.L. 12º I

Visita de Estudo à Casa de Saúde do Telhal - sobre a doença mental (2)

Nesta publicação apresentamos excertos do conteúdo da brochura distribuída na altura aos nossos alunos.

Quadro atribuído a Hieronymus Bosch (entre 1475 e 1480, data provável).
A inscrição do quadro é "Mestre, tira-me depressa essa pedra, meu nome é Lubber Das" (Lubber Das era um personagem satírico da literatura holandesa que representava a estupidez) 

Perturbação Mental em Números



  • Mais de um quinto dos portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica (22,9%).
  • Portugal é o segundo país com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa, sendo apenas ultrapassado pela Irlanda do Norte (23,1%).
  • Entre as perturbações psiquiátricas, as perturbações de ansiedade são as que apresentam uma prevalência mais elevada (16,5%) seguida pelas perturbações do humor, com uma prevalência de 7,9%.
(dados da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental) 






"Antes, os loucos tinham de ser separados da sociedade e a doença mental grave não tinha muito tratamento. Melhorou muito, mas um dos grandes problemas da psiquiatria continua a ser o estigma.Havia enfermeiros especializados em levar as pessoas à força para hospitais onde ficavam a vida inteira. Hoje não é assim, felizmente, mas temos de trazer a psiquiatria para o dia a dia. E, sobretudo, ajudar as famílias. Há psicofármacos muito importantes mas não são suficientes, é preciso fazer um trabalho de psicoeducação junto das famílias. Dar-lhes apoio porque as pessoas vão viver mais, terão a doença controlada durante mais tempo, mas se não dermos apoio às famílias, os doentes não vêm ao tratamento e os familiares não sabem lidar com a situação.A Júlia [Pinheiro] teve uma filha internada no nosso serviço em Santa Maria, assumiu e foi útil para o tratamento das anoréticas. É fundamental tirar a vergonha dos temas da psiquiatria. A ideia do louco ainda é muito estranha.[O que me fez escolher a Psiquiatria foi tentar compreender o amor e o ódio, a guerra e a paz. […] Nisso, a psiquiatria não me ajudou, mas tornou-me mais humano."



Excertos da entrevista a Daniel Sampaio,  Jornal Expresso de 23 de out. 2016, disponível em https://expresso.pt/sociedade/2016-10-23-Daniel-Sampaio-A-psiquiatria-nao-me-fez-entender-o-amor-mas-tornou-me-mais-humano. Consulta a 27 de janeiro 2020



domingo, 12 de julho de 2020

Visita de Estudo à Casa de Saúde do Telhal (1)

No dia 30 de janeiro de 2020, os alunos de 12º ano, das disciplinas de Psicologia B, todas as turmas, e de Sociologia, turma I, participaram numa Visita de Estudo à

CASA DE SAÚDE S. JOÃO DE DEUS

MUSEU DE S. JOÃO DE DEUS Psiquiatria e História

Mem-Martins  

Imagens retiradas daqui: https://www.facebook.com/cst.telhal/photos/a.1429401360660483/2650395098561097a

 
Imagem retirada daqui: http://www.sintraromantica.net/
Com esta visita procurou-se sensibilizar os alunos para o problema da saúde mental em Portugal, contribuindo para a eliminação do preconceito relativamente aos portadores de doença mental e para o desenvolvimento de uma atitude favorável à promoção da saúde mental. 
A conduta dos nossos alunos foi louvável, tendo-se inclusivamente envolvido ativamente na interação com as pessoas portadoras de doença mental, sempre que proporcionado. Alguns alunos evidenciaram, mesmo, um entusiasmo e entrega acima do expectável. Deixaremos noutro post alguns dos seus registos.
Devemos também referir que fomos muito bem recebidos. A visita foi muito bem programada pelos responsáveis da Casa de Saúde do Telhal. A parte da manhã foi orientada para aspetos mais teóricos e informativos relativos ao trabalho realizado nas diferentes valências deste complexo, com uma sessão no Auditório, e com uma visita ao museu de Psiquiatria. Esta incluiu, entre outros, a referência a alguns tipos de tratamento usados antes da descoberta dos psicofármacos e de um maior conhecimento das doenças mentais, e a exposição de  trabalhos artísticos. 
A parte da tarde foi orientada para o conhecimento das diversas atividades do âmbito da terapia ocupacional. Os alunos estiveram em vários ateliers em que são realizados trabalhos diversos consoante as características, os gostos e as competências dos utentes e tiveram oportunidade de interagir com alguns deles. Neste caso, tiveram uma breve preparação pelas técnicas responsáveis, após o que se envolveram com os utentes, ora conversando ora realizando com eles algumas atividades.
Um elogio aos nossos alunos, por toda a sua conduta. Um agradecimento aos professores que nos acompanharam.
Um agradecimento muito especial à Casa de Saúde do Telhal, a todos os que tão bem nos receberam. Fizeram-nos sentir acolhidos numa visita que superou as nossas expectativas.


Exame de Filosofia 2020 - Prova e Critérios Gerais de Classificação

No passado dia 8 de julho, pelas 9:30, realizou-se o Exame Nacional de Filosofia (714).
Alguns alunos da nossa escola optaram por este exame, ou para acesso ao Ensino Superior ou para conclusão do Ensino Secundário. Esperamos que tenham conseguido uma prestação ao nível do seu trabalho e merecimento, numa prova que pode ser considerada atípica, tal como foi o ano letivo que acaba de chegar ao fim...

Imagem retirada daqui: https://postal.pt/sociedade/2020-07-06-Exames-nacionais-Quase-42-mil-alunos-fazem-prova-de-Portugues


Deixamos aqui os links de acesso à prova, versões 1 e 2, e aos respetivos critérios gerais de classificação.

Versão 1
http://www.iave.pt/images/arquivo_de_provas/2020/714/EX-Fil714-F1-2020-V1_net.pdf

Versão 2
http://www.iave.pt/images/arquivo_de_provas/2020/714/EX-Fil714-F1-2020-V2_net.pdf

Critérios gerais de classificação
http://www.iave.pt/images/arquivo_de_provas/2020/714/EX-Fil714-F1-2020-CC-VT_net.pdf

E se Descartes estiver errado?


Este texto é da responsabilidade da aluna L.M do 11ºano, turma A. Por razões de melhor legibilidade, selecionou-se o excerto considerado mais significativo para dar relevância à posição crítica da autora relativamente à filosofia cartesiana.

Ao duvidar de tudo consigo perceber uma coisa: estou a pensar e para pensar preciso de existir, se penso pelo menos eu existo como substância pensante. Esta afirmação vai ser a base para todas as certezas. Vai ser o alicerce do sistema do saber. O cogito ao ser descoberto por intuição e de natureza puramente racional e que dependeu unicamente da razão, é uma afirmação evidente e indubitável com uma certeza inabalável e é a 1ª certeza de que podemos ter. Assim fornece-nos o critério de verdade que é a clareza e a distinção das ideias, ou seja, tudo o que concebemos muito claro e distintamente é verdadeiro. 
O cogito por ter natureza de puro pensamento é independente em relação ao corpo, por isso é mais acessível e é anterior ao conhecimento das coisas corpóreas. 
Só de uma coisa tenho a certeza (de que existo), então será que existe algo para além de mim? Como não posso recorrer aos sentidos, pois já os recusei no início, tenho de recorrer a mim mesmo e procurar na minha mente. Com isto concluo que existem diferentes tipos de ideias: as que “vieram comigo” (as ideias inatas); outras que vieram de fora (as ideias adventícias) e as que foram inventadas por mim (as factícias). Ao examinarmos as ideias inatas descobrimos que o homem é um ser imperfeito que não pode criar só por si a ideia da perfeição, esta ideia é inata e só pode ter origem no próprio Deus que a colocou na nossa mente. Esta ideia faz-nos conceber Deus como um ser perfeito, incapaz de nos enganar pois enganar é imperfeito. Assim para além do cogito, passamos a admitir a existência de Deus e do mundo. 
Em conclusão ao duvidar de tudo só consigo ter a certeza de uma coisa: eu duvido e se duvido, eu existo e com isto conseguimos comprovar a existência de mundo e de Deus. 
O cogito parece extremamente seguro e inabalável, mas e se estivesse errado? 
Começamos pelo facto de ele dizer que é uma crença básica quando dizemos “Penso, logo existo” estamos a compreender e a descodificar várias ideias. Será que a verdade dessa ideia seria tão evidente se não conhecêssemos anteriormente a verdade de outras ideias? Ou seja, o cogito deriva de uma inferência, de um raciocínio, um conhecimento derivado, por isso não é uma crença básica, pois esta tem e ser conhecida diretamente, sem inferência. 
De seguida, Descartes afirma que Deus é a garantia de verdade do que conhecemos evidentemente, mas ao mesmo tempo usa a clareza e a distinção para provar Deus, comete uma falácia da petição de princípio. Assim a filosofia de Descartes cai por base. 
Passando à frente, a filosofia de Descartes começa pela dúvida num alcance universal estendendo-se tanto às crenças como às nossas faculdades racionais. Em primeiro lugar o ceticismo extremo é impossível pois está para além do que o ser humano consegue fazer. Mas mesmo que conseguíssemos não conseguíamos ir para além dela sem usar as faculdades racionais (que já pusemos em dúvida). Ou seja, se a dúvida fosse praticável seria inultrapassável. 
No projeto de Descartes a existência de cogito é fundamental. No entanto não podemos ter nenhuma ideia do eu. Todas as nossas ideias têm origem em impressões, mas nenhuma impressão tem origem na ideia “eu”. Tudo o que vemos quando olhamos para nós são uma sucessão de perceções particulares. Por isso o cogito é apenas uma ficção e não pode ter o papel essencial de Descartes lhe dá. 
Por fim Descartes prova a existência de do mundo exterior com o facto de argumentar que as ideias cuja causa atribuímos com a objetos físicos têm, de facto, essa causa. Mas segundo a objeção nós só temos experiência direta das representações na nossa mente, não dos objetos físicos, assim não podemos ter a relação entre as nossas representações mentais e os objetos que elas copiam. Deste modo não podemos afirmar que os objetos físicos são a causa das nossas perceções e portanto não existem objetos físicos. 
Assim o projeto de Descartes é condenado ao fracasso. 


Somos escravos?


Este texto é da responsabilidade do aluno P. M. do 11º ano, turma A, que o realizou livremente, respondendo ao desafio que lhe foi lançado numa aula de Filosofia (ou teria sido no final de uma aula de Filosofia?). Por tantos afazeres, este texto, entregue ainda no 1º período, só agora é publicado. Pelo facto, se pede desculpa ao autor. O título é da nossa responsabilidade e espero que o autor não discorde dele. 

Durante as minhas últimas reflexões eu vim-me a aperceber de algo: nós somos escravos. Não, eu não vim aqui falar de questões de livre arbítrio nem nada do género. Eu venho aqui falar de outros assuntos. Quando usar o termo “escravo” não me vou referir apenas ao facto de as acções de um determinado indivíduo serem constrangidas por algo, mas também irei aqui mencionar o opressor do indivíduo.
Então, para começar, vou mencionar as diferentes opressões a que estamos sujeitos. Nós, seres humanos, somos escravos de três coisas:
1. Nós somos escravos da natureza;
2. Nós somos escravos da sociedade;
3. Nós, por mais peculiar que pareça, somos escravos de nós mesmos.
Comecemos, naturalmente, pelo princípio. Nós somos escravos da Natureza, das Leis da Física. Suponho que não existe ninguém que esteja a ler este texto que não concorde com este juízo. Afinal, todos nós estamos sujeitos à acção do tempo, da gravidade, do nosso próprio genoma, entre outras coisas. Por muito que quisesse (e, em última análise, por muito proveitoso que pudesse ser), nenhum de nós poderia parar o tempo, voar pelos próprios meios ou não dormir nunca. Não sei o que nos reserva o futuro, porém, acho que o único local onde alguma vez seremos livres das Leis da Física será na nossa imaginação.
Está bem, nunca seremos livres do primeiro opressor mas, e então o segundo? Nós somos escravos da sociedade que construímos e em que vivemos. Questionem-se: no que consistem os vossos dias? Bem... - dirão vocês - eu acordo, tomo o pequeno-almoço, vou para a escola, volta para casa, faço os TPCs, tomo banho, lavo os dentes e volto a dormir. Quanto tempo é que têm livre? Pouco... - dirão. E se nós estivermos atentos veremos que a vida adulta não é muito melhor, pelo contrário. O único tempo livre que temos durante o tempo escolar é, por norma, apenas o fim-de-semana (ou nem isso naquelas vezes em que a professora de matemática nos envia 11 exercícios para fazer para segunda-feira). Então, esperamos sempre que a semana acabe e que chegue o tão apreciado fim-de-semana. Meus caros colegas: isso não é forma de se viver. Isto tudo para dizer o quê? Que é a rotina, sim, aquela rotina chata e monótona que nos enche a vida e que faz com que nós fiquemos cansados de tudo isto. É ela que nos oprime. Mas não só, também é o sistema com que a nossa sociedade se organiza, quer seja o sistema político, injustiças sociais ou outras tais futilidades. Então, que se pode fazer para mudar a sociedade? Como é que nós podemos ser iguais à Finlândia, onde os estudantes só têm aulas de manhã para puderem passar mais tempo de qualidade com as suas famílias e desfrutarem da vida, ou à Suécia ou à Noruega, essas utopias nórdicas? Bem, a sociedade é difícil de mudar mas, se cada um fizer a sua parte e for perseverante no que toca ao assunto, talvez ela mude, um dia. Até la, resta-nos tentar aproveitar bem a vida que temos pois, verdade seja dita, ela podia ser bem pior.
Por fim, abordemos o último tópico, algo que é, de certa forma, vergonhoso e estranho simultaneamente. Pior que ser um escravo é ser um escravo de mim mesmo. E como é que tal coisa pode ser possível? Fácil: cedendo aos nossos vícios. Nós, quando sofremos de adicção e nos custa largar aquele prisma de lítio e silício, que nos capta a atenção com toda aquela luz, ou quando estamos viciados, como acontece com alguns, em tabaco ou drogas, e, apesar de querermos largar aquilo acabamos por ceder àquela tentação só porque ela nos alegra a vida. Ou ainda, como acontece com os obsessivo-compulsivos, que se sentem tão desconfortáveis se não fizerem aquilo que os deixa ainda mais desconfortáveis... (Pois... mas isso já é uma perturbação mental um quanto difícil de explicar por isso fiquemos pelos primeiros dois exemplos.). Eu próprio admito que muitas vezes sofro de adicção. Eu podia estar a fazer coisas muito mais interessantes do que estar a ver vídeos idiotas ou a jogar um jogo da treta no telemóvel. Coisas que ajudassem no meu desenvolvimento pessoal (dedicar-me mais à escrita, à leitura, etc.). Às vezes penso: “está bem, hoje vou começar a ler um livro”. Cinco segundos depois olho para o ecrã do telemóvel e fico por lá.
Agora, analisemos outro exemplo. Um indivíduo viciado em nicotina ou noutra droga qualquer, que quer deixar o seu vício e recomeçar a sua vida a partir daí, mas que não consegue. Porque o indivíduo já se curvou tanto perante o seu vício que já não se consegue levantar. Porque é só desta vez, é só mais uma vez, porque a vida não está a correr bem ou por outra razão qualquer.
E assim, cada um de nós se escraviza a si mesmo. Se bem que a pergunta que deve estar nas vossas cabeças agora deva ser “e é possível libertar-me dessas correntes?”. Para ser franco, não tenho certeza de que isso seja possível para todos os casos ainda que eu goste de pensar que sim. A solução é, a meu ver, sintetizada em três palavras, força de vontade. Analisa cuidadosamente os teus hábitos diários, se descobrires que possuis algum vício, que te está a moldar negativamente, recorre ao teu poder de iniciativa e tenta acabar com ele deixando-o simplesmente para trás ou entretendo-te com outras coisas que te distraiam daquilo, hábitos mais saudáveis. Caso ele persista procura ajuda especializada (sim, eu estou a falar de um psicólogo caso seja necessário, e antes que pensem em alguma coisa só há que ter vergonha de não ter coragem de admitir que se tem um problema). É assim que, recorrendo à nossa força de vontade, nos podemos libertar de todas as nossas inibições e começar a viver as nossas vidas.
Podemos não nos conseguir libertar das Leis da Física pois elas só dependem do Universo; podemos não nos conseguir libertar da rotina da nossa vida profissional já que isso implicaria mudanças extravagantes na nossa sociedade actual; mas podemos libertar-nos dos nossos vícios pois esses só dependem de nós. O importante é nunca desistir de tentar.
Obrigado por estarem a ler este texto enquanto vocês podiam estar a fazer outra coisa qualquer. Caso não estejam a ler este texto, deviam estar.