Publicamos o ensaio filosófico elaborado pela aluna M.C. do 11º F.
Até que ponto é que a sociedade e a política influenciam a arte?
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José Malhos, A corar a roupa, 1923 (óleo sobre tela, 34x45cm) |
Será
que a arte é algo que não se confunde e que não é influenciado? Será que é
minimamente condicionada? Ou será que a arte é totalmente influenciada pelo
contexto que a rodeia? Neste ensaio vou-me debater sobre este problema
filosófico, adotando uma posição face ao mesmo. Mas, vou focalizar estes temas
numa determinada época: a segunda metade do séc. XIX, em Portugal.
Esta
época é fortemente marcada pelo realismo, em oposição ao romantismo. O realismo
é um movimento artístico e literário que se caracteriza pela representação fiel
da realidade e, portanto, da sociedade. Alia-se muitas vezes ao naturalismo, ao
retratar tudo com uma elevada objetividade e cientificidade. Uma outra
característica do realismo é o facto de abordar diversos temas sociais presentes
na respetiva época, de uma forma crítica, baseando-se, portanto, no quotidiano.
O facto de o realismo pretender mudar a sociedade com as suas ideias e
expressões artísticas transforma esta corrente também num movimento político e
social. Por outro lado, o romantismo caracteriza-se por uma subjetividade
extrema, aliada a um certo exagero, o que significa que não retrata a realidade
tal como ela é, apenas uma ilusão ou uma fantasia. Ou seja, realismo e
romantismo são correntes antagónicas, por um lado o realismo com uma visão mais
objetiva sobre as relações humanas e, por outro lado, o romantismo que se apoia
numa visão idealizada da vida. É importante também referir que o movimento realista
surgiu em França, tendo-se rapidamente alastrado pela Europa, e coincidiu com
uma nova fase da Revolução Industrial e com uma época de descobertas nas
diferentes áreas e de revoluções. Mais especificamente, neste ensaio, ainda vou
ter por base a cultura e sociedade portuguesas nesta época, sendo importante
salientar que esta corrente do realismo chegou a Portugal em 1865, com o início
da Questão Coimbrã, uma polémica literária fortemente marcada pelos ideais
realistas e liderada por Antero de Quental.
Agora
que já está contextualizada a época em que este ensaio vai partir, considero
relevante demonstrar a importância deste problema filosófico, ou seja, a
importância desta reflexão. Primeiramente, a arte é uma forma de expressão
humana a diversos níveis. A filosofia, por sua vez, tem como principal objeto
de estudo a ação humana e daí que seja importante, através da filosofia,
estudar a arte e estudar as suas influências, o seu funcionamento e o seu
conceito, já que a mesma consiste numa forma de ação humana. Para além disso, a
arte obriga, de forma espontânea, a uma reflexão por parte do homem, quer seja
o criador da obra ou mesmo aquele que a contempla. Isto remete para a essência
da filosofia, que é refletir. Ou seja, este aspeto comum, a reflexão, reforça a
união destas duas vias, o que vai, por conseguinte, reforçar a necessidade de
conhecer verdadeiramente a arte e se esta é realmente influenciada,
nomeadamente, pela sociedade e pela política. Uma outra visão consiste no facto
de a arte nos ajudar a conhecer o passado. Este conhecimento do passado
considero crucial para o desenvolvimento do futuro (não me vou alongar em
justificações face a esta afirmação, pois isso implicaria entrar noutro
problema filosófico). Ou seja, se a arte for realmente influenciada pela
sociedade e pela política, o seu estudo permite-nos conhecer melhor estes dois
domínios ao longo das diferentes épocas históricas, o que significa adotar uma
perspetiva de cognitivismo estético, que defende que uma obra de arte para além
de proporcionar prazer estético também permite alargar o conhecimento do ser
humano e do mundo. Em suma, considero importante o debate sobre este problema
porque a arte é uma forma de ação humana, a mesma obriga a uma reflexão e o seu
estudo permite-nos conhecer melhor o passado e as mentalidades das diferentes
épocas, se for realmente influenciada e é isso que eu vou demonstrar aqui.
Assim,
neste ensaio, defenderei a influência da sociedade e da política na arte na
época do realismo, em Portugal, através de uma focalização e contextualização
dos conteúdos. Para isto, em primeiro lugar, explicitarei mais objetivamente a
minha teoria e ainda apresentarei outras teorias face ao mesmo problema. De seguida,
apresentarei argumentos que justifiquem a minha posição. Por fim, discutirei
possíveis objeções aos argumentos previamente referidos.
Face
a este problema existem algumas teorias. Eu vou apresentar aqui três. Uma delas
assume uma perspetiva mais ingénua, defendendo que o artista é totalmente livre
e independente, não sendo, portanto, influenciado por valores sociais e
políticos, logo, a sua arte também não é influenciada por esses mesmos valores,
já que é somente dependente do sujeito que a produz, das suas emoções e
sentimentos relativos somente à sua vida pessoal. A segunda teoria adota uma
perspetiva mais moderada, defendendo que o artista é minimamente influenciado
por valores sociopolíticos, mas que a sua arte é produto apenas do seu quadro
de emoções estéticas e sentimentais, sempre de uma perspetiva bastante pessoal,
ou seja, a obra de arte nunca é influenciada por aspetos extrínsecos ao
artista. Aqui, as emoções estéticas são sentidas durante o processo de
elaboração ou contemplação da obra de arte e são relativas ao aspeto visual da
mesma. A última teoria já vai adotar uma posição mais radical, ao defender que
o indivíduo é totalmente influenciado pelo contexto social, histórico e
político em que se insere e que as suas obras de arte são feitas de acordo com
um conjunto de valores tradicionais relativos ao contexto que rodeia o artista
e, por vezes, até são feitas com um determinado objetivo, influenciado pela
corrente social e política do artista.
A
teoria que eu defendo é a mais radical e vou defendê-la tendo por base a época
da segunda metade do século XIX e a cultura e sociedade portuguesa dessa mesma
época, apresentando argumentos articulados com exemplos deste mesmo período.
Assim,
o meu primeiro argumento que tenta provar a minha teoria é baseado nas
características das obras de arte realistas. Estas descrevem, como o próprio
nome indica, a realidade, ou seja, a sociedade da forma mais rigorosa e
objetiva possível- característica que aproxima o realismo do impressionismo,
que se caracteriza por uma pintura rigorosa que retrata com verosimilhança a
sociedade. O facto de as obras realistas retratarem a sociedade prova a
influência da mesma, ou seja, a existência de determinadas características,
comportamentos e ações do quotidiano que rodeia o artista acabam por
condicionar e definir o que o mesmo vai retratar na sua obra. Temos como
exemplo a obra “Corar a roupa”, de José Malhoa (1855-1933), um pintor realista português, que retrata claramente uma
atividade do quotidiano, ao se observar uma senhora a corar a roupa, ou seja, a
existência deste costume na sociedade portuguesa influenciou o artista a
retratá-lo.
O
meu segundo argumento vai assentar nas características de uma corrente
artística, que é um conjunto de ideias que constituem a base teórica do
pensamento de um grupo ou de uma doutrina. O facto de ter existido uma corrente
realista, por exemplo, significa que várias obras de arte e artistas, ou apenas
indivíduos, aderiram ao conjunto de características do realismo e às suas
ideias, que se baseavam na mudança da sociedade, tentando desapegá-la dos
ideais românticos, valorizando uma visão objetiva da realidade, sem exageros.
Esta adesão só foi possível através da influência social e política da corrente
realista logo, a arte é influenciada pela sociedade e pela política, caso
contrário, não existiriam correntes artísticas, o que não é verdade. Um bom
exemplo são as famosas Conferências no Casino, elaboradas por um grupo de
intelectuais portugueses, como Antero de Quental e Eça de Queirós, que tiveram
contacto com países europeus e, portanto, com a corrente realista. Estas
conferências tinham como objetivo ligar Portugal com o movimento moderno
realista. Com isto, pretendiam agitar na sociedade as grandes questões da
filosofia e da ciência moderna e, ao mesmo tempo, apontar e criticar certos
aspetos da sociedade portuguesa a nível político, económico e religioso,
fazendo uma leitura extremamente objetiva desta mesma sociedade. Por outras
palavras, eles entendiam a corrente realista como o ideal moderno de justiça e
verdade e achavam importante divulgá-lo. As suas obras de arte, mais ligadas à
literatura, tinham também o objetivo de transmitir uma determinada informação à
sociedade e isto revela a função social da arte e o seu caráter de denúncia
social. Como se pode constatar, estas conferências tinham características
partilhadas com a corrente realista e as expressões artísticas e literárias
destes mesmos intelectuais portugueses eram também de forte caráter realista o
que prova a adesão à corrente em causa, ou seja, a influência da sociedade
estrangeira e do movimento político realista na mente e nas obras dos
indivíduos.
O
terceiro, e último, argumento vai partir da integração do artista numa
sociedade. Primeiramente, um indivíduo sofre independentemente um processo de
socialização, que é a integração de um sujeito numa sociedade, implicando a
assimilação da cultura a que pertence. Assim, um artista vai estar comprometido
com um conjunto de valores sociais, culturais, estéticos e políticos que
definem as tradições culturais da sociedade em que se insere. As sociedades
também vão evoluindo ao longo dos anos logo, um indivíduo também está
comprometido com o contexto histórico em que se insere. Este quadro de valores
que condiciona o artista vai condicionar, naturalmente, as suas obras de arte.
Por exemplo, um artista que tenha nascido na primeira metade do século XIX,
dominada pelas ideias do romantismo, seria influenciado por essa corrente. Por
outro lado, se o mesmo artista tivesse nascido na segunda metade do século XIX,
dominada por ideais realistas, seria inevitavelmente influenciado pela corrente
em vigor. A sua arte sofreria de igual forma estas influências, já que é
dependente do artista. Ou seja, os artistas, ao serem influenciados pelos
acontecimentos em redor e pelos anseios e valores da sociedade, vão refletir
esses mesmos acontecimentos, anseios e valores sociais e culturais nas suas
obras, pois estes fatores intrometem-se nas emoções, estéticas ou não,
sentimentos e formas de pensar dos artistas. Em suma, a arte está dependente do
artista. O artista é livre num quadro de condicionantes sociais, culturais,
históricas e políticas. Logo, a arte também está dependente desse quadro de
condicionantes sociais, culturais, históricas e políticas.
Face
a estes argumentos, podem existir objeções. Eu vou apresentar algumas delas.
A
primeira objeção é feita ao primeiro argumento e é baseada na universalidade da
obra de arte. Neste argumento está explícito que a arte representa a realidade,
ou seja, a sociedade. No entanto, existem obras de arte que representam a realidade,
mas representam algo que está para além da sociedade, algo que é universal e
que não está dependente de quaisquer valores sociais. Por exemplo, quando um
artista pinta um animal numa tela, representando-o. Aqui, o animal que o
artista representou é algo extrínseco à sociedade a que ele pertence, é algo
universal a todas as sociedades. A pesar disto, eu não considero esta objeção
muito prejudicial ao argumento, já que este exemplo se aplica apenas a um
reduzido número de casos. Na época que eu focalizo neste ensaio esta objeção é
ainda menos relevante, uma vez que a arte realista realçava muito mais aspetos
do quotidiano, que são relativos a cada sociedade e cultura.
Outra
das objeções é feita ao terceiro argumento, que defende que os valores
socioculturais, estéticos e políticos comprometem e condicionam o artista e a
sua arte, uma vez que estes mesmos valores influenciam as emoções e a forma de
pensar do artista. No entanto, aqui está-se a passar para um campo pouco
conhecido: o campo da nossa mente. A mente humana é muito complexa e, com isto,
não conseguimos observar e ter provas concretas e seguras destas influências na
mesma, por parte dos valores que nos rodeiam. A pesar disto, esta ideia de que
somos realmente comprometidos com um determinado contexto e que a nossa vida
interior, a nossa mente, é igualmente influenciada por isso é a ideia, pelo
menos, mais próxima da verdade, dadas as situações que conhecemos minimamente.
Estas situações assentam em mudanças de comportamentos, por parte de
indivíduos, que sofreram uma mudança no seu contexto social, cultural e
político.
Com
isto tudo, conclui-se que a arte, na minha perspetiva, é extremamente
influenciada pela sociedade e pela política, sendo importante o debate sobre
este tema porque o mesmo obriga a uma reflexão, dada a natureza da arte e a sua
necessária união com a filosofia, e porque nos permite conhecer melhor as
diferentes épocas, mentalidades e sociedades, uma vez que se denota a
influência da sociedade e da política na arte. Desta forma, eu adoto uma
perspetiva de cognitivismo estético, defendendo que uma obra de arte para além
de proporcionar prazer estético também nos permite alargar o conhecimento sobre
o mundo. Eu defendi a minha perspetiva através de três argumentos. O primeiro
baseou-se no facto de as obras de arte representarem a sociedade, o segundo
partiu da definição de corrente artística e do que é que a existência de tais
correntes implica e o terceiro argumento assentou no facto de o artista estar
comprometido com um contexto histórico, social, político e cultural, tendo isto
impactos a nível estético e na sua vida interior, dependendo a sua arte destes
mesmos fatores. O movimento do realismo é um perfeito exemplo para a
comprovação destes argumentos, uma vez que os seus valores, as suas ideias e
características consistiam na representação objetiva da realidade, dominaram a
Europa e constituíram uma corrente artística que influenciou inúmeras
mentalidades e sociedades, acabando também por consistir num movimento
político. O realismo alcançou Portugal na sua devida época e os exemplos que eu
apresentei foram prova disso e, com isto, foram também prova da massiva e
revolucionária influência política e social na arte. Como tentativas de
refutação aos argumentos e, portanto, à teoria defendida, apresentei duas
objeções. Posteriormente, expliquei a sua pouca relevância e de que maneira é
que não afetavam a veracidade da minha teoria. Com isto tudo, provo a minha
teoria, ou seja, provo que a arte é bastante influenciada pela sociedade e pela
política. Na época do realismo essa influência foi extremamente notória, sendo
quase como uma “nova expressão da arte”.
muito útil! obrigada
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