À partida, é imperioso
considerar que qualquer religião, mais ou menos numerosa, mais ou menos
organizada, parte dos particularismos e idiossincrasias de onde nasceu (é a
Historicidade, que também afeta a própria Filosofia).
Entende-se como religião, a
complexidade, organizada e ordenada, de crenças, ritos, espaços e tempos
sagrados, ensinamentos e narrativas, que se referem ao Transcendente, que nas
religiões é entendido como fundante e anterior ao Tempo. Faz parte também do
fenómeno religioso o conjunto de normas para a existência quotidiana que
possibilitem a harmonização com o poder transcendente e com a sua ordem
fundante e fundadora. Por este motivo qualquer religião tende a apresentar-se
como ‘A Narrativa’ (exclusiva e verdadeira) dos acontecimentos primordiais, a
explicação para os acontecimentos presentes e a possibilidade de antecipação
dos tempos futuros, assim como oferecer o sentido primeiro e último para a Existência.
No entanto, porque o mundo
se foi transformando num lugar pequeno e fomos cada vez mais podendo comparar
as diversas narrativas religiosas, situando-as no espaço e no tempo, podemos
verificar que as referidas narrativas, que revelam e permitem a relação com a
transcendência, decorrem (decalcam, até) as circunstâncias existenciais,
concretas, do povo onde elas nasceram, que nelas acredita e as revela. Por
exemplo: para os povos semitas (judaísmo, islamismo), rodeados pelo deserto,
que se apresenta sempre inconstante na sua aparência, o Transcendente não pode
manifestar-se nunca ao olhar e marca-se com mandamentos severos essa
impossibilidade relativa à representação da Transcendência (proibição absoluta
da representação de realidades transcendentes) - a experiência do deserto
mostra que o olhar está sujeito às miragens e que o território é volátil devido
aos ventos que o alteram constantemente; pelo contrário, o subcontinente
indiano é rico na sua variedade geográfica, fauna, flora… aí os sentidos são
inundados constante e prazenteiramente e é assim que vemos nas religiões da
India (no Sanatana Dharma), a valorização dos sentidos e a crença de que estes
podem (não só, mas também) conduzir à Transcendência - torna-se muito natural
que até tenham um conceito para isso: darshan
(ver Deus).

Prof. Carlos Reis
2/12/2021