segunda-feira, 1 de maio de 2017

Debate Eutanásia (2) - Eutanásia como problema ético e como problema político

As teorias éticas visam responder a perguntas, como por exemplo: "O que é uma vida boa", "Como devemos viver", "O que é uma ação correta", "O que faz com que uma ação seja boa ou má"; a ética aplicada depara-se com problemas concretos, problemas que surgem no campo da experiência vivida em que é necessário tomar uma decisão. Neste âmbito, a eutanásia levanta questões como a de saber se a decisão de pôr fim à vida de alguém pode, em determinadas circunstâncias, ser justificável. É uma questão que surge principalmente na prática médica, que se coloca ainda com mais acuidade nos dias de hoje quando os meios terapêuticos existentes, dados os extraordinários avanços da tecnociência, tornam possível cada vez mais o prolongamento da vida em situações de doenças incuráveis.
Qualquer que seja a teoria ética que alguém defenda (deontológica ou utilitarista), nenhuma teoria tem uma resposta simples e qualquer resposta apresenta dificuldades. Por exemplo, um deontologista dirá que em circunstância alguma é aceitável provocar a morte de alguém, pois viola o dever ético de "não matar". Mas se uma pessoa está em grande sofrimento e deseja abreviar a vida que nada mais lhe oferece senão dor e continuado sofrimento, se na posse plena das suas faculdades desejar a morte, deverá ou não ser ajudada se não o puder fazer pelos seus próprios meios? Não é também um dever ajudar o próximo?
Não, não há nem soluções nem sequer respostas fáceis. E talvez não haja também boas respostas se dermos um conteúdo positivo ao bem. Talvez haja apenas, no confronto com um dilema ou uma situação difícil, umas respostas melhores do que outras. E sobre o que significa "melhor", teremos de ser nós a decidir.
Acontece assim com muitos dos problemas humanos. É por isso que é preciso pensar e refletir sobre eles. 

A prática de eutanásia, no sentido de dar resposta ao pedido de um doente para ativamente ser ajudado por meios farmacológicos a morrer, o que se entende ser um ato de eutanásia voluntária ativa, é proibida pela legislação portuguesa e pelo Código Deontológico dos médicos, sendo considerada um homicídio.
É deste modo que o problema da eutanásia se coloca hoje também como problema político a exigir legislação adequada. Sendo assim, pensar e procurar ter uma posição sobre este problema é um dever de cidadania.  E este problema deve, por sua vez, ser equacionado como ligado às questões mais gerais da prestação de cuidados de saúde em fim de vida onde a questão dos cuidados paliativos não pode estar ausente. Em última análise, trata-se de pensar a sociedade onde todos queremos viver.

Sobre este assunto, ouçamos o neurocirurgião João Lobo Antunes, recentemente falecido (em 2016). Era na altura Presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.



"Do ponto de vista ético, há muitas causas fraturantes, em que toda a gente acha que sabe e tem uma opinião segura e fundamentada, quando a maior parte das vezes é ignorante. A eutanásia, só para dar um exemplo. As pessoas não sabem nada o que representa, sobretudo na mudança quase radical no paradigma da prática médica e do entendimento da função do médico. É preciso chamar a sociedade a refletir e discutir todas estas questões. A decisão não pode ser entregue apenas a um grupo, seja ele qual for, de políticos, de governantes, da indústria ou da academia. Tem que ser um compromisso nacional. Há todo um processo a fazer de educação da sociedade portuguesa, para criar alguma literacia ética nestas matérias delicadas. Mas não, as pessoas apenas se vão distraindo, com alguma culpa dos media, quando há extraordinários desafios. Com que olhos vemos, por exemplo, as imagens televisivas daqueles barcos tão frágeis, carregados de pessoas como nós, que fogem da guerra, da fome? Talvez com uma compaixão, mas passiva. A minha preocupação moral vai nesse sentido e é sobre isso que tenho falado muito."
retirado de: http://visao.sapo.pt/jornaldeletras/ideias/2015-10-21-Joao-Lobo-Antunes-o-cerebro-o-espirito-e-as-palavras

Anos antes, em 2011, numa conferência sobre o direito a morrer, na Universidade Católica Portuguesa, tinha-se pronunciado assim: “A eutanásia, que mais tarde ou mais cedo acabará por ser regulamentada em Portugal, só faz sentido se nós pudermos garantir a alternativa de um final de vida cuidado na sua dimensão tripla: física, psicológica e espiritual. Enquanto isso não for garantido a todos é um debate prematuro e moralmente injustificado”.

1 comentário:

  1. Ou seja, a eutanásia existe quando for alternativa e possa haver escolha. Que ainda não há.

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