domingo, 5 de outubro de 2014

A ciência e o problema do livre-arbítrio


Haverá afinal espaço para o livre arbítrio?

2014-10-02
Depois de algum tempo de espera, desiste e levanta o braço para chamar um táxi
Depois de algum tempo de espera, desiste e levanta o braço para chamar um táxi
Está sentado numa paragem de autocarro e acredita que o autocarro irá chegar em breve. Olha para a estrada. Nada. Alguns minutos depois, levanta-se e começa a andar. “Talvez haja algum problema” - pensa. Depois de algum tempo de espera, desiste e levanta o braço para chamar um táxi. Assim que se começa a afastar da paragem, vê no retrovisor o autocarro a chegar à paragem. Mas será que teve possibilidade de esperar um pouco mais? Ou desistir de esperar pelo autocarro foi o resultado inevitável e previsível de uma determinada cadeia de eventos neurais?
No estudo publicado na revista Nature Neuroscience, investigadores do Centro Champalimaud, em Lisboa, revelam que os registos de actividade neural podem ser usados para prever quando é que decisões espontâneas vão ocorrer. “Experiências como esta têm sidas usadas para argumentar que o livre arbítrio é uma ilusão. Mas agora achamos que essa interpretação é equívoca”, explica Zachary Mainen, investigador principal e director do Programa de Neurociências da Fundação Champalimaud.

A fim de tentarem prever quando é que o rato iria desistir de esperar por um sinal sonoro retardado, os investigadores registaram a actividade de neurónios numa área do cérebro conhecida por estar envolvida no planeamento de movimentos. “Nós sabíamos que os ratos não estavam apenas a responder a um estímulo, mas também a decidir espontaneamente quando desistir, pois a sua escolha variava de forma imprevisível de uma tentativa para outra”, explica Mainen.

O livre arbítrio não é uma ilusão
O livre arbítrio não é uma ilusão
Os investigadores descobriram que os neurónios do córtex pré-motor conseguem prever as acções dos animais com mais do que um segundo de antecedência. Segundo Mainen, “isto é notável porque, em experiências semelhantes realizadas em seres humanos, estes relatam tomar a decisão de se moverem apenas dois décimos de segundo antes de se moverem.”
No entanto, os investigadores afirmam que este tipo de actividade neural de previsão não significa que o cérebro tenha feito uma decisão. "Os nossos dados podem ser muito bem explicados por uma teoria de tomada de decisão conhecida como um modelo de "integration - to - bound" (integração - até um - limite), diz Mainen.

Segundo esta teoria, as células cerebrais individuais votam a favor ou contra uma determinada acção, tal como quando levantamos um braço para votar. Os circuitos neurais dentro do cérebro vão mantendo um registo dos votos a favor de cada acção e, quando o limite é atingido, a acção ocorre.

Previsões eleitorais nunca são cem por cento precisas
Previsões eleitorais nunca são cem por cento precisas
Tal como acontece com os eleitores individuais numa determinada eleição, os neurónios individuais podem influenciar uma decisão, mas não determinam o resultado. Mainen explica:

"Os resultados das eleições podem ser previstos, e quanto mais dados disponíveis melhor será o prognóstico, mas estas previsões nunca são 100% precisas e ser capaz de prever parcialmente uma eleição não significa que os resultados são pré-determinados. Da mesma forma, ser capaz de usar a actividade neural para prever uma decisão não significa que a decisão já tenha ocorrido."

Neste estudo, os investigadores também descrevem uma segunda população de neurónios cuja actividade pensa-se reflectir o registo activo de votos para uma determinada acção. Esta actividade, descrita como do tipo "rampa", já tinha sido relatada anteriormente mas apenas em humanos e outros primatas.

 Zachary Mainen
Zachary Mainen
Segundo Masayoshi Murakami, co-autor do estudo,"Acreditamos que os nossos dados fornecem fortes evidências de que o cérebro está a operar por integração, até um limite, mas ainda há muitas incógnitas".

E Mainen conclui: "Conseguir perceber qual é a origem da variabilidade é a grande questão. E até conseguirmos percebê-la, não podemos dizer que percebemos como funciona a tomada de uma decisão."

O problema do livre-arbítrio é um problema filosófico muito antigo que hoje tem vindo a receber um conjunto de contribuições das neurociências. Não sabemos ainda o que vai acontecer. Restam duas hipóteses:
1. ou a ciência irá conseguir obter uma resposta que solucionará o problema que, assim, abandonará o campo da filosofia (como tem acontecido ao longo da História noutros casos)
2. ou a ciência esclarecerá uma parte do problema que continuará a persistir como questão filosófica

Simplificando, tradicionalmente considera-se  a existência de duas teorias filosóficas fundamentais. Temos
1. as que defendem que o homem está sujeito ao determinismo, que todas as ações são causadas e que, portanto, o homem não pode ser considerado livre nas suas escolhas e decisões. Julgamo-nos livres, apenas porque desconhecemos as causas das nossas ações, no dizer de Espinoza (filósofo do século XVII).
2. as que defendem que há escolhas livres, que o homem tem poder para decidir de acordo com a sua consciência racional e a sua vontade.

Segundo esta notícia, parece que os deterministas perderam um argumento a favor da sua tese. Afinal, o livre-arbítrio poderá não ser uma ilusão! 

Sendo assim, a questão de saber se o livre-arbítrio existe, a questão de saber se somos livres ou determinados nas nossas ações/decisões continua em aberto. 

Os alunos de filosofia seniores sabem bem do que estamos a falar!!!

Aliás, esta notícia é um desafio para o J.S., aluno de filosofia do 11ºano, que se declara determinista!

1 comentário:

  1. Consideramos que esta notícia não retira nenhum valor a qualquer das teorias sobre o problema do livre arbítrio. Quem pensa ter livre arbítrio continuará a pensar que o tem, e quem julga que as suas ações são determinadas por eventos anteriores, ou seja, assim como todos os outros sistemas no cosmos, respeitam a relação causa-efeito. É, no entanto, da nossa opinião, que pensar que somos diferentes de tudo o mais que já observámos é, no mínimo, uma falta de modéstia. Assim, mantemos a nossa posição: o determinismo; pois esta notícia revela apenas o desconhecimento, por parte da ciência, de uma resposta definitiva para este problema.

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