terça-feira, 5 de abril de 2016

A nossa memória, um novo instrumento contra a depressão?

Este post é a tradução parcial do artigo de Philippe Lambert, publicado a 28/03/2016, em http://le-cercle-psy.scienceshumaines.com/notre-memoire-nouvel-outil-contre-la-depression_sh_36074, com o título  




Notre mémoire, nouvel outil contre la dépression ?

Os pacientes depressivos apresentam uma deterioração do sentimento de continuidade de si, causada pela perda de uma representação coerente da sua pessoa no passado, no presente e no futuro. Não sabendo já verdadeiramente quais são os seus valores, as suas crenças e os seus objetivos, perguntam-se de certa forma quem são.
Precisamente, a memória autobiográfica intervém de maneira crucial na elaboração do sentimento da continuidade de si. Com efeito, o seu papel é o de permitir o armazenamento e a tomada de consciência de todas as informações pessoais relativas ao nosso passado. Dito de outro modo, ela alberga lembranças ricas e detalhadas de acontecimentos pessoalmente vividos e conhecimentos gerais sobre si - nome, idade, aptidões, gostos, etc. Segundo a corrente iniciada em 2005 pelo psicólogo Martin Conway, da Universidade de Bristol, as lembranças autobiográficas asseguram-nos um traço estável e coerente das nossas interações com o mundo. O passado e o presente iluminando o porvir, são estas mesmas lembranças que nos permitem representarmo-nos no futuro.

Os acontecimentos mais importantes
Existe uma classe de lembranças autobiográficas particulares: as «lembranças que definem o eu»[em francês, souvenirs définisant le soi] (em inglês, self defining memories), conceito elaborado em 1993 pelos psicólogos americanos Jefferson Singer e Peter Salovey. De que se trata? De lembranças autobiográficas das quais se pode dizer sucintamente que caracterizam muito bem uma pessoa, que apresentam um laço direto com uma preocupação persistente ou um conflito não resolvido e são reveladoras de valores, objetivos, e crenças que habitam um indivíduo. Exemplo: «Cada vez que que visitava os meus avós, via-os discutir. Dizia para mim, então, que a vida de casal não era feita para mim, que nada é melhor do que a liberdade, mesmo com o preço da solidão.»
Jefferson Singer não hesita em falar de lembranças que definem o eu como «os registos seletivos dos acontecimentos mais importantes da nossa vida.» Escreve além disso:«O conteúdo, a forma e o poder emocional destas lembranças podem mudar de forma subtil ou dramática ao longo da nossa vida. O que causa estas mudanças é a evolução dos nossos interesses, dos nossos anseios e dos nossos objetivos. Visto que nós mudamos a direção do nosso futuro, a contribuição das nossas experiências passadas para esta nova direção torna-se mais ou menos importante.» (1) Tomemos o exemplo de um médico de clínica geral que fechasse o seu consultório para se juntar a uma associação humanitária em África. A experiência mostra que, com essa decisão, o conteúdo, a estrutura formal e a valência emocional (positiva ou negativa) das lembranças que definem o eu modificam-se.
Se, em terapia, o psiquiatra ou o psicólogo convida um paciente depressivo a enunciar as lembranças que lhe correspondem verdadeiramente, a sua análise permitir-lhe-á perceber a maneira como o paciente apreende o mundo, e nomeadamente se o seu fim é de perseguir o sucesso ou o de evitar os fracassos e o sofrimento.
À semelhança de Jefferson Singer, cada vez mais autores preconizam hoje o desenvolvimento de terapias centradas nas lembranças que definem o eu. Fazê-las emergir deve permitir o acesso aos temas de ruminações mentais, muito frequentes, que caracterizam o estado depressivo.(...) 


(1) Singer J, et al. Memories that matter: How to use self-defining memories to understand and change your life (p.23). Oakland: New Harbinger Publications 2005


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