sexta-feira, 22 de abril de 2016

Qual a coisa certa a fazer?

No livro Justice - What's the right thing to do?, do filósofo norte-americano Michael Sandel, em tradução portuguesa (de Portugal) com o título, Justiça - Fazemos o que devemos? editado pela Presença, encontramos muitas das questões que abordamos com os nossos alunos do 10º ano no tema da Fundamentação da Ética e no da Ética, Direito e Política. O texto escorreito, os exemplos clarificadores, a acessibilidade da linguagem sem trair o rigor dos conceitos são virtudes desta obra. 

Aconteceu que numa das aulas com alunos do 10ºano, a propósito das objeções ao utilitarismo, referi o conto de Ursula K. Le Guin, (do qual tomei conhecimento precisamente através da leitura desta obra). Alguns alunos manifestaram particular interesse. Transcrevo, então, o texto de Sandel:

"A história (The Ones Who Walked Away from Omelas») fala de uma cidade chamada Omelas - uma cidade de felicidade e glorificação cívica, um lugar sem reis nem escravos, sem anúncios ou bolsa de valores, um lugar sem bomba atómica. Para que este lugar não se torne demasiado irrealista de imaginar, a autora diz-nos mais uma coisa sobre ele:«Numa cave sob um dos lindos edifícios de Omelas, ou talvez no porão de uma das suas espaçosas residências privadas, há um compartimento. Tem uma porta trancada e nenhuma janela.» E neste compartimento está sentada uma criança. A criança está delirante, mal-nutrida e mal cuidada. Passa os dias na mais abjeta das misérias.
Todos sabem que ali está, todas as pessoas de Omelas... Todos sabem que tem de ali estar... Todos percebem que a sua felicidade, a beleza da sua cidade, a ternura das suas amizades, a saúde das suas colheitas e o clima ameno dos seus céus, dependem inteiramente da miséria abominável daquela criança... Se a criança fosse retirada daquele vil lugar e trazida para a luz do dia, se fosse limpa e alimentada e confortada, seria deveras bom, mas se o fizessem, nesse mesmo instante toda a prosperidade e beleza e encanto de Omelas definhariam e seriam destruídos. Estas são as condições.
Serão essas condições moralmente aceitáveis? A primeira objeção ao utilitarismo de Bentham, a que apela aos direitos humanos fundamentais, afirma que não - mesmo que conduzam a uma cidade de felicidade. Seria errado violar os direitos da inocente criança, mesmo em prol da felicidade da população."

Sandel, Michael, Justiça- Fazemos o que devemos? Editorial Presença, Lisboa, 2011, p.49-50

6 comentários:

  1. O principio moral do utilitarismo é o principio da utilidade ou da maior felicidade: "Age sempre de modo a produzir a maior felicidade para o maior numero de pessoas".
    De acordo com o texto, esta teoria apresenta a seguinte objeção: Pode por em causa os direitos individuais e legitimar a instrumentalização dos indivíduos.
    Com base nesta objeção, nós não aceitamos esta teoria, uma vez que põe em causa os direitos da vida(liberdade, felicidade, etc.) da criança, assim, defendemos que a teoria deontológica(Kant)-"Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal"é mais aceitável, pois esta valoriza a pessoa, opondo-se á sua instrumentalização, valorizando os princípios morais, não dependendo das consequências.

    Simone, João - 10ºA

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  2. Diogo Ribeiro, Rafael Gonçalves e Sofia Pereira27 de maio de 2016 às 11:33

    Serão essas condições moralmente aceitáveis?
    Do nosso ponto de vista, é inaceitável haver uma criança em condições tão desumanas. O valor de vida é inviolável e, como tal, devemos fazer todos os possíveis para o conservar. É egoísta sacrificar o bem estar de um em prol da felicidade de uma maioria.
    Para além disto, viver numa cidade em que a felicidade é absoluta e constante faz com que se chegue a um ponto em que é impossível reconhecer o que é realmente a felicidade. Nessa cidade ideal, os homens deixariam de reconhecer prazer nas suas ações.
    Defendemos, assim, a perspetiva de Kant.

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  3. Nesta situação está posta em causa a vida de uma criança inocente.A sensação de bem-estar sentida pela população deve-se ao sofrimento desta criança e a mesma população tem conhecimento da situação em que a criança se encontra. A pergunta é: será possível o bem-estar da população e o sofrimento da criança coexistirem?

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  4. Esta situação é uma das principais objeções à ética utilitarista de Stuart-Mill. Esta retrata a situação hipotética de uma cidade utópica na qual todos os cidadãos são livres e felizes. Esta só é possível ao custo do sofrimento de uma criança inocente. Se esta for retirada desta situação, a felicidade e prosperidade acabam.
    Esta realidade seria aceite pela ética de Stuart-Mill, mas esta hipótese é moralmente inaceitável porque não é possível justificar o sacrifício de um inocente em prol da felicidade de muitos(crítica do bode expiatório).

    André S. 10ºA
    Pedro S.

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  5. Consideramos o tema da "Fundamentação da Ética" bastante interessante e concordamos com o assunto aqui exposto, nomeadamente a relação entre estes temas e as objeções ao utilitarismo. Para tal, é apresentada uma situação que traduz este conflito, ou seja, a situação de uma criança que se encontra em condições miseráveis mas, em troca disso, as restantes pessoas dessa cidade encontram-se em condições ideais. Segundo o utilitarismo, estas condições são consideradas moralmente aceitáveis uma vez que cumprem o princípio da Maior Felicidade, ou seja, agir de tal forma que se produza a maior felicidade para o maior número de pessoas, tal como se verifica nesta situação- o sofrimento de uma criança pelo bem-estar de uma maioria.
    Esta é uma das objeções ao utilitarismo, o facto de este aceitar a violação dos direitos fundamentais do ser humano em benefício de um maior número de pessoas. Consideramos esta situação impensável, à qual a Ética tem tentado dar resposta.

    Catarina Cachatra nº6 e Inês Lucas nº13 10ºA

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  6. Pode-se observar que o conto de Omelas serve como uma analogia demonstradora da forma como a situação de estabilidade, riqueza e igualdade de que se orgulham, atualmente, as sociedades de uma míriade de países, nomeadamente os mais, socioeconomicamente, sucedidos, assim como as classes altas de países mais pobres, está assente na situação de miséria extrema duma série de indivíduos anónimos, acerca de cuja existência sabemos mas que, como moralistas hipócritas, ignoramos, sabendo que se tentarmos melhorar a situação destes, estaremos a piorar a nossa. Afinal, a perda de direitos duns, neste nosso Mundo, é o pilar sobre o qual assentam o bem-estar de outros. São eles, essas vítimas da indiferença e ferocidade da Humanidade, os trabalhadores-quase-escravos de uma série de países do Terceiro Mundo, cujo trabalho contribui para o aumento do nível de vida de pessoas que nem lhes seria permitido olhar de frente, como iguais, pessoas essas que irão, frequentemente, comentar acerca do estado lastimável de condições de vida deles apenas para, postado o comentário, irem desfrutar de algumas das comodidades que, até lhes chegarem a eles, implicaram a morte, doença e fome de milhares. "Omelas" permanece assim, estranhamente, como um dos contos de fantasia mais realistas de sempre, e uma das críticas mais ferozes à teoria utilitarista. - João B., 10ºA (Ano Letivo 2020/2021).

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