quinta-feira, 7 de abril de 2016

Comemoram-se 50 anos do reconhecimento de Aristides de Sousa Mendes como «Justo entre as Nações»

Aristides de Sousa Mendes é, hoje em dia, um nome que os nossos alunos já reconhecem. Felizmente. Há uns anos não era assim... Quando saiu a Lista de Schindler, em 1993, o «nosso» cônsul era, entre a população escolar (e não só) praticamente um desconhecido... 
Nas aulas de filosofia socorremo-nos frequentemente da situação vivida por Aristides de Sousa Mendes a propósito da análise de situações de dilema moral em que a deliberação prévia à tomada de decisão enfrenta particulares dificuldades. O conflito de valores e as perdas associadas a qualquer das alternativas de ação fazem com que estas situações sejam frequentemente trágicas.  Enquanto cônsul em Bordéus, durante o ano de 1940, em plena II Guerra Mundial, Sousa Mendes, em liberdade e consciência, contrariou as ordens do Governo português e decidiu passar vistos que permitiram a salvação de, entre judeus e não judeus, 30 mil refugiados, 30 mil vidas humanas, 30 mil pessoas.
A notícia vem hoje no Jornal Público com um artigo de Zita Moura sob o belo título «Aristides de Sousa Mendes: desobediência, gratidão, memória, raízes» (https://www.publico.pt/sociedade/noticia/aristides-de-sousa-mendes-desobediencia-gratidao-memoria-raizes-1728268 e transcreve-se parcialmente:

Cumprem-se 50 anos sobre o reconhecimento do cônsul Aristides de Sousa Mendes como “Justo entre as Nações”. Outros 30 sobre o pedido de desculpas do governo português à família e sobre a promoção póstuma a embaixador. E 76 anos sobre os nove dias em que o diplomata ajudou 30 mil pessoas a sobreviver.





Foi pela pressão das comunidades israelitas, em Portugal e nos EUA, junto das altas instâncias judaicas, americanas e portuguesas, que se recuperou a memória de um cônsul remetido ao esquecimento. Um homem que deliberadamente colocou em risco a sua carreira e a sua vida ao desobedecer a ordens directas do Governo salazarista, em plena Segunda Guerra Mundial. O cônsul assinou 30 mil vistos a refugiados, judeus ou não, que vinham fugidos da morte certa — da guerra ou dos campos de concentração.
14 de Junho de 1940: Paris é ocupada pelas tropas nazis, e o Governo transfere-se para Bordéus, onde trabalhava o cônsul Aristides de Sousa Mendes. Milhares de pessoas deslocam-se para sul. A França ainda era livre. Três dias depois, os franceses assinam a rendição à Alemanha nazi. Sousa Mendes toma em mãos a missão de tentar salvar tantos refugiados quanto possível, indo contra as ordens da circular n.º14, emitida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Lisboa.


Pelas suas acções, Sousa Mendes foi condenado por Salazar a uma vida de miséria. Perdeu o trabalho, não se pode reformar, nem encontrar outro trabalho. Perdeu a Casa do Passal, em Cabanas de Viriato. Os seus filhos foram proibidos de ingressar no ensino superior. O único apoio que a família Sousa Mendes teve foi das comunidades judaicas, que ajudaram alguns dos seus filhos a partirem para os EUA e o Canadá. O cônsul morreu em 1954, vítima de múltiplos AVC, remetido ao esquecimento.
Foi em Bordéus que Sousa Mendes conheceu o rabi Kruger, a quem ofereceu “todos os confortos da sua casa”, contava o religioso num depoimento de 1966. Recusou, no entanto, o convite, por querer permanecer junto dos milhares de outros judeus que estavam na cidade à procura de uma forma de escapar. Terá sido aí, a 17 de Junho de 1940, que Sousa Mendes se comprometeu em salvar tantos quantos refugiados pudesse, judeus ou não, ao emitir vistos que contrariavam as ordens de Lisboa.

Depoimento do rabi

O depoimento do rabi Chaim Kruger surgiu no ano em que o cônsul foi reconhecido como “Justo entre as Nações” pelo Estado de Israel. Este título honorífico é atribuído às pessoas não judias que usaram “a sua vida, liberdade, ou estatuto” para salvar uma ou mais vidas judias durante o Holocausto. Há mais de 25 mil “justos entre as nações” dos quais três são portugueses. Aristides de Sousa Mendes foi o primeiro a receber o título, postumamente, em 1966. Mas só 20 anos após a atribuição deste título é que o governo português reconheceu oficialmente as acções do cônsul. Foi apresentado um pedido de desculpas à família Sousa Mendes e Aristides recebeu o estatuto de embaixador e a medalha da Ordem da Liberdade.
Em memória de Aristides decorreu ontem uma celebração dupla. A Casa do Passal, em Cabanas de Viriato, onde Aristides passou grande parte da sua vida e tinha a sua casa familiar, celebrou 16 anos como Fundação Aristides de Sousa Mendes. E em Nova Iorque foi inaugurada a exposição Portugal, a última esperança: os vistos para a liberdade de Sousa Mendes.
No ano em que se cumpre meio século sobre a atribuição do título de “Justo entre as Nações” (em Outubro de 1966), a Federação Sefardita Americana, em colaboração com a Sousa Mendes Foundation, organizou a mostra, no Centro para a História Judaica, incluindo imagens e documentos inéditos.
A Sousa Mendes Foundation, com sede na mesma cidade americana, foi criada em 2010 por descendentes do diplomata e dos beneficiários dos vistos que passou em Junho de 1940.
Alguns dos artefactos em mostra foram cedidos pelo museu A Fronteira da Paz, em Vilar Formoso, outros pelo Instituto YIVO para a Pesquisa Judaica (radicado nos EUA). Há bonecos que vinham nas mãos das crianças refugiadas, fotografias, diários de guerra, e uma troca de cartas entre Joana Sousa Mendes, filha do cônsul, Fred Zinneman, realizador ao serviço da Warner Brothers, e Ilya Dijour, da Sociedade de Apoio ao Imigrante Hebreu (HIAS).
Joana Sousa Mendes enviou a Ilya Dijour, que foi um dos 30 mil refugiados a receber um visto português, uma cópia do livro escrito pelo seu irmão Sebastião de Sousa Mendes e publicado sob o pseudónimo Michael d’Avranches. O livro Flight through Hell é um romance semificcionado sobre a obra humanitária do cônsul em Bordéus e foi aprovado pelo próprio, três anos antes da sua morte. Joana Sousa Mendes enviou o livro a Ilya Dijour, em 1959, e em Abril de 1960 é contactada por Fred Zinneman, realizador austro-americano nascido na Polónia que estava ao serviço da Warner Brothers.

Ideia de guião

Zinneman, na carta enviada à filha do cônsul, descreve as acções de Sousa Mendes como “extraordinárias”, mas explica-lhe que não faria um filme sobre elas, já que eram “demasiado comoventes para serem sentimentalizadas e profanadas por um meio de entretenimento comercial”. Em contrapartida, enviou o livro e uma cópia da carta de Joana Sousa Mendes para Robert Anderson, um aclamado dramaturgo americano. Um mês depois, Ilya Dijour propôs a Robert Magidoff, escritor e jornalista russo expulso do seu país e residente nos EUA, que escrevesse um guião para um filme sobre o cônsul. Dijour ressalva nessa carta que conhecia o rabi Kruger e o próprio cônsul.
Seis anos depois desta troca de cartas, que acabou por não resultar em nenhum filme ou peça de teatro, o Yad Vashem, o Centro para o Reconhecimento e Memória do Holocausto, reconhece Aristides de Sousa Mendes como “Justo entre as Nações”. Um reconhecido estudioso do Holocausto, Yehuda Bauer, descreve as acções heróicas de Aristides de Sousa Mendes como “provavelmente, a maior acção de resgate por um único indivíduo durante o Holocausto”.(...).


1 comentário:

  1. Do nosso ponto de vista, as várias ações de Aristides de Sousa Mendes, desobediência, gratidão, por ter salvo cerca de trinta mil vidas, foi uma ação moralmente reconhecida. Agiu de forma a causar a maior felicidade para os outros independentemente do seu próprio bem-estar, segundo Stuart-Mill. Em prol disso, foi castigado e obrigado a deixar de exercer as suas funções como cônsul.

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