sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A Bondade é contagiosa

Já aqui vimos, a propósito da questão do livre-arbítrio, como a ciência e a filosofia em certos campos se aproximam... Ora porque os cientistas retomam as questões da filosofia, ora porque a filosofia é vivificada pelos resultados da ciência. Só para os menos atentos é que a filosofia e a ciência são campos opostos. Para as mentes curiosas, para os apaixonados pelo saber, a filosofia e a ciência encontram-se muitas vezes...
Neste artigo, pela voz do neurocirurgião João Lobo Antunes, vemos como as neurociências recuperam dilemas originários do campo da filosofia moral (de Philippa Foot, filósofa britânica do século XX) integrando-os no campo da pesquisa das neurociências.
Mesmo numa tradução muito inexata daquilo que serão os conceitos e a explicação das neurociências, o facto da investigação experimental nos permitir dizer que a bondade é contagiosa parece-me ser uma boa notícia. E agora, convém lembrar S. Tomás de Aquino, filósofo que já no século XIV dizia: bonum est diffusivum sui (o bem tende a espalhar-se)...

A bondade já tem um “sítio” – foi localizada no cérebro, assim como o sentimento que lhe é associado quando essa área regista atividade: “elevação moral”. Além disso, percebeu-se que esta é “contagiosa” – ou seja, ao assistirmos a atos de bondade, somos impelidos a fazer o mesmo –e ajudar. 
Publicado na revista “Biological Psychiatry”, um estudo levado a cabo pela psicóloga Sarina Saturn, da universidade de State Oregon (EUA), mediu a atividade cerebral e o ritmo cardíaco de estudantes universitários enquanto assistiam a vídeos com imagens de atos heróicos ou humorísticos.
Quando viam as imagens heróicas, os sistemas nervosos simpático e parassimpático dos estudantes atingia um pico, o que constitui “um padrão muito invulgar” segundo a psicóloga. “Os dois sistemas são recrutados para uma só emoção” – e isso é incomum, porque combinam uma reação de luta, e outra, posterior, de acalmia. 
Isto pode explicar-se assim: assistir a um ato de compaixão implica testemunhar o sofrimento de outra pessoa – o que desencadeia uma resposta de stresse, e ativa o sistema nervoso simpático. Depois, ao vermos esse sofrimento aliviado acalmamos, e o sistema parassimpático é ativado. Na zona média do córtex pré-frontal (a área relacionada com a empatia), também  foi registada atividade. E é nessa área precisamente que o neurocirurgião João Lobo Antunes julga poder residir o cerne da questão.
“É possível que a capacidade de responder positivamente aos bons exemplos, como a generosidade ou altruísmo, conduzindo ao que alguns chamam 'elevação moral', dependa também da porção mais 'social' do cérebro humano, particularmente o córtex pré-frontal (como tem sido proposto por vários neurocientistas, entre os quais António Damásio)”, defende. O professor recorda que, em termos muito simples, “as experiências emocionais são apreciadas por áreas anteriores do lobo frontal, particularmente no córtex pré-frontal (o sítio que Egas Moniz elegeu como alvo no tratamento de certas doenças mentais); mas também na amígdala, que permite reconhecer os vários tipos de expressão facial, amigável ou não”, e acaba por ser muito importante no relacionamento social entre pessoas.
“Muito mais complexa é a questão do juízo moral, que é estudado através dos modelos experimentais, como o célebre ‘caso das linhas de comboio e do homem gordo’”. Lobo Antunes explica “estes dois dilemas”. No primeiro, um comboio percorre um trajeto que depois se bifurca – num sentido irá atropelar uma pessoa, no outro três pessoas. Nós temos a capacidade de mudar o trajeto por meio de uma alavanca (“agulha”). Conseguiríamos causar a morte de uma, para salvar três? 
No segundo dilema, a vida de três pessoas seria salva se empurrássemos para a linha um homem gordo que se encontra na ponte sob a qual passa o comboio. Seríamos capazes de o fazer? De facto, a maior parte de nós não teria hesitação em manejar a “agulha”, mas já não seria capaz de empurrar o homem gordo, e as áreas cerebrais envolvidas nesta decisão não são idênticas”.
“Curiosamente, as áreas envolvidas em juízos morais são também áreas integradoras das emoções”, continua Lobo Antunes. “Esta teoria tem sido particularmente defendida por Haidt, que considera que o juízo moral é primariamente intuitivo ou emocional. Ele distingue dois sistemas, um antigo, rápido, automático, que instintivamente nos faz julgar se um ato é “bom” ou “mau” - e neste caso, inspira-nos “repugnância”. A este sistema antigo, com mais de 5 a 7 milhões de anos, junta-se outro mais recente (100.000 anos), mais lento e que implica um juízo mais deliberado”. O médico conclui que “sim, a bondade é contagiosa – o problema é haver tanta gente vacinada contra ela…”

9 comentários:

  1. Em reflexão, a verdade é que a evolução do pensamento não acompanhou a evolução de valores éticos e morais ao longo dos tempos. Apesar da discrepância, acredito na melhoria comportamental dos homens.

    «O médico conclui que “sim, a bondade é contagiosa – o problema é haver tanta gente vacinada contra ela…”»
    A “vacinação contra a bondade” pode dever-se à falta de estrutura de uma pessoa ou ser uma consequência da sociedade egocêntrica em que nos inserimos. Porém, é do meu entender que a bondade pode ser contagiosa. Segundo a observação que faço do meu próprio crescimento interior, a bondade é uma vontade que deriva da minha necessidade de ver os outros bem para me sentir igualmente bem. Se agir de maneira bondosa, isso refletir-se-á positivamente no comportamento dos que me rodeiam. O contrário também acontece regularmente.

    Acredito que a esperança na humanidade reside dentro de cada um de nós. Se uma pessoa fizer algo no sentido de melhorar, causará ações em cadeia, que irão contribuir para a melhoria do todo. Afinal a humanidade somos todos nós.

    ResponderEliminar
  2. É fascinante o facto de duas áreas como a Ciência e a Filosofia se interligarem em certos campos, ou seja, como certas reações do Homem podem ser apoiadas pela atividade registada a nível cerebral.
    Segundo o estudo mencionado, percebeu-se que a bondade é “contagiosa”, ou seja, ao assistirmos a atos de bondade, somos impelidos a fazer o mesmo.
    Todas estas descobertas foram possíveis através da observação da atividade cerebral de diversas zonas.
    Daquilo que observo à minha volta diria que a bondade é contagiosa sim, mas há muitos contextos (cultura, circunstâncias) em que esse contágio não é garantido (talvez varie de país para país, de cultura para cultura), daí funcionarem como uma “vacina” contra esta. Depois parece-me que há pessoas com mais tendência natural para a bondade do que outras. Acredito que somos afetados e influenciados por aquilo que vemos e experienciamos e que vamos adquirindo certas qualidades ao longo da vida, sendo a bondade uma delas.
    Concluindo, penso que não resta agora qualquer dúvida de que as pessoas que nos rodeiam acabam de uma maneira ou de outra por influenciar a nossa maneira de ser.

    ResponderEliminar
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  4. Concordo com o facto de a bondade ser contagiosa. De facto, ao presenciar um ato de bondade, sentimos quase uma necessidade de praticar um semelhante. O problema em questão não é esse. Em vez de simplesmente nos orgulharmos do facto de uma pessoa ter feito algo bom, sentimo-nos um pouco em falta por não o termos feito. Consequentemente, surge o desejo da prática de uma ação semelhante. Muitas pessoas não praticariam um ato bondoso para se sentirem melhor consigo mesmas, mas para que os outros as vejam como pessoas boas. Inúmeras vezes, este desejo de fazer o bem é realizado e essa realização leva a que mais pessoas sigam o exemplo e tentem fazer algo de semelhante. Assim, esta situação desencadeia um ciclo vicioso de fazer bem e desejar fazer bem. Se há assim tantas pessoas a realizar boas ações, pressupostamente, o mundo não deveria ser melhor? Deveria, mas não o é. Assim como há pessoas que desejam fazer o bem, há também pessoas que desejam fazer o mal, contrabalançando-as, e que incentivam outras a fazer o mesmo.
    Posteriormente, para ilustrar a questão do juízo moral, o autor do texto refere duas situações em que seria possível alterar o rumo de um comboio que provocaria a morte de várias pessoas. Na primeira situação, o leitor seria confrontado com a decisão de matar uma ou três pessoas através do manejamento de uma “agulha”; na segunda, teria de tomar a decisão de empurrar um homem gordo para a linha, fazendo com que o comboio parasse e não matasse três pessoas. É óbvio que seria mais fácil manejar a “agulha”, pois o agente não estaria a matar diretamente ninguém ao fazê-lo, o que seria "supostamente" mais correto do ponto de vista moral do que na segunda situação. Na segunda situação, o agente poderia empurrar o homem, salvando três pessoas, mas cometendo homicídio, ou poderia não fazer nada, não cometendo homicídio, mas deixando três pessoas morrer. Esta segunda opção teria repercussões: caso o agente optasse por empurrar o homem gordo, poderia ser acusado de homicídio. A maior parte da população não tomaria a decisão de empurrar o homem, apesar de, em termos de consequências, as duas situações serem iguais. Se estas duas situações originam consequências semelhantes, não deveriam ser consideradas igualmente corretas? Qual seria a decisão mais aceitável em termos morais?

    ResponderEliminar
  5. André Santos e Tiago Garcia8 de março de 2016 às 15:55

    Concordamos com o facto da bondade ser contagiosa.
    Segundo o artigo, a bondade a está relacionada com uma zona do cérebro, o que implica que ao testemunhar um ato de bondade, o homem sente-se na obrigação de o repetir, devido ao sofrimento que acabou de testemunhar.
    Se isto fosse totalmente verdadeiro, o mundo seria um lugar perfeito. Mas a verdade e que não o é, como é explicitado pelos dois dilemas apresentados pelo autor.
    Concluindo, as ações que tomamos não nos influenciam apenas a nós mas também aos que nos rodeiam, de maneira positiva ou negativa.


    ResponderEliminar
  6. Rafael Gonçalves, Maria Ricardo e Inês Lucas8 de março de 2016 às 15:56

    Quando ponderamos sobre este tema, percebemos que realmente a bondade é contagiosa, uma vez que ao prezarmos um ato de bondade, temos tendência a procurar reproduzi-lo no futuro.
    De facto, a "propagação" da bondade parece ser facilmente explicada pela neurologia, muito em parte devido à parte mais "social" do cérebro humano (córtex pré-frontal). Muito mais difícil de explicar será a questão do juízo moral, como comprova o exemplo do excelente artigo.
    Por fim, vale também lembrar outro aspeto importante do artigo, a profunda ligação entre a Filosofia e a Ciência. E a bondade é das maiores provas disso. Se é verdade que hoje em dia a Ciência teoriza que a bondade é contagiosa, sabemos também que já Tomás de Aquino o dizia: "bonum est diffusivum sui".

    ResponderEliminar
  7. Este tema representa um caso em que a Psicologia e a Ciência se interligam, pois um ato de bondade não é apenas um impulso de consciência, mas encontra-se profundamente ligado ás mecânicas inerentes do nosso cérebro. É interessante como uma única parte do cérebro tem tanto controlo sobre a forma como atuamos, pois esta rege não só a nossa personalidade mas também a nossa capacidade de processar e reconhecer as emoções e os comportamentos dos outros. Evocando a teoria das Múltiplas Inteligências de Howard Gardner, esta seria considerada a Inteligência Interpessoal, algo que irá variar de pessoa em pessoa.
    Este nível de perceção é exclusivo aos humanos devido à sua natureza como uma criatura social, e devido à influência do seu período de desenvolvimento, desde o nascimento até à idade adulta, durante o qual o indivíduo em crescimento retêm uma proximidade aos seus progenitores até um estado extremamente avançado, algo inédito no mundo animal, o que o condiciona procurar socialização e interdependência com os seus pares.
    Desta forma concluímos que existe realmente uma predisposição social e subconsciente para agir positivamente para com outros seres humanos, o que, no entanto, não é completamente determinante, como pode ser observado em indivíduos de caráter reduzido, o que nos pode levar, de certa forma, a questionar a efetividade desta teoria.

    Por Tiago Pereira 12ºG e Ricardo Abreu 12ºA.

    ResponderEliminar
  8. Tenho a dizer que, após a leitura deste post sobre o dilema moral, que este tema realmente captou o meu interesse.O fato da filosofia e da ciência andarem de mãos dadas, integrando dilemas originários do campo da filosofia moral no campo de pesquisa das neurociências, é para mim, bastante interessante. Achei particularmente interessante a maneira de como atos de bondade influenciam-nos a fazer atos de bondade e de como as pessoas iriam agir ao fazer um certo ato, definido de bondade, das duas maneiras referidas neste post. Para além disto, consegui relacionar este post com uma teoria que havia concebido em criança, que envolvia a existência de várias personalidades concebidas em nós que influenciam as ações do nosso cotidiano, sendo duas da principais relacionadas com os nossos sentidos mais primitivos e selvagens (nesta incluem-se as emoções) e outra mais ligada ao nosso raciocínio e estrutura de pensamento mais inteligente (nesta inclui-se o conhecimento em geral), na maneira em que, através do visionamento de um ato de bondade, somos influenciados a agir de acordo com as nossas emoções.
    De um modo geral, achei este post bastante interessante e curioso e procuro aprofundar mais este tema do dilema moral, não só para conhecimento geral, mas também para complementar melhor a teoria anteriormente referida neste comentário.

    Por Artur Domingos/11ºI

    ResponderEliminar
  9. Concordo bastante com esta publicação, e ainda mais com a afirmação do médico João Lobo Antunes"sim, a bondade é contagiosa – o problema é haver tanta gente vacinada contra ela…". Eu já me deparei com muitos casos assim no meu quotidiano... Pessoalmente, já eu tentei ser "bom" para os demais, inicialmente, com o objetivo de que eles fizessem o mesmo comigo, infelizmente, isso não aconteceu... Quando percebi que não ia conseguir, comecei a, perdoem-me a expressão, "estar-me nas tintas"... Muitas atitudes que eu tive nessa altura, hoje tenho vergonha... Quando finalmente percebi que isso também não me ia dar resultados positivos, fiquei num dilema... Sendo eu uma criança nessa altura, não sabia como devia agir com os demais... Com os anos, eu sendo obcecado por filmes de super heróis, eu comecei a querer ser um verdadeiro herói, sem ser super... Existem muitos tipos de heróis, muitos deles fazem o que fazem para receber um bom ordenado no final do mês, no entanto, alguns heróis fazem o que fazem sem qualquer interesse monetário - os bombeiros voluntários são um bom exemplo. Eu nunca tive interesse em ser bombeiro, mas a verdade é que gosto de ser bom... Mesmo que as pessoas não o sejam comigo, eu sou, e isso é o que realmente importa. E mesmo ninguém tenha ficado sob a influência da minha bondade, eu não creio que vá desistir de propagar este "vírus", pois é algo que deve ser feito. E mesmo que concorde com a afirmação do doutor, eu também acho que mesmo aqueles que "foram vacinados contra a bondade", ainda conseguem ser "infetados".

    Bruno Alexandre Lopes 11ºI Nº8

    ResponderEliminar