quarta-feira, 30 de junho de 2021

O altruísmo eficaz nas palavras de Peter Singer

Devemos ajudar os outros? A distância é um fator moralmente relevante para a nossa decisão de ajudar quem precisa? 

"Longe da vista, longe do coração"? 

Afinal, a única questão é esta:

Qual o maior bem que podemos fazer?

Se lhe despertaram interesse as publicações anteriores, talvez goste de ver aqui o próprio autor, Peter Singer, a apresentar a sua teoria ética.





O que é o Altruísmo Eficaz? Uma filosofia e um movimento social (3)

 (cont.)

O juízo de que seria errado não ajudar a criança é justificável a partir deste princípio: se podemos evitar um grande mal sem sacrificar nada com uma importância comparável, temos a obrigação moral de o fazer. Logo, temos de fazer o mesmo juízo acerca da conduta de todos aqueles que, podendo contribuir sem grande sacrifício para melhorar a sorte dos mais desfavorecidos, não o fazem.

 Há cada vez mais pessoas que compreendem esta ideia, e o resultado é um movimento crescente: o altruísmo eficaz. Uma filosofia e um movimento social que aplica provas e a razão para saber quais são as maneiras mais eficazes de melhorar o mundo. Este é importante porque combina o coração e a mente. O coração faz-nos sentir empatia por aquela criança, mas é realmente importante usarmos também a mente para nos certificarmos que o que fazemos é eficaz e bem direcionado. A razão tem ainda um papel fundamental, já que nos ajuda a compreender que as outras pessoas, onde quer que estejam, são como nós e sofrem como nós.   

Esta filosofia opõem-se ao egoísmo, no entanto não devemos pensar no altruísmo eficaz como exigindo autossacrifício, no sentido de algo necessariamente contrário aos interesses próprios.          

Lança uma nova luz sobre uma velha questão filosófica e psicológica: Seremos fundamentalmente motivados pelas nossas necessidades inatas e respostas emocionais, com as nossas capacidades racionais a não fazerem mais do que dar uma aparência justificativa a ações que já determinámos antes de começarmos a pensar no que fazer? Ou será que a razão pode desempenhar um papel fundamental na determinação do modo como vivemos? O que leva alguns de nós a olharem além dos seus próprios interesses e dos interesses daqueles que amam para os interesses dos estranhos, das gerações futuras ou dos animais?

Singer dedica-se a espalhar as suas ideias e a desmontar as inúmeras barreiras que impedem as pessoas de serem altruístas. Podemos dizer que não ajudamos porque não temos dinheiro suficiente ou porque a contribuição seria mínima e não faria a diferença. Ou ainda porque não temos a certeza se o dinheiro doado chegará ao destino e será usado para o fim pretendido. Estes argumentos mostram que há altruísmo, porém ele é travado por questões racionais, que podem ser facilmente respondidas com recurso a pesquisa e a organização.

Não nos devemos esquecer que nem tudo se resume a doações de quantias monetárias. Doar uma parte do corpo - sangue, medula óssea ou até um rim- a um estranho é também, um ato/experiência repleta de altruísmo.

Ao longo do livro ( que referi logo no início do documento)  são nos apresentados inúmeros exemplos de pessoas que, em graus variáveis e pelas vias mais diversas, adotaram o ideal utilitarista da promoção imparcial do bem e perseguem-no de uma forma efetivamente racional. Peter Singer ambiciona, essencialmente, mostrar que o altruísmo está ao alcance de todos nós, e que podemos sempre fazer a diferença.

M.F. 10ºano, turma A

O que é o Altruísmo Eficaz? Temos mais dever de ajudar os que estão perto de nós do que os que estão longe? (2)

 (cont.)

E, como podemos fazer o bem de forma mais eficaz? Será que o grau de empatia depende dessa pessoa ser uma criança ou, então, da situação ocorrer mais perto de nós e de nos impressionar?

Para dar resposta a estas perguntas, Singer apresenta-nos 2 situações.

Numa primeira, trata-se de imaginar que no caminho a pé para o trabalho passamos por um pequeno lago e deparamo-nos com uma criança que está prestes a afogar-se. Teremos o dever de lhe salvar a vida? Obviamente que sim. Mesmo que essa ação implique estragar a roupa ou os sapatos que adquirimos recentemente, a intuição inicial permanece, até porque esse custo é insignificante quando comparado com aquilo que está em causa - a vida de uma criança.

Já por outro lado, a Unicef reportou em 2011, que 6.9 milhões de crianças abaixo dos 5 anos morreram de doenças evitáveis relacionadas com a pobreza, como é o caso da Malária. Se fizermos as contas estamos perante a morte de 19000 crianças dia após dia.

Mas então realmente importa que estas crianças estejam longe? Que não estejam ao alcance da nossa vista, ainda que sejam conhecidas as condições a que estão sujeitas? Não teremos nós o dever de as ajudar?

Pelos padrões do senso comum, a ajuda individual àqueles que vivem em lugares distantes, sem manter nenhuma relação especial connosco, ultrapassa o dever estrito. Considera-se, claro, que prestar essa ajuda é muito louvável, mas ao mesmo tempo presume-se que não a prestar é eticamente aceitável.

Já para os altruístas, o facto de não estarem ali à sua frente, o facto de serem de uma nacionalidade ou etnia diferente não faz qual tipo de diferença em termos de relevância moral.                                                                                           

A questão que realmente importa é se podemos de alguma forma reduzir o número de mortes? Está ao nosso alcance salvar algumas dessas 19000 crianças que morrem diariamente, vítimas de doenças evitáveis?

E a resposta é sim, podemos. Por exemplo, o dinheiro que gastamos em coisas desnecessárias, fruto dos nossos hábitos consumistas, poderia ser doado a instituições que visam lutar contra a Malária.

O juízo de que seria errado não ajudar a criança é justificável a partir deste princípio: se podemos evitar um grande mal sem sacrificar nada com uma importância comparável, temos a obrigação moral de o fazer. Logo, temos de fazer o mesmo juízo acerca da conduta de todos aqueles que, podendo contribuir sem grande sacrifício para melhorar a sorte dos mais desfavorecidos, não o fazem.

M.F. 10ºano, turma A

O que é o Altruísmo eficaz? Peter Singer e o utilitarismo (1)

 


Depois do nosso trabalho em aula sobre a teoria ética kantiana e a teoria utilitarista de Stuart Mill, o interesse pelas questões éticas na atualidade foi despertado na maioria dos alunos. Foi assim que a aluna M.F. do 10º ano, turma A, decidiu, e muito bem, ler esta obra de Peter Singer, tendo feito um trabalho sobre ela.

Esta publicação inicia um conjunto de publicações sob o mesmo título com excertos selecionados do seu trabalho.

Peter Singer e o utilitarismo

Peter Singer é um utilitarista, isto significa que, no seu entender, a única obrigação moral básica de cada um de nós é promover tanto quanto possível, e de uma forma estritamente imparcial, o bem-estar daqueles que serão afetados pelas nossas escolhas. Por outras palavras, o nosso dever fundamental consiste em fazer sempre aquilo que resulte nas melhores consequências – e as melhores consequências, por sua vez, correspondem sempre à situação em que há um maior bem-estar global. À luz do padrão utilitarista, um agente não deve dar mais importância ao seu próprio bem-estar (ou ao bem-estar daqueles que lhe são mais próximos) do que ao bem-estar de qualquer outro indivíduo que possa ser afetado, positiva ou negativamente, pela sua conduta.                                                               

Obedecer às regras habituais de não roubar, enganar, ferir e matar não é o suficiente. Ou, pelo menos, não é o suficiente para quem tem a enorme sorte de viver com conforto material; pode alimentar-se, tem uma habitação, consegue vestir-se a si próprio e à sua família e ainda tem dinheiro ou tempo de sobra. Viver uma vida ética minimamente aceitável envolve o uso de uma parte substancial dos nossos recursos adicionais para tornar o mundo um lugar melhor. Viver uma vida plenamente ética envolve fazer o maior bem que pudermos.

M.F. 10ºano, turma A


segunda-feira, 28 de junho de 2021

Da Teoria à Prática: em prol do bem comum - Projeto de Cidadania e Desenvolvimento dos alunos do 11ºF

 Os alunos do 11º ano, Turma F, sob orientação da professora de Filosofia e Diretora de Turma, concretizaram o seu projeto de Cidadania e Desenvolvimento através de duas atividades.

1 - GARANTIR A VIDA

No dia 9 de junho de 2021, entre as 9:00 e as 18:00, um grupo de alunos encontrou-se no hipermercado Jumbo a realizar uma recolha de bens de primeira necessidade a favor da Cruz Vermelha, delegação de Torres Vedras. Após vários contactos dos alunos, esta superfície comercial foi a que mostrou disponibilidade para a concretização desta atividade, que foi denominada "Garantir a Vida".

No final do dia, os alunos angariaram bens no valor de 518,10 euros.


2 - UMA ATITUDE DE CARINHO PARA AJUDAR UM FOCINHO

Depois de elaborarem cartazes a publicitar esta atividade e de a divulgarem junto das turmas e da comunidade escolar, um grupo de alunos recolheu alimentos e produtos de higiene, no dia 14 de junho, para doar à APA (Associação Proteção aos Animais de Torres Vedras). Esta atividade desenrolou-se durante todo o dia no átrio da Escola Secundária de Madeira Torres.




domingo, 27 de junho de 2021

Filosofia e Pandemia - a perspetiva de Yuval Harari

 O texto que publicamos é da autoria de M.C do 11º F.

A filosofia, estimulando o pensamento crítico e a reflexão, ajuda-nos a esclarecer os acontecimentos, o que vai manter a nossa consciência viva, ajudando-nos a ultrapassar momentos mais difíceis. A pandemia da COVID-19 é, sem dúvida, um desses momentos em que estas ferramentas se tornaram imprescindíveis à nossa sanidade mental. Mesmo face à rapidez em que os acontecimentos têm surgido, a filosofia tem reagido com ideias e posicionamentos.

              Claro que, para diferentes circunstâncias e pessoas, há diferentes maneiras de ultrapassar e de aprender a viver os dias durante uma pandemia. Para isto é necessário refletir sobre todas as variáveis que dispomos e adaptarmo-nos o melhor possível a esta nova situação, a este novo mundo.

              Vejamos a perspetiva de Yuval Harari, um filósofo da atualidade, sobre a pandemia atual. Ao contrário de muitas visões, Harari apresenta argumentos mais otimistas em relação ao futuro. Ele afirma que “a humanidade tem tudo o que precisa para conter e superar esta pandemia”, uma vez que sabemos o que nos está a matar e que poderes usar contra isso. “A pergunta é: como usamos esses poderes?”, e é aqui que a filosofia assume uma dimensão mais política, surgindo também um grande dilema. Por um lado, o novo coronavírus exige isolamento e distanciamento social, e quanto mais rigorosas estas ações forem feitas melhor. Por outro lado, o sistema económico no qual vivemos não possibilita isso e fazer o necessário para salvar o máximo número de vidas resultará em problemas financeiros. Com isto, talvez as duas opções mais importantes, segundo Harari, sejam “se enfrentamos esta crise por meio do isolamento nacionalista ou se enfrentamos através da cooperação e solidariedade internacionais”. E ainda acrescenta que “dentro de um país, as opções são tentarmos superar a crise por meio de controle e vigilância totalitário ou por meio da solidariedade social e do empoderamento dos cidadãos”. E é aqui que precisamos da filosofia para nos tornar a consciência mais lúcida e ativa, pois, segundo a perspetiva de Herari, se instituirmos as leis erradas, a mesma tecnologia que nos está a ajudar a combater a epidemia vai ser a mesma que poderá destruir a democracia e as nossas liberdades. Infelizmente, já em muitos países se vê a tentativa de aproveitar esta situação para estabelecer um regime autoritário.

              Esta é uma das muitas visões sobre esta situação de pandemia, com a qual eu concordo. Nestas situações novas e extremas, eu acho que é sempre melhor ter uma visão mais otimista do que pessimista, dando-nos esperanças e força para ultrapassar os acontecimentos. Claro que se deve manter, no meio disto tudo, uma postura realista, mas tentar tirar o melhor partido dela para manter a nossa sanidade mental intacta. Para além disso, esta perspetiva de Yuval Harari, mostra-nos o quão importante é a filosofia, uma vez que nos impede de ficarmos anestesiados pelo quotidiano e de ser manipulados, não seguindo, assim, as leis erradas para ultrapassar este problema.

    

Arte, Sociedade e Política

Publicamos o ensaio filosófico elaborado pela aluna M.C. do 11º F.


Até que ponto é que a sociedade e a política influenciam a arte?


José Malhos, A corar a roupa, 1923 (óleo sobre tela, 34x45cm)

            Será que a arte é algo que não se confunde e que não é influenciado? Será que é minimamente condicionada? Ou será que a arte é totalmente influenciada pelo contexto que a rodeia? Neste ensaio vou-me debater sobre este problema filosófico, adotando uma posição face ao mesmo. Mas, vou focalizar estes temas numa determinada época: a segunda metade do séc. XIX, em Portugal.

              Esta época é fortemente marcada pelo realismo, em oposição ao romantismo. O realismo é um movimento artístico e literário que se caracteriza pela representação fiel da realidade e, portanto, da sociedade. Alia-se muitas vezes ao naturalismo, ao retratar tudo com uma elevada objetividade e cientificidade. Uma outra característica do realismo é o facto de abordar diversos temas sociais presentes na respetiva época, de uma forma crítica, baseando-se, portanto, no quotidiano. O facto de o realismo pretender mudar a sociedade com as suas ideias e expressões artísticas transforma esta corrente também num movimento político e social. Por outro lado, o romantismo caracteriza-se por uma subjetividade extrema, aliada a um certo exagero, o que significa que não retrata a realidade tal como ela é, apenas uma ilusão ou uma fantasia. Ou seja, realismo e romantismo são correntes antagónicas, por um lado o realismo com uma visão mais objetiva sobre as relações humanas e, por outro lado, o romantismo que se apoia numa visão idealizada da vida. É importante também referir que o movimento realista surgiu em França, tendo-se rapidamente alastrado pela Europa, e coincidiu com uma nova fase da Revolução Industrial e com uma época de descobertas nas diferentes áreas e de revoluções. Mais especificamente, neste ensaio, ainda vou ter por base a cultura e sociedade portuguesas nesta época, sendo importante salientar que esta corrente do realismo chegou a Portugal em 1865, com o início da Questão Coimbrã, uma polémica literária fortemente marcada pelos ideais realistas e liderada por Antero de Quental.

              Agora que já está contextualizada a época em que este ensaio vai partir, considero relevante demonstrar a importância deste problema filosófico, ou seja, a importância desta reflexão. Primeiramente, a arte é uma forma de expressão humana a diversos níveis. A filosofia, por sua vez, tem como principal objeto de estudo a ação humana e daí que seja importante, através da filosofia, estudar a arte e estudar as suas influências, o seu funcionamento e o seu conceito, já que a mesma consiste numa forma de ação humana. Para além disso, a arte obriga, de forma espontânea, a uma reflexão por parte do homem, quer seja o criador da obra ou mesmo aquele que a contempla. Isto remete para a essência da filosofia, que é refletir. Ou seja, este aspeto comum, a reflexão, reforça a união destas duas vias, o que vai, por conseguinte, reforçar a necessidade de conhecer verdadeiramente a arte e se esta é realmente influenciada, nomeadamente, pela sociedade e pela política. Uma outra visão consiste no facto de a arte nos ajudar a conhecer o passado. Este conhecimento do passado considero crucial para o desenvolvimento do futuro (não me vou alongar em justificações face a esta afirmação, pois isso implicaria entrar noutro problema filosófico). Ou seja, se a arte for realmente influenciada pela sociedade e pela política, o seu estudo permite-nos conhecer melhor estes dois domínios ao longo das diferentes épocas históricas, o que significa adotar uma perspetiva de cognitivismo estético, que defende que uma obra de arte para além de proporcionar prazer estético também permite alargar o conhecimento do ser humano e do mundo. Em suma, considero importante o debate sobre este problema porque a arte é uma forma de ação humana, a mesma obriga a uma reflexão e o seu estudo permite-nos conhecer melhor o passado e as mentalidades das diferentes épocas, se for realmente influenciada e é isso que eu vou demonstrar aqui.

              Assim, neste ensaio, defenderei a influência da sociedade e da política na arte na época do realismo, em Portugal, através de uma focalização e contextualização dos conteúdos. Para isto, em primeiro lugar, explicitarei mais objetivamente a minha teoria e ainda apresentarei outras teorias face ao mesmo problema. De seguida, apresentarei argumentos que justifiquem a minha posição. Por fim, discutirei possíveis objeções aos argumentos previamente referidos.

              Face a este problema existem algumas teorias. Eu vou apresentar aqui três. Uma delas assume uma perspetiva mais ingénua, defendendo que o artista é totalmente livre e independente, não sendo, portanto, influenciado por valores sociais e políticos, logo, a sua arte também não é influenciada por esses mesmos valores, já que é somente dependente do sujeito que a produz, das suas emoções e sentimentos relativos somente à sua vida pessoal. A segunda teoria adota uma perspetiva mais moderada, defendendo que o artista é minimamente influenciado por valores sociopolíticos, mas que a sua arte é produto apenas do seu quadro de emoções estéticas e sentimentais, sempre de uma perspetiva bastante pessoal, ou seja, a obra de arte nunca é influenciada por aspetos extrínsecos ao artista. Aqui, as emoções estéticas são sentidas durante o processo de elaboração ou contemplação da obra de arte e são relativas ao aspeto visual da mesma. A última teoria já vai adotar uma posição mais radical, ao defender que o indivíduo é totalmente influenciado pelo contexto social, histórico e político em que se insere e que as suas obras de arte são feitas de acordo com um conjunto de valores tradicionais relativos ao contexto que rodeia o artista e, por vezes, até são feitas com um determinado objetivo, influenciado pela corrente social e política do artista.

              A teoria que eu defendo é a mais radical e vou defendê-la tendo por base a época da segunda metade do século XIX e a cultura e sociedade portuguesa dessa mesma época, apresentando argumentos articulados com exemplos deste mesmo período.

              Assim, o meu primeiro argumento que tenta provar a minha teoria é baseado nas características das obras de arte realistas. Estas descrevem, como o próprio nome indica, a realidade, ou seja, a sociedade da forma mais rigorosa e objetiva possível- característica que aproxima o realismo do impressionismo, que se caracteriza por uma pintura rigorosa que retrata com verosimilhança a sociedade. O facto de as obras realistas retratarem a sociedade prova a influência da mesma, ou seja, a existência de determinadas características, comportamentos e ações do quotidiano que rodeia o artista acabam por condicionar e definir o que o mesmo vai retratar na sua obra. Temos como exemplo a obra “Corar a roupa”, de José Malhoa (1855-1933), um pintor realista português, que retrata claramente uma atividade do quotidiano, ao se observar uma senhora a corar a roupa, ou seja, a existência deste costume na sociedade portuguesa influenciou o artista a retratá-lo.

              O meu segundo argumento vai assentar nas características de uma corrente artística, que é um conjunto de ideias que constituem a base teórica do pensamento de um grupo ou de uma doutrina. O facto de ter existido uma corrente realista, por exemplo, significa que várias obras de arte e artistas, ou apenas indivíduos, aderiram ao conjunto de características do realismo e às suas ideias, que se baseavam na mudança da sociedade, tentando desapegá-la dos ideais românticos, valorizando uma visão objetiva da realidade, sem exageros. Esta adesão só foi possível através da influência social e política da corrente realista logo, a arte é influenciada pela sociedade e pela política, caso contrário, não existiriam correntes artísticas, o que não é verdade. Um bom exemplo são as famosas Conferências no Casino, elaboradas por um grupo de intelectuais portugueses, como Antero de Quental e Eça de Queirós, que tiveram contacto com países europeus e, portanto, com a corrente realista. Estas conferências tinham como objetivo ligar Portugal com o movimento moderno realista. Com isto, pretendiam agitar na sociedade as grandes questões da filosofia e da ciência moderna e, ao mesmo tempo, apontar e criticar certos aspetos da sociedade portuguesa a nível político, económico e religioso, fazendo uma leitura extremamente objetiva desta mesma sociedade. Por outras palavras, eles entendiam a corrente realista como o ideal moderno de justiça e verdade e achavam importante divulgá-lo. As suas obras de arte, mais ligadas à literatura, tinham também o objetivo de transmitir uma determinada informação à sociedade e isto revela a função social da arte e o seu caráter de denúncia social. Como se pode constatar, estas conferências tinham características partilhadas com a corrente realista e as expressões artísticas e literárias destes mesmos intelectuais portugueses eram também de forte caráter realista o que prova a adesão à corrente em causa, ou seja, a influência da sociedade estrangeira e do movimento político realista na mente e nas obras dos indivíduos.

              O terceiro, e último, argumento vai partir da integração do artista numa sociedade. Primeiramente, um indivíduo sofre independentemente um processo de socialização, que é a integração de um sujeito numa sociedade, implicando a assimilação da cultura a que pertence. Assim, um artista vai estar comprometido com um conjunto de valores sociais, culturais, estéticos e políticos que definem as tradições culturais da sociedade em que se insere. As sociedades também vão evoluindo ao longo dos anos logo, um indivíduo também está comprometido com o contexto histórico em que se insere. Este quadro de valores que condiciona o artista vai condicionar, naturalmente, as suas obras de arte. Por exemplo, um artista que tenha nascido na primeira metade do século XIX, dominada pelas ideias do romantismo, seria influenciado por essa corrente. Por outro lado, se o mesmo artista tivesse nascido na segunda metade do século XIX, dominada por ideais realistas, seria inevitavelmente influenciado pela corrente em vigor. A sua arte sofreria de igual forma estas influências, já que é dependente do artista. Ou seja, os artistas, ao serem influenciados pelos acontecimentos em redor e pelos anseios e valores da sociedade, vão refletir esses mesmos acontecimentos, anseios e valores sociais e culturais nas suas obras, pois estes fatores intrometem-se nas emoções, estéticas ou não, sentimentos e formas de pensar dos artistas. Em suma, a arte está dependente do artista. O artista é livre num quadro de condicionantes sociais, culturais, históricas e políticas. Logo, a arte também está dependente desse quadro de condicionantes sociais, culturais, históricas e políticas.

              Face a estes argumentos, podem existir objeções. Eu vou apresentar algumas delas.

              A primeira objeção é feita ao primeiro argumento e é baseada na universalidade da obra de arte. Neste argumento está explícito que a arte representa a realidade, ou seja, a sociedade. No entanto, existem obras de arte que representam a realidade, mas representam algo que está para além da sociedade, algo que é universal e que não está dependente de quaisquer valores sociais. Por exemplo, quando um artista pinta um animal numa tela, representando-o. Aqui, o animal que o artista representou é algo extrínseco à sociedade a que ele pertence, é algo universal a todas as sociedades. A pesar disto, eu não considero esta objeção muito prejudicial ao argumento, já que este exemplo se aplica apenas a um reduzido número de casos. Na época que eu focalizo neste ensaio esta objeção é ainda menos relevante, uma vez que a arte realista realçava muito mais aspetos do quotidiano, que são relativos a cada sociedade e cultura.            

              Outra das objeções é feita ao terceiro argumento, que defende que os valores socioculturais, estéticos e políticos comprometem e condicionam o artista e a sua arte, uma vez que estes mesmos valores influenciam as emoções e a forma de pensar do artista. No entanto, aqui está-se a passar para um campo pouco conhecido: o campo da nossa mente. A mente humana é muito complexa e, com isto, não conseguimos observar e ter provas concretas e seguras destas influências na mesma, por parte dos valores que nos rodeiam. A pesar disto, esta ideia de que somos realmente comprometidos com um determinado contexto e que a nossa vida interior, a nossa mente, é igualmente influenciada por isso é a ideia, pelo menos, mais próxima da verdade, dadas as situações que conhecemos minimamente. Estas situações assentam em mudanças de comportamentos, por parte de indivíduos, que sofreram uma mudança no seu contexto social, cultural e político.

              Com isto tudo, conclui-se que a arte, na minha perspetiva, é extremamente influenciada pela sociedade e pela política, sendo importante o debate sobre este tema porque o mesmo obriga a uma reflexão, dada a natureza da arte e a sua necessária união com a filosofia, e porque nos permite conhecer melhor as diferentes épocas, mentalidades e sociedades, uma vez que se denota a influência da sociedade e da política na arte. Desta forma, eu adoto uma perspetiva de cognitivismo estético, defendendo que uma obra de arte para além de proporcionar prazer estético também nos permite alargar o conhecimento sobre o mundo. Eu defendi a minha perspetiva através de três argumentos. O primeiro baseou-se no facto de as obras de arte representarem a sociedade, o segundo partiu da definição de corrente artística e do que é que a existência de tais correntes implica e o terceiro argumento assentou no facto de o artista estar comprometido com um contexto histórico, social, político e cultural, tendo isto impactos a nível estético e na sua vida interior, dependendo a sua arte destes mesmos fatores. O movimento do realismo é um perfeito exemplo para a comprovação destes argumentos, uma vez que os seus valores, as suas ideias e características consistiam na representação objetiva da realidade, dominaram a Europa e constituíram uma corrente artística que influenciou inúmeras mentalidades e sociedades, acabando também por consistir num movimento político. O realismo alcançou Portugal na sua devida época e os exemplos que eu apresentei foram prova disso e, com isto, foram também prova da massiva e revolucionária influência política e social na arte. Como tentativas de refutação aos argumentos e, portanto, à teoria defendida, apresentei duas objeções. Posteriormente, expliquei a sua pouca relevância e de que maneira é que não afetavam a veracidade da minha teoria. Com isto tudo, provo a minha teoria, ou seja, provo que a arte é bastante influenciada pela sociedade e pela política. Na época do realismo essa influência foi extremamente notória, sendo quase como uma “nova expressão da arte”.







sexta-feira, 25 de junho de 2021

A decisão de lançamento da primeira bomba atómica - questões éticas

Crianças de Hiroshima usam máscaras para evitar o cheiro de cadáveres dois meses após o bombardeio. (Foto: Keystone/Getty Images)

Terminámos o nosso estudo sobre a ética Kantiana e a ética utilitarista com um breve debate. Tivemos como ponto de partida desafiador um texto que referia a situação do lançamento da bomba atómica sobre as cidades de Hiroshima (a 6 de agosto de 1945) e Nagasaki ( a 9 de agosto), durante a segunda Guerra Mundial, mediante decisão do Presidente americano Harry Truman. Nele se apresentava uma perspetiva legitimadora da decisão assente no consequencialismo e a posição deontologista da filósofa inglesa Elizabeth Ascombe (1919-2001), que acusou o Presidente de “assassino”. A partir das informações disponíveis várias questões foram levantadas e algumas hipóteses deram lugar a deduções e conclusões plausíveis. O J.B. foi muito assertivo na defesa do seu ponto de vista e elaborou um texto onde deixa clara a sua posição…

"De facto, considero Truman, assim como qualquer outro integrante do Governo americano da época que, estando a par do imenso poder atómico e dos seus efeitos, escolheu apoiar o uso deste ou optou por, podendo-o fazer, não protestar abertamente contra a sua utilização naquele contexto, um assassino. Simplesmente, não considero que qualquer justificação possa ser aceite para o assassínio bárbaro de milhares de civis e, até soldados, mesmo que tal crime seja executado com um propósito nobre em mente (o de terminar mais rapidamente a guerra e, deste modo, prevenir que mais vidas fossem ceifadas do que o necessário); afinal, que constituem tais consequências na face de milhares de crianças, mulheres, homens, quer civis quer soldados, a serem, num instante, carbonizados vivos, pulverizados ou, sofrendo queimaduras mortais e desenvolvendo cancros e outras enfermidades que seriam passadas a futuras gerações? Como poderá, em quaisquer que sejam as circunstâncias, justificar-se uma atrocidade destas? Não se pode. Pura e simplesmente, há ações tão moralmente repugnantes, tão abjetas, que nenhumas possíveis consequências positivas advenientes destas lhes poderão conferir sequer um bafejo de moralidade. Até porque, a narrativa apresentada no texto, de ou as bombas ou a invasão custosa, constitui um claro falso dilema. Não havia, ao dispor de Truman e dos seus subordinados, somente duas opções de colocar um ponto final à guerra que, por esta altura, consistia da gigantesca maioria do Mundo, com algumas raras exceções, contra o Império Japonês, os seus domínios reduzidos à maior parte do seu arquipélago e a parcelas fracamente defendidas do Extremo Oriente continental e do Sudeste Asiático e, a sua estratégia de defesa reduzida a ataques suicidas contra a Marinha americana. Seria, pergunto-vos tal situação requeredora do uso duma bomba atómica, das armas mais poderosas concebidas pelo Homem e que, a princípio, fora desenvolvida somente para uso contra um Terceiro Reich ou um Japão ainda vigoroso e detentor de uma miríade de territórios e regiões? Não, claro que não! Poder-se-ia ter optado por, ao invés da bomba ou de uma invasão que apenas prolongaria uma guerra que, para o Japão, já estava perdida desde Pearl Harbor, entrar em conversas de paz com o governo japonês, já ansioso por qualquer rendição que não a incondicional ou, impor-lhes um embargo e sanções económicas tais que, para sobreviver, o regime seria obrigado a alterar a sua posição em relação à guerra e política e, a sujeitar-se a uma renovação e a um armistício. Porém, ao invés de tais cursos de ação, Truman e os seus colegas preferiram o massacre de duas cidades inteiras, opção que lhes garantiria, a seu ver, uma reeleição e lhes permitiria focar as suas políticas no combate ao comunismo da URSS, ao invés de numa guerra já ganha e dispendiosa economicamente. Portanto, como, pergunto-vos, a vós que apoiam esta decisão de lançar a bomba, se poderá reconhecer em toda esta situação algo que não seja a injustiça de Truman e os seus comparsas criminosos nunca terem sido julgados por crimes de guerra?.

 



 

Filosofia e Pandemia: uma lista de problemas...

«Um outro problema, muito específico, colocou-se cedo e com especial acuidade. Trata-se de saber, de um ponto de vista ético, como distribuir cuidados de saúde numa situação de elevada procura e grande escassez de recursos. O critério mais aconselhado na literatura Ética é o do número de anos de vida com qualidade que se projeta para cada um dos indivíduos em causa. Por isso mesmo é que, quando temos de escolher entre salvar uma criança saudável ou alguém com muita idade ou que morreria em breve de outra doença, a escolha se impõe. Mas deve notar-se que este critério é de natureza consequencialista e pode entrar em choque com as nossas convicções sobre o valor absoluto da dignidade humana.» Fernando Rosas, hic http://espacocriticonaescola.blogspot.com/search?updated-max=2020-11-19T22:25:00Z&max-results=10#:~:text=Um%20outro%20problema,da%20dignidade%20humana.


Este é o parágrafo que o J.B. do 10ºA escolheu como ponto de partida reflexivo para o texto que se publica.

Dos 7 excertos do texto “Filosofia e Pandemia: uma lista de problemas”, da autoria de João Cardoso Rosas, colocados à disposição no site “Espaço Crítico na Escola”, foi o segundo, lá titulado de “Os problemas ético-políticos”, o que me mais despertou a atenção; não, porém, todo, na íntegra, mas, particularmente, o último parágrafo, que me colocou, durante algum tempo, a refletir, genuinamente, acerca de como em tal situação, liberto de futuras repercussões legais, e sem nada a temer como punição pela minha decisão para além do peso que, dali para a frente, atormentaria a minha consciência, agiria eu. Em que situação? Naquela em que, vendo-me na posse de um único conjunto de equipamento médico destinado ao atenuamento de sintomas associados à Covid-19 e mesmo, à possível recuperação, e, sendo-me apresentados, em simultâneo, dois indivíduos, uma criança e um idoso, padecendo da doença, em ambos já num estado de tal forma avançado que, finalizado o recobro de um, o outro já não precisaria duma cama de hospital mas sim, dum caixão, fosse obrigado a determinar por mim mesmo, na ausência dos parentes dos pacientes, enfermeiros ou superiores, que vida salvar e que vida, através da minha recusa em aquele que a albergava acolher, ceifar. À primeira vista, tal dilema não apresentaria, para muitos, grandes problemas; afinal, é, claro, lamentável a perda de qualquer alma inocente para uma doença, mas, se por um lado, possuírem a capacidade de prestar auxílio à sobrevivência de uma alma inocente a quem restem inúmeras décadas de emoções e experiências, ou, por outro lado, a uma que, possivelmente, dali a menos de cinco anos, estará já a sete palmos abaixo da terra, uma que já experienciou tudo o que este Mundo teria para lhe oferecer e para além de Covid-19, padece já, ou padecerá em breve, de outras maleitas, a maioria das pessoas escolherá priorizar a vida da criança. Porém, ao analisarmos a situação por, somente, este prisma, estamos a desconsiderar incontáveis outros fatores e a antepor a provável esperança de vida superior da criança a uma imensidão de outros aspetos, pelo que, consideremos, por momentos, outras visões, por exemplo, uma, sim, também consequencialista, mas, não em relação aos restantes anos de vida que sobram a cada um dos dois indivíduos em causa, mas, em relação à capacidade de cada um para praticar, de futuro, o mal. Afinal, enquanto ao resgatarmos, da morte certa, um débil septuagenário, não estaremos, com grande probabilidade, a alterar, para pior, o curso da História (no fim de contas, que grandes males poderá, sobre a sociedade, libertar um idoso frágil de, imaginemos, como a criança, da classe média-baixa, a quem, talvez, nem uma década reste), ao, em vez disso, escolhermos salvar o indivíduo mais jovem, a criança, alguém com, pela frente, várias décadas, estaremos a optar por acudir alguém com uma mente ainda bastante aberta a extremismos e ideias prejudiciais para os seus restantes concidadãos, alguém que, até à sua eventual morte, ainda a bastantes anos dali, poderá ser responsável por inúmeras mortes e sofrimento, alguém cuja psique não está ainda, ao contrário, muito provavelmente, da do idoso, completamente fechada a ideais perigosos e que irão contra os direitos humanos mais básicos, alguém que, sinceramente, não faria grande falta no Mundo. Claro que, contudo, admito-o, não é possível afirmar com certeza, acerca desta criança, que o seu futuro só albergará desgraças para outros, longe disso! Tal como é capaz de, para outros inocentes, esta criança só vir a trazer tragédia, esta é também capaz de se vir a revelar um herói, alguém disposto a lutar pela igualdade e melhoria das condições de vida de outros, ou, simplesmente, não vir a deixar, no Mundo, qualquer marca, e nele, apenas levar a cabo uma existência indiferente. Porém, enquanto o futuro da criança é bastante incerto, capaz de tomar bastantes rumos, alguns extremamente bons, outros insignificantes, e outros, extremamente maus, o futuro do idoso é mais certo: provavelmente, até morrer, não se alterará, grandemente, o seu statu quo, mantendo este a mesma relação com o Mundo de sempre. Assim, é mais segura e, potencialmente, para a restante Humanidade, benéfica, a recuperação do idoso, tendo, por isso, o médico, nesta situação, o dever, sim, o dever, de à criança negar o futuro e o idoso socorrer. Contudo, até nesta visão que, a alguns de vocês poderá ter aparecido como lógica e a outros como irracional e bárbara, se prioriza a vida de um indivíduo sobre o outro. Mas porque o deveríamos fazer? Não são todas as vidas iguais, no fim de contas? Não é dito que a vida não tem preço? Então, com que direito me julgaria eu, como médico, de colocar a vida de alguém sobre a outra devido apenas ao seu tempo de vida restante ou à sua capacidade de, no futuro, causar o mal? Não sou Deus, porque me acharia, então, com direito a considerar que uma das duas vidas é mais digna de salvar? De facto, porque deveria, sequer, salvar alguma daquelas duas vidas? Só porque tiveram a sorte de vir ter a um médico com a capacidade de uma delas salvar? Então e todas as outras pessoas no Mundo, todos os inocentes que morrem, injustamente, diariamente? Não teriam também eles o direito de ser salvos, tal como a criança ou o idoso? Não será, então, melhor, deixar ambos morrer e saber que não contribuí para um aumento de desigualdade no Mundo, que não discriminei? Talvez, mas, se por um lado, ao não discriminar quando tive a possibilidade de tal, ao escolher não colocar quaisquer vidas acima de outras, posso considerar ter-me mantido humano, por outro, não perderei também a minha humanidade, não poderei deixar de poder considerar-me humano, se quando tive a oportunidade, escolhi, em vez de um deles socorrer, deixar morrer, dolorosamente, dois indivíduos inocentes, que me procuraram na esperança de serem salvos e que desiludi? Não terei aí, falhado como médico, sim, mas, mais importante, como pessoa? Não terei sido, aí, eu o verdadeiro assassino dos dois e não o vírus que por eles alastrava? Então, haverá, afinal, alguma visão filosófica, algum curso de ação motivado por alguma teoria ética, que nos permita manter, tanto não discriminando como não abandonando à morte ambos os pacientes, a humanidade? Talvez, se abandonarmos estas visões, fundamentalmente, consequencialistas, e, por isso, focadas nas consequências de dado ato (em todo o futuro de uma criança ou, no mal de que esta, possivelmente, será, quando crescer, capaz) e, em vez disso, tentarmos uma outra abordagem, a kantista. Desenvolvida pelo filósofo prusso, Immanuel Kant, esta outra abordagem filosófica, ao contrário da utilitarista, é estritamente contra a classificação de ações como “boas” ou “más” a partir das consequências que delas advêm, mas a partir da universalidade do princípio a que elas aderem. Como assim, poderão, alguns de vocês, perguntar-se? Pois bem, assim: Alguma vez, em toda a vossa vida, mentiram? Alguma vez, com o propósito de não serem obrigados a levar com um sermão ou escaparem-se de um castigo, alteraram, ligeiramente, a verdade? Se sim, poderão pensar que tal ato foi praticado com grande inocência e, embora não se possa, propriamente, classificá-lo de bom, também não se o pode classificar de mau. Contudo, de acordo com Kant e a sua filosofia, essa pequena mentira que contaram é, sim, uma ação má, e bastante. Porquê? Porque, se todos, na Terra, como vocês, mentissem de modo a evitar inconveniências, teríamos um Mundo onde a vigarice, o perjúrio e os falsos testemunhos constituíriam a norma, e, por isso, um Mundo completamente imoral. Logo, de acordo com Kant, mentir, assim como qualquer outra ação que, se aplicada universalmente, não resulte numa sociedade estável e generosa, moral, é maléfica, e, sim, isso incluí mentiras para o bem de outras pessoas. Então, que poderia eu fazer nesta situação que, se aplicado universalmente, não resultaria numa Humanidade depravada, insensível e/ou cruel? Escolher, independentemente do motivo, auxiliar um dos dois doentes e, embora de coração pesado, negar ajuda a outro? Não, pois, nesse caso, se tal princípio for aplicado universalmente, estaremos a criar uma sociedade na qual é considerado aceitável, prestar apenas assistência àqueles cujas circunstâncias nos agradem e sonegá-la àqueles que não preenchem os requisitos, por nós impostos, no fundo, uma sociedade egoísta e arrogante, que, engraçadamente, é similar àquela em que vivemos. Mas, lá por ser idêntica à nossa, isso não faz dela perfeita ou ideal, pelo que essa opção a tomar, de discriminar, é para deitar fora, de acordo com os ensinamentos kantistas. E quanto a negar ajuda aos dois, acho que todos aqui podemos ver que, de acordo com os princípios kantistas, tal decisão não é aceitável. Então, que fazer? Tentar salvar, apesar de sabermos da impossibilidade de tal curso de ação, ambos os doentes? Seria, sim, algo admirável, e, talvez, segundo o kantismo, aceitável, não fosse o facto de, nessa situação, estarmos a condenar, com toda a certeza, os dois à morte (visto que, não dedicando demasiada atenção e equipamento a um só, não conseguiríamos salvar nenhum deles), quando poderíamos ter salvo uma vida, criando assim, se aplicada, universalmente, essa máxima, uma sociedade que, quando confrontada com o facto de, em dada situação, não ser capaz de salvar todos aqueles que, devido a ela, se achem em perigo, mas ser apenas capaz, realisticamente, de, assumamos, em 30, salvar 12, prefere, ainda assim, não concentrar os seus recursos numa única pessoa ou único grupo, e, em vez disso, toma a decisão de os distribuir equitativamente, e, por isso, individualmente, de maneira insuficiente, matando, por isso, todos. Assim, podemos ver que, na verdade, nenhum dos cursos de ação que poderíamos tomar: negar, a ambos, ajuda, tentar salvar os dois ou, salvar um e, deixar a Morte colher o outro, nenhum desses planos parece, se vistos de um prisma kantista, aguentar-se de pé, apresentando todos, sem exceção, alguma falha se aplicados de forma universal. Por isso, se nenhuma das decisões é, deste ponto de vista, perfeita ou ideal, a única coisa que podem fazer é decidir-se por aquela que, para vocês, aparente ser mais razoável e de acordo com os vossos princípios, uma da qual não se venham a arrepender. É esta variedade de respostas, nenhuma delas, do meu ponto de vista, completamente irracional ou incorreta, ao problema de quem, nessa situação difícil, salvar, que me levou a escolher, como preferido, este texto em particular, e, demonstra, no fim de contas, aquilo que há de tão interessante na Filosofia, que é a imensidão de respostas possíveis e teorias interessantes (as que mais me fascinam, e recomendo para possíveis leitores deste comentário, são as mais radicais e/ou bizarras, como a própria ética kantista e, embora não a compreenda totalmente, a teoria dos objetos, de Meinong, e o conceito de especismo) que podem ser aplicadas em dada situação.