terça-feira, 4 de novembro de 2014

Há 259 anos a Terra tremeu, mas foi a sério! Porquê?

No dia 1 de novembro, parte da cidade de Lisboa foi destruída. Fez 259 anos há três dias. Naquele sábado, no dia em que se celebrava o Dia de Todos os Santos, na hora em que as Igrejas estavam cheias, perto das 10 das manhã, a terra tremeu.

  «A catástrofe que atingiu Lisboa na manhã de 1 de Novembro de 1755 - a parte mais dramática de uma convulsão natural (...) manifestou-se através da conjugação de três factores mortíferos: o movimento telúrico, propriamente dito; o maremoto resultante do facto de o epicentro do sismo estar situado no mar; o fogo que depressa se expandiu pelo ferido tecido medieval da cidade, abundante em madeira, transformando os escombros em cinzas.
    Em poucos minutos desapareceram, por entre os destroços, as Igrejas, os palácios, os sinais da memória construída daquele que era o terceiro maior porto da Europa e a capital de um vastíssimo império comercial e colonial».


Imagens de Carlos Pinheiro retiradas de: http://pt.slideshare.net/ladonordeste/terramoto-de-1755-164521
Este acontecimento impressionou também toda a Europa da altura.
      «Enquanto os portugueses, aturdidos, faziam o trágico balanço e lançavam as mãos ao trabalho da reconstrução, o terramoto continuou a exercer o seu efeito de choque por entre as cortes, as academias e os centros culturais e científicos da iluminista e aristocrática Europa setecentista».
     
        De imediato, surgiram interpretações para algo tão inesperado quanto terrífico. A destruição de edifícios, a morte de pessoas pela Terra, pela Água e pelo Fogo de forma tão violenta e num espaço de tempo tão curto, não podia deixar de evocar um acontecimento extraordinário cujas causas não poderiam ser simplesmente naturais. Em Portugal, o Padre jesuíta Gabriel Malagrida, escreveu e publicou o folheto, Juízo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a Corte de Lisboa no primeiro de novembro de 1755, em que considerava o cataclismo um castigo divino pelos pecados dos homens.
     Também os filósofos se pronunciaram. A posição do filósofo francês Voltaire (1694-1778) será das mais significativas. Escreveu, logo em 1756, o Poema Sobre o desastre de Lisboa e rejeita a tese otimista de Leibniz (1646-1716) que afirma este mundo como «o melhor dos mundos possíveis». 


Aos gritos mudos já das vozes expirando,
à cena de pavor das cinzas fumegando,
direis: "Efeito tal de eternas leis se colha
que de um Deus livre e bom carecem de uma escolha?"
Direis do amontoar que as vítimas oprime:
"Deus vingou-se e a morte os faz pagar seu crime?"
As crianças que crime ou falta terão, qual?
esmagadas sangrando em seio maternal?
Excerto do «Poema sobre o Desastre de Lisboa» de Voltaire, traduzido por Vasco Graça Moura, retirado de                http://whispernorbury.blogspot.pt/2011/09/o-poema-sobre-o-desastre-de-lisboa.html

      Rousseau (1712-1778), filósofo que é mais vulgarmente conhecido por defender a ideia de uma bondade natural dos homens que, depois, a sociedade corrompe, pronuncia-se nesse mesmo ano de 1756 em «Carta a Voltaire», preferindo considerar que as causas para o drama humano provocado pelo Terramoto de Lisboa se encontram nas ações dos homens.
           
     «Segundo Rousseau, a culpa do que ocorreu em Lisboa, não seria de Deus, nem o drama terá decorrido de causa natural. Os motivos da tragédia teriam de ser procurados na corrupção da «integridade» dos homens, provocada pela degenerescência social, pela usura, por aquilo que Marx no século seguinte definiria como a vertigem da acumulação do capital. Como exemplo, Rousseau, referia o facto de em Lisboa haver cerca de vinte mil casas com seis e mesmo sete andares, o que era contrário à Razão. A cupidez, a ânsia de lucro, a corrupção da natureza humana que Deus atribuiu aos homens, eis a causa da tragédia.»

O problema da existência do mal e do sofrimento é repensado pela filosofia. O problema da relação do Homem com a Natureza é reavivado, numa altura em que o debate intelectual e filosófico não pode dispensar a referência a Deus, quer para o afirmar quer para o negar.
Naquele século XVII tão distante, "em que nenhum de nós era nascido", como dirá qualquer jovem de 15 anos, os homens sentiam-se ainda pouco senhores da natureza. A Física era uma jovem ciência e a Técnica era uma prática menor cuja ligação à Ciência não se encontrava estabelecida, com todos os seus benefícios e, sabemos hoje, também malefícios. 

Bem, este post já vai longo. A referência ao filósofo Immanuel Kant (1724-1804), que nos deixou, entre outros, «Escritos sobre o Terramoto de Lisboa», terá de ficar para outra altura...

Vou acabar com um excerto do belo texto do filósofo português Viriato Soromenho-Marques, professor da Universidade de Lisboa, do qual tenho vindo a fazer transcrições, que lança um conjunto de questões para os dias de hoje
      
     «No século XVIII a humanidade assumia-se como vítima perante catástrofes naturais como o terramoto de Lisboa. Hoje é a Natureza que parece vacilar perante a ameaça de uma humanidade seguramente com mais poder do que sabedoria. Não estaremos a esquecer alguma coisa, algum perturbante detalhe, nesta narrativa do poder humano que ocupa todos os focos de luz da reflexão contemporânea? Os 300 000 mortos do tsunami de Novembro de 2004, e do terramoto de Outubro de 2005 aí estão, com o seu comovente testemunho, a assinalar que a Natureza continua a dar as cartas num jogo cujas regras, apesar da nossa insuportável arrogância, nos continuam a escapar no que é essencial...»
         O texto completo pode ser lido aqui, de onde foi retirado: http://www.viriatosoromenho-marques.com/Imagens/PDFs/Visao%20O%20Terramoto%20de%201755%20250%20Anos.pdf

E para terminar este post, pergunto se será possível que não haja um, um só visitante corajoso, que lhe teça um comentário? 

Sem comentários:

Enviar um comentário