sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

"Nós, os refugiados"

Foto de 1949 - Imagem retirada de https://www.gettyimages.pt

Na continuidade da publicação anterior, deixamos aqui um excerto de um texto de H. Arendt, publicado a primeira vez em 1943, no jornal «The Menorah Journal», dois anos depois de ter partido de Lisboa, intitulado «Nós, os Refugiados». 


O texto integral pode ser encontrado aqui http://www.lusosofia.net/textos/20131214-hannah_arendt_nos_os_refugiados.pdf. O subtítulo a negrito é da nossa responsabilidade.

O que é um refugiado?
«Um refugiado costuma ser uma pessoa obrigada a procurar refúgio devido a algum acto cometido ou por tomar alguma opinião política. Bom, é verdade que tivemos que procurar refúgio; mas não cometemos nenhum acto e a maioria de nós nunca sonhou em ter qualquer opinião política radical. O sentido do termo “refugiado” mudou connosco. Agora “refugiados” são aqueles de nós que chegaram à infelicidade de chegar a um novo país sem meios e tiveram que ser ajudados por comités de refugiados. (...)
Perdemos a nossa casa o que significa a familiaridade da vida quotidiana. Perdemos a nossa ocupação o que significa a confiança de que tínhamos algum uso neste mundo. Perdemos a nossa língua o que significa a naturalidade das reacções, a simplicidade dos gestos, a expressão impassível dos sentimentos. Deixámos os nossos familiares nos guetos polacos e os nossos melhores amigos foram mortos em campos de concentração e tal significa a ruptura das nossas vidas privadas.»

Hannah Arendt em Lisboa


Temos aqui várias publicações sobre a importante filósofa Hannah Arendt. Publicamos agora uma notícia relativa à homenagem do município de Lisboa, na casa onde habitou entre janeiro e maio de 1941, numa estadia breve na nossa capital, em trânsito para os EUA. O dia 10 de dezembro foi o escolhido, celebrando o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Arendt partilhou a errância de muitos judeus, que procuraram noutros países, muito particularmente nos EUA, possibilidades de continuarem, antes de mais, vivos, e, depois, com a sua vida. Durante a II Guerra Mundial, Portugal, como país neutral, acolheu muitos refugiados, tendo permitido o seu trânsito e permanência.


Imagens retiradas do site da Câmara Municipal de Lisboa
Transcrevemos a notícia publicada no DN, a 9 de dezembro, da responsabilidade de Viriato Soromenho-Marques, em https://www.dn.pt/edicao-do-dia/09-dez-2018/interior/hannah-arendt-em-lisboa-10286096.html (consulta a 28 de dezembro)

«A chegada a Lisboa, no início de janeiro de 1941, de Hannah Arendt e do seu marido Heinrich Blücher, culmina um longo processo de exílio, iniciado com a detenção em Berlim pela Gestapo, logo a seguir à subida de Hitler ao poder em 1933. Libertada por falta de provas, a brilhante estudante de Filosofia, que a sua origem judaica condenava para já ao ostracismo, foge para França, onde vive nos círculos dos exilados alemães, até que o exército de Hitler vai ao seu encontro. Munidos de um passaporte de urgência para os EUA, Arendt e Blücher conseguem tomar o comboio para Lisboa, via Barcelona e Madrid, em Portbou, a mesma localidade onde o amigo e grande pensador Walter Benjamin, sem passaporte, se suicidaria.»

Carlos Fiolhais - "A Ética está para além da ciência"


imagem retirada de http://www.ver.pt/a-etica-esta-para-alem-da-ciencia/

Carlos Fiolhais, cientista reconhecido, físico, professor, divulgador de ciência, pedagogo, exercendo uma cidadania ativa, com vasta obra publicada, deu uma entrevista ao portal VER - Valores, Ética, Responsabilidade, da qual transcrevemos alguns excertos,  com sublinhados da nossa responsabilidade, convidando à sua leitura integral em http://www.ver.pt/a-etica-esta-para-alem-da-ciencia/ 

«A ciência e a tecnologia têm, de facto, proporcionado novas condições de vida. Por exemplo, vivemos mais e com mais saúde usando as modernas tecnologias médicas e comunicamos mais facilmente usando as modernas tecnologias da informação e comunicação.
No entanto, são cada vez mais prementes questões sobre a utilização dos meios que a ciência nos proporciona. A genómica possibilita informação sobre a nossa identidade biológica, mas quem e em que condições poderá ter acesso a essa informação? Parece possível a edição do genoma, mas quais são os limites da utilização desse tipo de técnicas? Será legítimo melhorar geneticamente os seres humanos?
Por outro lado, a informática coloca problemas à nossa privacidade. Quem pode ter acesso aos nossos dados pessoais e em que circunstâncias? Não poderá a utilização de algoritmos de inteligência artificial servir para usar os nossos dados para nos manipular, para fazer escolhas em vez de nós, isto é, para ameaçar a nossa liberdade?
As novas tecnologias colocam novos desafios, que não são apenas técnicos e científicos, mas são  éticos, legais, económicos e políticos. Sublinho a palavra “éticos”. Uma coisa é o que se pode fazer, e sobre isso a ciência e a tecnologia podem informar, e outra coisa, bem diferente, é o que se deve fazer. Um meio pode ser bem ou mal utilizado, pode ser utilizado para o bem ou para o mal, sendo o juízo sobre o que é o bem e o que é o mal um juízo necessariamente humano.
As questões éticas são questões individuais e sociais. Cada um de nós e todos nós somos, nas sociedades democráticas, chamados a decidir, quer directamente, quer nas escolhas que fazemos de quem nos representa. O conhecimento científico e técnico ajuda a tomar decisões éticas e legais ao fornecer informação relevante, mas as decisões irão sempre ultrapassar a ciência. A ética está num plano diferente da ciência, está para além da ciência. E, embora os cientistas devam ter preocupações éticas, as preocupações éticas devem ser do conjunto da sociedade.
No passado tivemos de estabelecer novos limites sempre que novas possibilidades surgiram. E agora estamos novamente confrontados com a necessidade de estabelecer limites, surgindo a questão de muito pouca gente perceber a nova ciência e tecnologia. Pouca gente percebe a moderna genética e a moderna inteligência artificial. No entanto todos nós iremos ser, estamos já a ser, afectados por elas. A solução, que não é fácil, reside em maior e melhor difusão da cultura científica, isto é, numa mais nítida percepção pública da ciência.  Entre nós, o “Ciência Viva” pode fazer bem mais neste campo que é o seu. É preciso uma reflexão e são precisas novas iniciativas.»

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Declaração Universal dos Direitos do Homem - um pouco de História (2)



Crianças, filhos de funcionários das Nações Unidas, descobrem a Declaração Universal dos Direitos do Homem, dois anos após a sua adoção a 10 de dezembro de 1948. (in http://unesdoc.unesco.org/images/0026/002659/265904f.pdf, p.7)

Entendemos os direitos humanos como um conjunto de princípios gerais tomados como referência ideal para a construção de um mundo humano onde todos possamos habitar, onde todos possamos conviver. Não representam conquistas definitivas, mas uma orientação para a construção de um mundo humano. Estão permanentemente ameaçados pela guerra, pelas desigualdades, pela pobreza, por novas formas de escravatura, por regimes políticos totalitários... São, por isso, frágeis. 

É isso que nos mostra de modo muito sugestivo este cartaz do artista grego, Dimitris Arvanitis, denominado, precisamente, Frágil. O artista participou na competição Um por todos todos por um! organizada em 2018 pela associação 4tomorrow, por ocasião do septuagésimo aniversário da DUDH.
(informação retirada de http://unesdoc.unesco.org/images/0026/002659/265904f.pdf, p.9).



Frágil, de Dimitris Arvanitis, artista grego
in  http://unesdoc.unesco.org/images/0026/002659/265904f.pdf, p.9

Perante esta "fragilidade", face às continuadas dificuldades de concretizar na organização das sociedades e na vida quotidiana o que denominamos como "Direitos Humanos", podemos considerar como atuais as palavras do filósofo Benedetto Croce em 1946.

«Para o filósofo italiano Benedetto Croce (1866-1952), a UNESCO deve "provocar um debate oficial, público e internacional, sobre os princípios que estão necessariamente na base da dignidade humana e da civilização" para que "a força da lógica, da cultura, das doutrinas e a possibilidade de um acordo fundamental [tragam] o triunfo das consciências livres sobre a obediência à autocracia e aos princípios totalitários" (...) [excerto do] texto enviado à UNESCO de Nápoles, a 15 de abril de 1947, sob o título "Os direitos do homem e o momento histórico presente"» 
retirado de http://unesdoc.unesco.org/images/0026/002659/265904f.pdf.p. 11 (consulta a 6/12/2018.)

Benedetto Croce, imagem retirada de https://www.britannica.com/biography/Benedetto-Croce


Declaração Universal dos Direitos Humanos - um pouco de História (1)


Capa da revista Le Courrier de l' UNESCO de out-dez 2018 

«A Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) é, sem contestação, um dos maiores documentos da História. Primeiro tratado internacional de valor ético a ser adotado pelo conjunto da humanidade, serve, há setenta anos de "ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações", para retomar as palavras do discurso que Eleanor Roosevelt, presidente da Comissão das Nações Unidas para os Direitos do Homem e do Comité de redação da DUDH, pronunciou na Assembleia geral das Nações Unidas, a 9 de dezembro de 1948, a véspera da adoção da Declaração. Saudada como uma carta da humanidade única no seu género e aceite como uma referência incontornável no mundo de hoje quando se trata de defender a dignidade humana de todo o homem, a Declaração não é, no entanto, isenta de críticas que invocam nomeadamente o argumento da diversidade de culturas. Se é verdade que, na sua forma, a DUDH se inspira largamente na tradição ocidental, é também igualmente verdade que, quanto à matéria de fundo, os seus princípios são universais. "A tolerância e o respeito da dignidade do indivíduo são inerentes a todas as culturas e não são estranhas a nenhuma nação", afirmava, aquando da comemoração do cinquentenário da Declaração à UNESCO, Kofi Annan, Secretário Geral da ONU (1997-2006 (....)"
 Droits de l'homme: retour vers le futur; The UNESCO courier; Vol.:4; 2018, p. 3. (consulta online a 6 dez 2018). tradução 
do francês da nossa responsabilidade.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Declaração Universal dos Direitos Humanos faz 70 anos

No próximo dia 10 de dezembro celebram-se os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Unesco.



retirada de https://www.unric.org/pt/actualidade/32374-dia-internacional-dos-direitos-humanos-

"Hoje, à medida que a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto estão cada vez mais distantes, a consciência da importância dos Direitos Humanos parece estar a desaparecer a um ritmo alarmante e o enorme progresso alcançado através da promulgação progressiva dos princípios dos direitos humanos, conforme estabelecido na Declaração Universal, está a ser cada vez mais esquecido ou deliberadamente ignorado " - alerta o Alto Comissário para os Direitos Humanos.
Informações e links adicionais: 
Foi lançado um site chamado Stand Up 4 Human Rights, para marcar a campanha de um ano para comemorar o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Veja ainda o projeto "Add Your Voice", que visa promover e disseminar a Declaração Universal dos Direitos do Homem em mais de 100 idiomas. Esta aplicação online permite que as pessoas gravem a leitura de um artigo da Declaração na sua língua e que partilhem essa gravação nas redes sociais. "Adicione sua voz" aqui.
Para se juntar a milhares de pessoas já fizeram a promessa Stand Up, comprometa-se também respeitar os direitos humanos aqui.

Imagem retirada de https://www.unric.org/pt/actualidade/32374-dia-internacional-dos-direitos-humanos-

Uma edição ilustrada muito interessante da Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser consultada aqui http://www.un.org/fr/udhrbook/#1

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Fernando Belo

imagem retirada de https://www.publico.pt/2018/12/03/culturaipsilon/noticia/morreu-fernando-belo-1853295


Fernando Belo, filósofo português, foi professor no Curso de Filosofia da Faculdade de Letras  da Universidade de Lisboa (1975-2003). O seu pensamento situa-se sob a influência da fenomenologia de Husserl, da filosofia de Heidegger e do estruturalismo francês. A sua área  de lecionação e de continuada investigação foi a filosofia da linguagem e o seu pensamento procurou entrecruzar o discurso da filosofia e o das ciências. 
Como professor, tinha a capacidade de envolver os alunos na sua própria pesquisa, mostrando a dupla face de qualquer saber. O visível, claro e inteligível, e o invisível, oculto, histórico, incompleto. Percebíamos que havia um saber e ele explicava-o bem. Mas percebíamos também que muito mais faltava para saber. Nunca escondia essa inquietação e nunca ela se confundia com insegurança. Com ele aprendia-se que o saber é um caminho sem fim e que quem escolhe seguir essa via não pode aspirar à tranquilidade. 
Publicou vários livros, em Portugal e em França, mantendo-se sempre ativo, nomeadamente através de participação no jornal Público em artigos de opinião e com um blogue, cujo último post data do último 30 de novembro. Faleceu ontem, dia 3 de dezembro, aos 85 anos.




Acabamos esta notícia com um excerto retirado de um artigo publicado no Público, a 28 de março de 2018 com o título «O enigma do cérebro: biológico e social». Nele aborda, inclusivamente, as últimas investigações de A. Damásio, neurocientista, e retira algumas consequências que advêm para as questões filosóficas tradicionais - como a da liberdade - dos conhecimentos das neurociências. 

«Porque é que um filósofo se mete a falar daquilo que aprendeu com os neurologistas? Por se ter apercebido de que, tal como em outras ciências, eles são vítimas duma tradição filosófica de 24 séculos que não lhes deixa ver senão o ‘biológico’ do órgão que o ‘opõe’ ao mundo, sendo todavia o neuronal irredutível à oposição interior (alma, sujeito, consciência) / exterior (corpo, mundo). Ou seja, um excelente argumento numa das principais questões filosóficas actuais: como é que os estudos de neurologia nos podem ajudar a compreender o que é a liberdade, fora dessa dicotomia platónico-cristã.»