quinta-feira, 22 de junho de 2023

A Política Contada aos Jovens...

Os alunos do 12º ano, Curso de Línguas e Humanidades, da disciplina de Ciência Política, sob responsabilidade dos professores Kelly Marques e Carlos Reis, tiveram a oportunidade de assistir ao Colóquio "Quem pertence à Europa?", cuja oradora foi a doutoranda em Ciência Política, Corina Lozovan. A atividade teve lugar no Anfiteatro da nossa escola e foi realizada em parceria com o programa "Política Contada aos Jovens" do Espaço Primavera da CMTV. 

https://www.youtube.com/watch?v=ASeNeLm8SgE&t=94s 


Debate Eutanásia (9) - Argumentos válidos ou falácias?

Em qualquer debate argumentativo é importante estar atento para distinguir os argumentos válidos dos argumentos falaciosos, aqueles que aparentam ter valor mas não o têm. As falácias podem ser usadas intencionalmente com o simples objetivo de vencer a tese do adversário ou podem ser falhas do raciocínio de que o sujeito não se dá conta. Quer num caso, quer noutro, as falácias dificultam o prosseguimento do debate racional, introduzindo um fator que confunde, tira condições de esclarecimento do problema e de obtenção de um consenso. 


A propósito do debate na sociedade portuguesa com expressão no espaço público, publicamos um artigo do médico neurologista Rosalvo Almeida, membro do CNECV (Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida), «O Espantalho e outras falácias», que aponta um conjunto de falácias (todas conhecidas dos nossos alunos) detetadas na discussão sobre a eutanásia. Este artigo foi publicado a 5 de setembro de 2016.

O espantalho e outras falácias

No debate sobre a despenalização da ajuda à antecipação da morte quando pedida por pessoa maior de idade em sofrimento devido a doença incurável ou irreversível (defendida sem ambiguidades em artigos meus neste jornal, “O horror do absoluto” em Julho e “Em defesa dos cuidados paliativos” em Abril, assim como em textos de outros) temos visto que há quem persista em considerar que é justo condenar à prisão quem, em determinadas condições, satisfaça tais pedidos.

O espantalho e outras falácias

Tal como no passado, muitos confundem o objectivo da despenalização com a bondade do acto a despenalizar. Ou seja, posso não concordar com o recurso à interrupção voluntária de uma gravidez mas não me atribuo o direito de castigar quem o faça, em determinadas condições. No caso presente, posso não satisfazer um pedido de ajuda à antecipação da morte que me seja dirigido mas não me autorizo a punir quem o faça, em determinadas condições. Penalizar, como prevê hoje o Código Penal, proíbe mas despenalizar não obriga.

O argumentário usado pelas partes resvala frequentemente para falácias que todos devemos evitar.

Dizer que modificar uma lei para despenalizar um acto, em determinadas condições, é pôr o Estado a realizar esse acto consubstancia a conhecida falácia do ‘espantalho’ – é deturpar o argumento do adversário para ser mais fácil atacá-lo. Exagerar ou distorcer o que outrem afirma faz parecer que a própria posição é razoável, mas isso no final descredibiliza o debate racional e sério.

Perguntar se o Estado “deve promover a morte dos cidadãos que queiram pôr termo à sua vida” ou “pode decidir que vidas têm ou não dignidade” é utilizar outra falácia – a ‘pergunta capciosa’. A pergunta ardilosa tem uma presunção incluída de modo a que não possa ser respondida sem sensação de culpa. Mas a resposta é claramente: não!

Se, em vez de defendermos a nossa posição, desqualificássemos o opositor à nossa proposta, estaríamos, como foi feito, a recorrer à falácia ‘ad homineme perderíamos a razão.

O Estado que legisla sobre as condições em que tais actos não serão crime não está a promover o homicídio. Dizer isso é ameaçar com a falácia da ‘rampa escorregadia’.

Dizer que os cuidados paliativos conseguem evitar sempre e sempre o sofrimento da pessoa doente é ‘tomar a parte pelo todo’ – outra falácia.

Não creio que se justifique continuar a malhar em ferro frio. Os dados estão lançados. Pressente-se que, na sociedade dos nossos dias, cresce o número dos que concordam com a despenalização da morte ajudada ou suicídio assistido, em determinadas condições.

É hora de os legisladores sentirem essa mudança de perspectiva nos portugueses. Cabe, agora, aos deputados tomarem iniciativas legislativas concretas que definam as condições em que não há lugar a pena de prisão para os profissionais de saúde que, em consciência, procedam com compaixão e evitem somar sofrimento ao sofrimento. O dever de bem assistir à pessoa doente não implica o afastamento do direito à objecção de consciência.

Disponível em O espantalho e outras falácias | Opinião | PÚBLICO (publico.pt). Consulta em 22 de junho 2023.





Debate Eutanásia (8) - A lei e o indivíduo

A área jurídica e a área filosófica, a política e a ética, a lei e a moral são alvo de muitas interseções, mantendo-se, no entanto os seus campos diferenciados de análise e de abordagem dos problemas. No debate político sobre a eutanásia foram esgrimidos argumentos de caráter ético, filosófico e religioso e o facto de ter vingado uma determinada decisão. que o solucionou do ponto de vista legal, não lhe retira a complexidade e a continuidade como problema ético e filosófico. A consciência e as decisões morais estão na dependência do individuo, seja qual for a circunstância. Isto significa pelo menos duas coisas: se a lei obriga, o indivíduo pode desobedecer, caso considere a lei injusta e violadora da sua consciência moral; se a lei não obriga e apenas permite, o que é o caso da lei da Eutanásia, isso em nada obriga o indivíduo. Na primeira situação, podem ocorrer consequências danosas para o indivíduo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Cônsul Aristides Sousa Mendes, Cônsul em Bordéus na altura da perseguição aos judeus pelo regime nazi, que desobedeceu a ordens do regime fascista português de Oliveira Salazar. Desobedecendo, Aristides Sousa Mendes passou vistos a judeus para saírem do país e, deste modo, salvou-lhes a vida. Desobedecendo, perdeu a sua carreira e retornou a Portugal sem honra nem glória. Na segunda situação, em que nos referimos à lei que permite, podemos simplesmente dizer que o facto de a eutanásia ser permitida não me obriga, a mim, caso me venha a encontrar em qualquer das situações previstas na lei, a socorrer-me dela se a minha consciência o recusar. O mesmo ocorre com a lei da interrupção voluntária da gravidez, para utilizarmos outro exemplo. 

Qualquer decisão tem por base valores que a sustentam. Podemos considerar que o valor político que foi considerado na aprovação da lei da eutanásia em Portugal foi o da liberdade individual. O indivíduo é considerado detentor da sua vida, podendo fazer dela o que considerar melhor, incluindo o de tomar uma decisão sobre o seu fim. Ao Estado não cabe sobrepor-se à vontade individual, mas criar as condições para o seu exercício.

Quando lidamos com o princípio ou com o fim da vida não há nada que seja simples. Essas são as questões mais radicais da existência humana e mobilizam crenças, princípios e valores que atravessam qualquer discussão. É papel da filosofia elucidar conceitos e investigar de forma analítica e racional as diversas perspetivas sob as quais um problema pode ser abordado. Este é apenas um modo de o perspetivar. 



Debate Eutanásia (7) - O problema moral, alguns esclarecimentos para um debate

Do grego eu, que significa bem e thanatos, que significa morte, a palavra eutanásia significa “boa morte” ou “morte feliz” porque é uma “morte feliz” para quem morre, ou seja, é uma morte benéfica para o paciente. Daqui podemos inferir que a eutanásia consiste em provocar, intencionalmente, a morte de um determinado indivíduo para seu benefício. Porém, importa salientar que a forma como a morte do paciente é provocada pode ser efetivada de duas maneiras diferentes: tomando medidas ativas ou passivas. No primeiro caso, estamos a falar de eutanásia ativa porque são tomadas medidas ativas – como, por exemplo, uma injeção letal – que matam o paciente. Por outro lado, no segundo caso, estamos a falar de eutanásia passiva porque são tomadas medidas passivas - como, por exemplo, a omissão do uso do suporte de vida do paciente - com a finalidade de o deixar morrer. Tal como podemos sintetizar através das palavras de Pedro Galvão:

“Outra distinção entre tipos de eutanásia, independentemente daquela que respeita à vontade do paciente, é a que separa a eutanásia ativa da passiva. Na primeira, a morte ocorre em virtude de algo que o agente faz: ele mata o paciente. Na segunda, o agente limita-se a deixar morrer: a morte do paciente resulta de uma simples omissão.” (Galvão 2015: 49).

Reconhecendo, por um lado, que o problema ético da eutanásia não se esgota nesta distinção e, por outro lado, de forma a esclarecer conceitos essenciais que estarão na base do debate a realizar, urge a necessidade de compreendermos os diversos tipos de eutanásia: eutanásia voluntária ativa; eutanásia involuntária ativa; eutanásia não voluntária ativa; eutanásia voluntária passiva; eutanásia involuntária passiva; eutanásia não-voluntária passiva. Comecemos por salientar a principal diferença:

“(...) a eutanásia voluntária: aquela que é praticada a pedido do paciente ou, se ele já não for capaz de exprimir a sua vontade, de acordo com as instruções que deixou quando era competente para decidir o curso da sua vida.” (Ibidem)

Do grego voluntas, que significa vontade, o adjetivo voluntário qualifica algo que é realizado de livre vontade e, como tal, a eutanásia voluntária verifica-se quando o paciente está em sofrimento e pede, voluntariamente, que o “matem” (eutanásia voluntária ativa) ou que o “deixem morrer” (eutanásia voluntária passiva). Inversamente, temos a considerar a:

“eutanásia não-voluntária, que se aplica àqueles que, sem terem deixado instruções relevantes, perderam a capacidade de entender a escolha entre a vida e a morte – ou que, como no caso dos recém-nascidos, nunca chegaram a ter essa capacidade.” (Ibidem).

Assim, a eutanásia não-voluntária consiste em “matar” (eutanásia não-voluntária ativa) ou “deixar morrer” (eutanásia não-voluntária passiva) um determinado paciente que não está em condições de expressar a sua vontade, nem de efetivar o seu consentimento devido ao facto, por exemplo, de estar em coma. Relativamente à eutanásia involuntária “(...) o paciente é capaz de entender a escolha entre a vida e a morte, mas é morto contra a sua vontade ou sem lhe ter sido dada a oportunidade de a exprimir.” (Ibidem). Neste caso, podemos afirmar que esta consiste em “matar” (eutanásia involuntária ativa) ou “deixar morrer” (eutanásia involuntária passiva) um determinado paciente contra a sua vontade, no sentido em que este estava em condições de dar ou recusar o seu consentimento, no entanto, não lhe foi dada a oportunidade de o expressar. Optámos por estabelecer a distinção entre os vários tipos de eutanásia porque, antes de partirmos para o debate sobre o problema fundamental, é preciso que estejamos familiarizados não só com os conceitos básicos que lhe estão associados, mas também com os valores que a prática da eutanásia poderá colocar em causa.

A questão-chave em torno da qual girará o debate é a seguinte: «Será a eutanásia voluntária moralmente permissível?» Iremos, portanto, refletir sobre a eutanásia voluntária, isto é, a eutanásia que é praticada a pedido dos pacientes, especificamente os que sofrem de doenças terminais ou que estão num estado permanente de dor e sofrimento irremediável, e que querem por termo à vida para o seu próprio bem.

Neste contexto, levantámos algumas questões-problema orientadoras da discussão: “Será moralmente permissível que os indivíduos, especificamente os doentes terminais com dores físicas e sofrimento emocional insuportáveis, acabem com as suas vidas?”; “Se sim, será aceitável que o façam recusando, apenas, o tratamento médico que sustenta as suas vidas ou tomando medidas ativas para se matarem?”; “Se for permissível tomarem medidas ativas para se matarem, será moralmente aceitável pedirem a outros – por exemplo, aos médicos – para os auxiliarem na concretização dessa ação?”; “Será moralmente aceitável aceder a esse pedido?”

(Texto e atividade sob responsabilidade da professora Lúcia Silva)

Pedro Galvão, Ética com Razões, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015


Debate Eutanásia (6) - Portugal legalizou a eutanásia em maio de 2023

Carlos Pombo, 2009 (Do site oficial do Parlamento Sala das Sessões (parlamento.pt)

A decisão da Assembleia da República baseia-se em princípios filosófico-jurídicos que privilegiam o valor da liberdade individual em detrimento de outros. A existência de uma lei que torna legal a eutanásia não interfere na esfera privada onde são tomadas as decisões individuais. A lei permite, mas não obriga.

Que esta questão não tem nada de simples, sabemo-lo. E sabemos também que da teoria à prática vai um longo caminho. 

Porque nos pareceu útil para enquadramento deste problema, transcrevemos do dossier "Eutanásia e Suicídio Assistido" publicado no site do Parlamento (60-04-2022.pdf (parlamento.pt).

«A abordagem dos assuntos tratados, baseando-se em legislação e noutra documentação técnica, é fundamentalmente jurídica, como não poderia deixar de ser, e o objeto do estudo é delimitado pelas condutas da eutanásia ativa e do suicídio assistido. Trata-se de temas muito controversos e delicados. O sentido com que as legislações se orientam é fortemente influenciado por diversos fatores de ordem social, religiosa, histórica, ética, moral, filosófica e até, por muito que nos choque, eugénica e meramente económica. 
A favor da eutanásia estão os que acreditam no seu significado como caminho para evitar a dor e o sofrimento de pessoas em fase terminal ou sem qualidade de vida, um caminho consciente que reflete uma escolha informada. Realçam a defesa da autonomia absoluta de cada indivíduo, do direito à autodeterminação, do direito à escolha pela sua vida e pelo momento da morte e da prevalência do interesse individual acima do da sociedade, com primazia da proteção da vida. A eutanásia não defende a morte, mas a escolha da morte por quem a concebe como a melhor opção. Por isso, a escolha da morte não pode ser irrefletida. As componentes biológicas, sociais, culturais, económicas e psíquicas têm de ser avaliadas, contextualizadas e pensadas, de forma a assegurar a verdadeira autonomia do indivíduo que, alheio a influências exteriores à sua vontade, certifique a impossibilidade de arrependimento. 
Contra a eutanásia são esgrimidas razões de natureza religiosa, ética, política e social. Designadamente na ótica religiosa, a eutanásia é vista como usurpação do direito à vida humana, que só a Deus pertence. Na perspetiva da ética médica, há quem realce o dever de acatar o juramento de Hipócrates, que vincula os profissionais de saúde ao respeito pela vida do paciente. »

Debate Eutanásia (5) - Alguns esclarecimentos da questão do ponto de vista legal

A morte assistida era crime em Portugal?

Em Portugal, a morte assistida não estava designada como crime. Mas a sua prática podia ser punida por três artigos do Código Penal: homicídio privilegiado, homicídio a pedido da vítima e crime de incitamento ou auxílio ao suicídio.

É no sentido de despenalizar quem pratica a morte medicamente assistida em certas condições que PS, BE, PAN e IL apresentaram os seus projetos. 

Fonte: https://rr.sapo.pt/noticia/politica/2022/06/09/eutanasia-o-que-ha-de-novo-agora-no-parlamento/287817/

Quais as principais características dos projetos de PS, BE, IL e PAN?

Os quatro projetos retiram a exigência de "doença fatal" como critério para a despenalização da morte medicamente assistida face ao último texto final aprovado pelo parlamento em novembro do ano passado, que acabou vetado.

PS, BE e Iniciativa Liberal propõem a eutanásia em situações de "lesão definitiva de gravidade extrema" ou "doença grave e incurável". Quanto a este último critério, o PAN estabelece a exigência de "doença grave ou incurável".

Todos estabelecem que a morte medicamente assistida tem de ocorrer "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável".

Em que condições pode o doente pedir a interrupção do processo?

Os quatro projetos preveem que o processo para a morte medicamente assistida é interrompido se quem o pediu ficar, entretanto, inconsciente.

É ainda garantido que a "decisão do doente em qualquer fase do procedimento clínico de antecipação da morte é estritamente pessoal e indelegável".

É feita alguma avaliação psiquiátrica no processo?

Se for considerado necessário, sim. Todos os projetos estabelecem que, após um parecer positivo de um médico orientador e uma confirmação feita por um médico especialista na patologia que afeta o doente, pode ser feita uma confirmação por um psiquiatra.

É obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria, sempre que "o médico orientador e ou o médico especialista tenham dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a morte medicamente assistida revelando uma vontade séria, livre e esclarecida" ou "admitam que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões".

Há casos de portugueses que optam pela eutanásia no estrangeiro?

Sim. Não há números oficiais, mas sim parcelares. De 2009 a 2020, oito portugueses foram morrer à Suíça, apoiados pela Dignitas, uma associação sem fins lucrativos que "ajuda pessoas a morrer com dignidade". Há mais 25 pessoas com residência em Portugal inscritas na associação.

Em setembro de 2020, numa altura em que se debatia de novo a eutanásia, a RTP exibiu uma reportagem com um cidadão português, Luís Marques, 63 anos, paraplégico há 55, que optou por viajar até à Suíça para recorrer à associação Dignitas e morrer por suicídio assistido, que legalmente lhe era negado em Portugal. Foi o oitavo português a fazê-lo nesta associação. 

Fonte: https://www.dn.pt/sociedade/-eutanasia-13-questoes-sobre-a-morte-medicamente-assistida-14924907.html

(Este texto é da responsabilidade da professora Lúcia Silva)

terça-feira, 20 de junho de 2023

Debate Eutanásia (4) - A legalização da eutanásia em Portugal: um pouco de história

De 1995 a 2023: a história da eutanásia em Portugal

votação no parlamento de quatro projetos de lei deu-se a 9 de dezembro, mas a discussão sobre a eutanásia não é recente em Portugal. Em 1995, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) emitiu um parecer de forma a haver uma discussão sobre o tópico e clarificar alguns conteúdos.
Dezassete anos depois, em 2012, foram apresentadas 5 propostas sobre o testamento vital, com o intuito de garantir a autodeterminação individual para tomada de decisão acerca dos cuidados de saúde a que o indivíduo se quereria, ou não, submeter em caso de doença incapacitante. Acabando por ser legalizado, foi um marco importante para a discussão em Assembleia sobre a morte medicamente assistida, que se daria nos anos seguintes.
O movimento cívico “Direito a Morrer com Dignidade”, fundado em 2015, apresentou um ano mais tarde um manifesto onde defendia a urgência da despenalização e regulamentação da morte medicamente assistida, assinado por várias personalidades políticas. Entregou no mesmo ano uma petição que conseguiu mais de oito mil assinaturas, o que fez com que novas petições, tanto contra como a favor, fossem entregues ao longo do ano seguinte.
A 29 de maio de 2018, as propostas sobre a despenalização da morte medicamente assistida apresentadas por BE, PS, PAN e PEV foram chumbadas, o projeto de lei socialista foi o que esteve mais perto de ser aprovado, com 110 votos a favor e 115 contra. Ficou prometido pelos líderes do BE e PAN que trariam novamente o tema aquando da nova legislatura.
Um ano e meio mais tarde os mesmos quatro partidos, mais a IL, apresentaram novamente propostas sobre a eutanásia e o parlamento aprovou as cinco iniciativas legislativas. A votação final global só aconteceu no fim de janeiro de 2021, onde 150 dos 230 deputados e as não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues votaram a favor, sendo aprovada a lei da eutanásia em Assembleia. O PR vetou o decreto do parlamento, afirmando que diferentes artigos tinham “insuficiente densidade normativa”.
Cavaco Silva e Passos Coelho vieram a público mostrar-se contra a despenalização da eutanásia e consideraram que a tentativa de legislação por parte da esquerda foi feita de forma leviana.
Após este chumbo, vários deputados aperfeiçoaram a proposta que tinha sido rejeitada, contornaram as falhas que Marcelo Rebelo de Sousa tinha apontado, baseando-se na lei espanhola que tinha sido aprovada nesse ano após 4 tentativas falhadas. A 5 de novembro, foi aprovado pelo Parlamento o decreto, mas a 29 do mesmo mês, a lei foi novamente vetada, com a solicitação que fossem clarificadas contradições no diploma entre “doença só grave”, “doença grave e incurável” e “doença incurável e fatal”.
Na última versão, apresentada este ano, vários conceitos foram reformulados, como a possibilidade de acompanhamento psicológico durante o processo, a exigência de prazo de dois meses entre o pedido e a concretização da eutanásia e a não exigência de doença fatal, o que previamente foi um problema apontado por Marcelo.
Parlamento disponibilizou uma página com o histórico legislativo da morte medicamente assistida e um dossiê de legislação comparada com outros países do mundo.

Retirado de: De 1995 a 2023: a história da eutanásia em Portugal – APA (apartidaria.pt)

Eutanásia e Suicídio Assistido 60-04-2022.pdf (parlamento.pt)

Kant aos olhos dos nossos alunos... É possível uma ética exclusivamente racional? (2)

As tomadas de posição dos nossos alunos relativamente às objeções à ética kantiana (cont.)


É possível uma ética exclusivamente racional?


3. Texto de L. R. 10º ano A.

Uma das maiores críticas à ética kantiana é o facto de esta não deixar espaço para sentimentos – se uma ação for praticada por compaixão, por exemplo, não pode possuir valor moral, pois a vontade do agente é heterónoma, possuindo uma chamada "inclinação imediata".  


Eu concordo com esta crítica, pois acho que os sentimentos possuem

um grande papel na formação da intenção das pessoas. Pessoas com empatia e compaixão irão realizar um maior número de boas ações,

pois conseguem-se meter no lugar do outro, que pessoas egoístas e

egocêntricas, que apenas pensam nelas mesmas. Consigo compreender Kant, na medida em que ele defende que ações guiadas por sentimentos não são propriamente ações livres; apenas ações com caráter heterónomo, ou seja, ações com uma intenção que ‘’não é nossa’’. Mas várias perguntas levantam-se. E se conseguirmos controlar os nossos sentimentos? Não pergunto no sentido de escolhermos quando estamos felizes ou quando estamos tristes, mas sim se teremos alguma maneira de nos desenvolver com uma personalidade mais empática. Se encontrarmos esta maneira, a parte em que Kant defende que a intenção sentimental não é característica de ações moralmente corretas ficaria errada ou incompleta. Ao desenvolvermos o nosso raciocínio de maneira a que este possua uma maior empatia e compaixão pelo outro, iríamos, certamente, criar um maior número de situações em que a ação seria uma boa ação, praticada certamente a partir de sentimentos e da empatia recentemente desenvolvida.  

Podemos verificar que, em diversas escolhas, uma pessoa empática e com compaixão provavelmente realizaria o maior número de ações corretas relativamente a uma pessoa sem estas emoções presentes, não indicando que esta última é menos inteligente ou que tem uma menor preocupação com o dever que a primeira, necessariamente.  

...............................................................................................................

Assim, apesar de concordar com muitas ideias defendidas por Kant, não consigo concordar com a desvalorização que a sua teoria dá às emoções. 

Kant e o imperativo categórico

Richard Osborne, Filosofia para Principiantes, Lisboa, Ed. Presença, 1997, p.113.


O imperativo categórico [imperativo universal do dever] é portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.
...........................................................................................................
2) Uma outra pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência de perguntar a si mesma: Não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta maneira? admitindo que se decidia a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedir emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá. Este princípio do amor de si mesmo ou da própria conveniência pode talvez estar de acordo com com todo o meu bem-estar futuro; mas agora a questão é de saber se é justo. Converto assim esta exigência de amor de si mesmo em lei universal e ponho assim a questão: Que aconteceria se a minha máxima se tornasse em lei universal? Vejo então imediatamente que ela não poderia valer como lei universal da natureza e concordar consigo mesma, mas que, pelo contrário, ela se contradiria necessariamente. Pois a universalidade de uma lei que permitisse a cada homem que se julgasse em apuros prometer o que lhe viesse à ideia com a intenção de o não cumprir, tornaria impossível a própria promessa e a finalidade que com ela se pudesse ter em vista; ninguém acreditaria em qualquer coisa que lhe prometessem e rir-se-ia apenas de tais declarações como de vãos enganos.
...........................................................................................................
Temos que poder querer que uma máxima da nossa ação se transforme em lei universal: é este o cânone pelo qual a julgamos moralmente em geral.

Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, trad. de Paulo Quintela, Coimbra, Atlântida Ed., 1960, pp. 56-60.

terça-feira, 13 de junho de 2023

Kant aos olhos dos nossos alunos... Afinal, Kant é consequencialista? (1)

As tomadas de posição dos nossos alunos relativamente às objeções à ética kantiana. 


Afinal, Kant é consequencialista?

1. O texto de M.M. do 10ºA.

Uma das objeções a Kant é que o imperativo categórico é consequencialista, o que não concorda com a posição deontológica da ética de Kant. Esta crítica diz que universalizar a máxima da ação e pensar no que aconteceria se toda a gente praticasse essa máxima é um ato consequencialista.
Concordo com esta objeção, pois se pensarmos no que a universalização realmente faz é pensar e ter em conta o que aconteceria se toda a gente realizasse essa máxima. Logo, a universalização da máxima analisa as consequências, os resultados que teriam as ações de todos os humanos se seguissem tal máxima, agora transformada em lei.
Mas, por outro lado, pelo lado de Kant, a universalização de uma máxima não tem o objetivo de analisar as consequências das ações, de ser consequencialista. A universalização da máxima tem como objetivo fazer refletir a quem se está a questionar se quereria viver num mundo onde toda a gente realizasse essa máxima. Então, sendo assim, o imperativo categórico, mais especificamente a fórmula da universalidade não se foca nos resultados das ações da máxima universalizada, mas de alguma forma os resultados e consequências dessas ações estão subentendidos nessa universalização. Por isso, concordo com esta objeção.

2. O texto de B.F. do 10ºA

Kant diz ser contra o consequencialismo, mas a verdade é que quando aplicamos o imperativo categórico estamos a dar foco às consequências que as nossas ações podem desencadear.
Quando pensamos na máxima da nossa ação como regra universal  estamos a fazer uma previsão dos resultados que esta teria quando aplicada por todos. 
Na minha opinião, esta objeção mostra que é muito difícil tomar decisões sem ter em conta as suas consequências. Por exemplo, Kant considera "não mentir" um dever absoluto, ou seja, independentemente da situação em que o agente se encontra, nunca deve mentir. Porém, antes de Kant definir o ato de mentir como errado, o mesmo teve de aplicar a fórmula do imperativo categórico (fórmula da universalidade) e imaginar um mundo em que todos os seus habitantes fossem livres de mentir. (...)
Concluindo, ao aplicar o imperativo categórico para determinar se uma ação é ou não correta segundo a ética de Kant, estamos a ponderar se as consequências seriam boas ou não (racionais) quando universalizadas, logo a ética de Kant é consequencialista.