quinta-feira, 22 de junho de 2023

Debate Eutanásia (8) - A lei e o indivíduo

A área jurídica e a área filosófica, a política e a ética, a lei e a moral são alvo de muitas interseções, mantendo-se, no entanto os seus campos diferenciados de análise e de abordagem dos problemas. No debate político sobre a eutanásia foram esgrimidos argumentos de caráter ético, filosófico e religioso e o facto de ter vingado uma determinada decisão. que o solucionou do ponto de vista legal, não lhe retira a complexidade e a continuidade como problema ético e filosófico. A consciência e as decisões morais estão na dependência do individuo, seja qual for a circunstância. Isto significa pelo menos duas coisas: se a lei obriga, o indivíduo pode desobedecer, caso considere a lei injusta e violadora da sua consciência moral; se a lei não obriga e apenas permite, o que é o caso da lei da Eutanásia, isso em nada obriga o indivíduo. Na primeira situação, podem ocorrer consequências danosas para o indivíduo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Cônsul Aristides Sousa Mendes, Cônsul em Bordéus na altura da perseguição aos judeus pelo regime nazi, que desobedeceu a ordens do regime fascista português de Oliveira Salazar. Desobedecendo, Aristides Sousa Mendes passou vistos a judeus para saírem do país e, deste modo, salvou-lhes a vida. Desobedecendo, perdeu a sua carreira e retornou a Portugal sem honra nem glória. Na segunda situação, em que nos referimos à lei que permite, podemos simplesmente dizer que o facto de a eutanásia ser permitida não me obriga, a mim, caso me venha a encontrar em qualquer das situações previstas na lei, a socorrer-me dela se a minha consciência o recusar. O mesmo ocorre com a lei da interrupção voluntária da gravidez, para utilizarmos outro exemplo. 

Qualquer decisão tem por base valores que a sustentam. Podemos considerar que o valor político que foi considerado na aprovação da lei da eutanásia em Portugal foi o da liberdade individual. O indivíduo é considerado detentor da sua vida, podendo fazer dela o que considerar melhor, incluindo o de tomar uma decisão sobre o seu fim. Ao Estado não cabe sobrepor-se à vontade individual, mas criar as condições para o seu exercício.

Quando lidamos com o princípio ou com o fim da vida não há nada que seja simples. Essas são as questões mais radicais da existência humana e mobilizam crenças, princípios e valores que atravessam qualquer discussão. É papel da filosofia elucidar conceitos e investigar de forma analítica e racional as diversas perspetivas sob as quais um problema pode ser abordado. Este é apenas um modo de o perspetivar. 



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