quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A estranha ordem das coisas


O neurocientista português António Damásio, há muitos anos radicado nos EUA, lançou o seu último livro no passado dia 31 de outubro (ontem, portanto) no Pavilhão Gimnodesportivo da Escola que tem o seu nome, a Escola Secundária António Damásio, em Lisboa, na zona dos Olivais. 


Na apresentação deste livro e nas entrevistas que deu à comunicação social, António Damásio faz um conjunto de relações entre a biologia e a cultura, entre as emoções, os sentimentos e os comportamentos humanos, entre a vida ( no sentido biológico) e a vida das comunidades (no sentido cultural social) que mostram bem a riqueza e fecundidade do seu pensamento. Além disso, António Damásio apresenta-se com uma afabilidade e naturalidade invulgares, conseguindo traduzir num discurso claro e acessível um trabalho de investigação científica de ponta.
Aspetos da sua teoria integram já os programas escolares e os casos Phineas Gage e Elliot são o ponto de partida para se poder compreender o modo como se ligam processos emocionais e decisões racionais. O seu trabalho, desenvolvido nos EUA, é internacionalmente reconhecido e grande parte da sua teoria é já tomada como uma conquista científica inultrapassável. Acontece com Damásio o que acontece com todos os grandes, pensa-se diferente depois dele, pensa-se a partir dele. 
Tenho andado sempre à espera de ver um post escrito por um aluno, mas acabei por não resistir. Este livro foi a gota de água...

Imagem de Rui Gaudêncio retirada de https://www.publico.pt/2017/10/31/ciencia/noticia/sem-educacao-os-homens-vao-matarse-uns-aos-outros-diz-antonio-damasio-1791034

Deixo aqui parte da entrevista dada ao jornal Público:


"Este livro é uma continuação de O Erro de Descartes, 22 anos mais tarde. Em ‘O Erro de Descartes’ havia uma série de direcções que apontavam para este novo livro, mas não tinha dados para o suportar”, explicou António Damásio, referindo-se ao famoso livro que, nos finais da década de 90, veio demonstrar como a ausência de emoções pode prejudicar a racionalidade.
O autor referiu que aquilo que fomos sentindo ao longo de séculos fez de nós o que somos hoje, ou seja, os sentimentos definiram a nossa cultura. António Damásio disse que o que distingue os seres humanos dos restantes animais é a cultura: “Depois da linguagem verbal, há qualquer coisa muito maior que é a grande epopeia cultural que estamos a construir há cem mil anos.”
O neurocientista acredita que o sentimento – que trata como “o elefante que está no meio da sala e de quem ninguém fala” – tem um papel único no aparecimento das culturas. “Os grande motivadores das culturas actuais foram as condições que levaram à dor e ao sofrimento, que levaram as pessoas a ter que fazer alguma coisa que cancelasse a dor e o sofrimento”, acrescentou António Damásio.“Os sentimentos, aquilo que sentimos, são o resultado de ver uma pessoa que se ama, ou ouvir uma peça musical ou ter um magnífico repasto num restaurante. Todas essas coisas nos provocam emoções e sentimentos. Essa vida emocional e sentimental que temos como pano de fundo da nossa vida são as provocadoras da nossa cultura.”
No novo livro o autor desce ao nível da célula para explicar que até os microrganismos mais básicos se organizam para sobreviverem. Perante uma plateia com centenas de alunos, o investigador lembrou que as bactérias não têm sistema nervoso nem mente mas “sabem que uma outra bactéria é prima, irmã ou que não faz parte da família”.Perante uma ameaça, como um antibiótico, “as bactérias têm de trabalhar solidariamente”, explicou, acrescentando que, se a maioria das bactérias trabalha em prol do mesmo fim, também há bactérias que não trabalham. “Quando as bactérias (trabalhadoras) se apercebem que há bactérias vira-casaca, viram-lhes as costas”, concluiu o neurocientista, sublinhando que estas reacções são ao nível de algo que possui “uma só célula, não tem mente e não tem uma intenção”, ou seja, “nada disto tem a ver com consciência”.
E é perante esta evidência que o investigador conclui que “há uma colecção de comportamentos – de conflito ou de cooperação – que é a base fundamental e estrutural de vida”.
Durante o lançamento do livro, o investigador usou o exemplo da Catalunha para criticar quem defende que o problema é uma abordagem emocional e não racional: “O problema é ter mais emoções negativas do que positivas, não é ter emoções.”





Sem comentários:

Enviar um comentário