«A generalidade dos
cidadãos das chamadas democracias ocidentais olha para os políticos com
desconfiança, poderemos mesmo dizer com um certo desprezo.
Este desencanto com o
sistema político tradicional tem tido como consequência, por um lado, uma menor
participação dos cidadãos nos diferentes atos eleitorais e um crescente
alheamento face à escolha dos políticos que os representam. Por outro lado, tem
vindo a estimular o ressurgimento de um novo populismo, de que um dos exemplos
mais paradigmáticos, de longe o mais mediático de todos, é o atual presidente
dos Estados Unidos da América, Donald John Trump.
Donald Trump não se revê
como um político tradicional, e essa foi uma das ideias mestras da sua
campanha, um bem sucedido empreendedor que luta contra o sistema e os políticos
tradicionais. Confiante para uns, arrogante para outros, assentou toda a sua
estratégia eleitoral num renovado engrandecimento dos Estados Unidos da
América.
O sucesso eleitoral de
Donald Trump refletiu a profunda insatisfação que muitos eleitores americanos
mais conservadores têm com a própria ala tradicional do Partido Republicano.
Muitos sentem-se abandonados pela sociedade que os rodeia. A Administração
Obama, com as suas iniciativas para ajudar as pessoas marginalizadas pela Grande Recessão, foi vista como estando
a punir o trabalhador e a recompensar o ocioso. Não é surpreendente que tenha
surgido um movimento que pretende devolver a América a uma época mais pura. Donald
Trump dá voz a muitos americanos que se sentem abandonados por Washington, Wall
Street e os grandes meios de comunicação social.
Donald Trump é o exemplo
mais reluzente deste novo estilo de populismo, que critica as políticas do
governo federal, que apenas servem os penduras
do mundo empresarial e das classes baixas. Trump admite que foi parte do
sistema que o ajudou a fazer fortuna, mas agora critica os grandes
conglomerados industriais que destroem empregos americanos e enriquecem
aproveitando-se da mão de obra barata fora dos Estados Unidos. Por outro lado,
adverte também para os perigos que vêm de
baixo, ou seja, a imigração em massa, especialmente a partir do México, que
não se coíbe de classificar como uma horda de assassinos e violadores
que irão tomar os EUA de assalto. Numa outra dimensão externa, os perigos do
radicalismo muçulmano resolve-se facilmente com a proibição total à entrada de
muçulmanos nos Estados Unidos.
Aliás, as suas promessas
eleitorais, algumas delas já cumpridas, atestam bem o completo desconhecimento
da realidade internacional e a falta de uma dimensão de estadista, que
naturalmente se espera do presidente do país que tem sido a locomotiva do mundo
ocidental moderno, com participação decisiva em períodos conturbados da
história recente da humanidade.
Ø Retirada
dos EUA do Acordo de Paris (sobre as alterações climáticas) - cumprida
Ø
O encerramento das fronteiras dos EUA a
cidadãos de determinados países - cumprida
Ø
Construir um Muro na fronteira com o
México que deveria suportar o custo da construção - ainda não cumprida
Ø
Acabar com o Obamacare (sistema de saúde
criado por Barack Obama) e substituí-lo - não cumprida
Ø Revogar
o Acordo Nuclear com o Irão - cumprida
A
execução destas promessas eleitorais tem merecido a desaprovação de uma ampla
percentagem de cidadãos americanos, mas também o repúdio da generalidade da
comunidade internacional, não só porque marcam um retrocesso face aos avanços
conseguidos em administrações anteriores, como parecem revelar um completo desprezo
pela generalidade da comunidade internacional.
Apesar
de um certo pragmatismo que tem revelado, pois apesar de toda a pressão da
comunidade internacional, tem-se mantido fiel às suas promessas eleitorais,
assentes num certo nacionalismo e numa recuperação da soberania económica e
política, não pode contudo deixar de ser acusado de um certo populismo
demagógico, já que as promessas que cumpriu são, tão só, as que encontram mais
eco junto de quem se sente economicamente ameaçado pela globalização, de quem teme
que os imigrantes lhe roubem o emprego, de quem está insatisfeito com uma
diminuição no seu nível de vida, de quem sente uma certa hostilidade para com o
politicamente correto ou seja,
aproveitou-se de algumas peculiaridades do sistema eleitoral norte-americano
para, sem alcançar a maioria dos votos em absoluto, garantir vitórias em
Estados com mais peso no sistema eleitoral norte americano, que permitiram a
sua eleição.
Há
quem defina o século XXI em termos políticos como a era do populismo. Contudo é preciso não perder de vista que este
populismo impregnado de muita demagogia resulta, antes de mais, de uma falta de
resposta do sistema político tradicional, do cansaço e desconfiança da
generalidade das populações face às estruturas políticas atuais, e que os
políticos devem repensar e adaptar-se a esta nova situação. Este tipo de
ideologia não teria espaço para se propagar, se este tipo de políticos não
merecesse a aprovação de crescentes faixas do eleitorado, que se reveem com
grande parte da sua retórica.»
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