quarta-feira, 11 de maio de 2022

Vieira, contemporâneo de Descartes – os desafios da Modernidade (2)

(continuação)

Quem nunca se encantou com o arco-íris? 

Quem nunca contou sete cores no arco-íris?


Quem nunca sonhou ao olhar um arco-íris?


Mas o "mundo vivido", o mundo diverso e colorido do nosso quotidiano, não é o "mundo pensado", parafraseando Gaston Bachelard. E a ciência dá-nos uma visão nada colorida do arco-íris!!

Mas nem sempre foi assim.

No século XVII, já em 1681, o século de Descartes e de Vieira,  Bossuet, bispo e teólogo francês, refere-se-lhe como "um dos principais ornamentos do trono de Deus”. Bossuet partilha, ainda, a visão medieval e cristã do mundo. A Terra é o lugar que Deus destinou ao homem para sofrer e se redimir do pecado e é de uma composição diferente da composição etérea dos corpos celestes. A natureza, o céu, as estrelas são para contemplar e admirar como obra de Deus. 
Bossuet desconhece a visão da ciência moderna que encontramos na explicação que Descartes dá do arco-íris, em 1637. 

«Este filósofo e matemático apresentou em 1637, num apêndice ao famosíssimo Discours de la Méthode, uma descrição científica do arco-íris: este não era mais do que o resultado da refracção e da reflexão da luz solar em gotas de água na atmosfera. A luz solar batia na gota, desviava-se, reflectia-se no fundo da gota e voltava a desviar-se ao sair. Descartes foi, com o holandês Snell, o autor das leis da refracção, que descrevem matematicamente o desvio da luz quando passa de um meio para outro, no caso o ar e a água.» 

Em Portugal, António Vieira, Padre Jesuíta, situado entre dois mundos, o medieval e o moderno, mostra estar a par da leitura que a "filosofia moderna", a "nova filosofia", a "verdadeira filosofia", faz do fenómeno do arco-íris. 

“Na Íris ou Arco celeste, todos os nossos olhos jurarão que estão vendo variedade de cores: e contudo ensina a verdadeira Filosofia que naquele Arco não há cores, senão luz, e água”.  (Vieira, 1645)

“Isto, que chamamos Céu, é uma mentira azul, e o que chamamos Íris ou Arco-celeste, é outra mentira de três cores”. (Vieira, 1651)

Mais tarde...

«Newton, que realizou experiências com prismas de vidro em 1666, explicará que o desvio da luz de um meio para outro se devia à diferente velocidade de diferentes partículas de luz nos dois meios. A luz solar é branca, mas, como a luz branca é feita de partículas correspondentes às diferentes cores, as cores apareceriam diferenciadas dentro da gota e, ainda mais, à saída dela.»

E Vieira, em 1669, partilhando a perspetiva cartesiana:

“O rústico, porque é ignorante, vê muita variedade de cores no que ele chama Arco-da-Velha; mas o Filósofo, porque é sábio, e conhece que até a luz engana (quando se dobra), vê que ali não há cores, senão enganos corados, e ilusões da vista”.

Comenta Fiolhais:

«Repare-se como é dada a primazia ao saber do “filósofo” (filósofo natural, entenda-se) em relação ao saber comum. Uma das marcas da ciência moderna é precisamente a ultrapassagem do senso comum: esta é ainda mais visível em Galileu e Newton do que em Descartes. O arco-íris é real, mas, para ele existir, têm de concorrer três coisas: a luz solar, as gotas de água e os olhos do observador. Cada observador terá sempre um arco-íris em torno de si, razão pela qual nunca poderá alcançar uma ponta.»

NOTA: Todas as citações são do artigo de Carlos Fiolhais, "Vieira e a Ciência", disponível em em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/41191/1/vieira_e_a_ciencia.PDF, consulta a 31 de março de 2022.


 


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