sábado, 2 de abril de 2016

O jovem que não esquecia nada

Este post é tradução parcial do artigo de Justine Canonne, intitulado «Le jeune homme qui n'oubliait rien», publicado a 29/05/2012 e que pode ser consultado no seguinte endereço:
http://le-cercle-psy.scienceshumaines.com/le-jeune-homme-qui-n-oubliait-rien_sh_29031

Uma equipa de investigadores em neurociências da Universidade Vanderbilt, em Neshville, nos Estados Unidos, debruçou-se recentemente sobre um caso de hipermnésia de um jovem de uns vinte anos. O jovem americano, designado no estudo pelas suas iniciais, H.K., é dotado de uma memória autobiográfica excecional. Ele pode lembrar-se com precisão de experiências pessoais vividas desde a infância. Diz levantar-se todos os dias recordando aquilo que fez no mesmo dia do ano anterior.
   A equipa de investigadores testou a memória de H.K., selecionando 4 datas para cada ano da vida do jovem desde os três anos e meio, idade das primeiras lembranças. No total, 80 datas foram assim distinguidas. Para obter elementos sobre o vivido de H.K. e também controlar a veracidade das suas lembranças, a equipa consultou a envolvente familiar, os seus vizinhos.(...) H. K. foi de seguida interrogado sobre as 80 datas, sob a forma seguinte: «Pode dizer-me o que se passou durante o dia de 2 de janeiro de 2001?». O jovem americano foi interrogado duas vezes sobre ceretas datas e as suas respostas foram constantes. 
  Primiera constatação depois das respostas verificadas: as lembranças de H.K. ganham em precisão à medida que avança na idade. Para as lembranças relativas aos 11 anos, o nível de exatidão era de cerca de 90%. A justeza das suas lembranças aumenta em seguida até se aproximar da exatidão perfeita.

Uma hipertrofia da amígdala
O caso de H. K. é único no género: o jovem hipermnésico é com efeito cego. Nascido prematuro, foi atingido por uma retinopatia do prematuro, causa da sua cegueira. H.K. explica que associa frequentemente os acontecimentos de que se lembra às emoções que então sentiu. O laço entre memórias e emoções constitui uma das chaves da hipermnésia de H.K.? Os investigadores parecem inclinados a pensar que sim. A estrutura do seu cérebro foi, aliás, explorada pela imagiologia médica e comparada a uma trintena de cérebros de indivíduos da mesma idade. (...) A principal observação diz respeito à amígdala, um conjunto de núcleos situados no sistema límbico, ele mesmo implicado nas emoções e na memorização. No cérebro de H. K. a amígdala tem um tamanho superior em 20% aos dos cérebros normais. Esta característica do cérebro de H.K. poderia ter um papel na sua hipermnésia.

Dois casos no mundo
Um tal caso de hipermnésia permanece excecional. Casos de indivíduos dotados de capacidades de memorização superiores à média já foram recenseados nos anos setenta e oitenta, mas diziam respeito a pessoas capazes de memorizar longas listas de palavras ou de números, sem poder no entanto restituir de maneira precisa experiências pessoais. H.K. é até à data a segunda pessoa conhecida dotada de tal particularidade.
  O outro caso, o de A.J., uma mulher de trinta anos, foi estudado por uma equipa de investigadores americanos em 2006.. A jovem mulher explicava aliás que a sua hipermnésia que muitos viam como um dom, representava um «fardo», a sua espantosa capacidade impedia-a de esquecer os acontecimentos desagradáveis e as emoções que lhe estavam associadas.

2 comentários:

  1. Assim que tive a liberdade para escolher um tema com que me identificasse e tivesse curiosidade em saber mais, não hesitei. Falar sobre a memória faria todo o sentido. E porquê? Não porque tenha uma grande memória, na verdade, até me considero uma pessoa esquecida. O normal de qualquer pessoa com os meus traços psicológicos: sou aquela pessoa que é organizada na sua própria desorganização, a que quer fazer tudo e não tem tempo para metade mas que faz tudo (bem ou menos bem) ao mesmo tempo. Nada de preocupante. Preocupante é o porquê de a uma certa altura me ter suscitado interesse sobre esta temática. Infelizmente, a minha avó foi diagnosticada com uma doença, o Alzheimer, à cerca de 5 anos. Nos primeiros momentos, quando a ingenuidade ainda era bastante comum em mim, não dei grande importância. Aliás, passava-me ao lado e era um assunto sigiloso. Porém, nos últimos tempos esta maldita doença domina cada vez mais a minha avó. A memória diminuiu dia após dia. Um ser humano que sempre teve a maior das energias. Desde 3 abortos espontâneos, a levar os netos à natação à terça e sexta feira - o ponto alto da sua semana. Não esquecendo o melhor, a culinário era o seu ponto forte. Digo era, não por erro, mas porque agora, o sal ou o tempero não existe. Maldito esquecimento. “A avó está muito esquecida!”- repete esta frase vezes sem conta, nem se apercebe. Mas a minha resposta é sempre a mesma - “somos duas, já nem me lembro do meu pequeno-almoço”. O esquecimento é realmente o maior inimigo. Mas o poder da memória é o maior de todos.
    Posteriormente à leitura pormenorizada do artigo publicado a 2 de abril de 2016, intitulado de “O jovem que não esquecia nada”, observamos o claro contraste entre este jovem, H.K. e a minha avó. Porém, em ambos, a memória, sendo um processo ativo e relativamente complexo, apresenta-se em peso, com a maior das forças.
    H.K., até à data, é apresentado como sendo o segundo caso com uma particularidade, dotado de hipermnésia, tem uma memória autobiográfica excecional - “diz levantar-se todos os dias recordando aquilo que fez no mesmo dia do ano anterior.” Além disso, o extraordinário consta no facto de que à medida que avança na idade, mais próximo se encontra da exatidão perfeita.
    Pelo contrário, ao observar o caso da minha avó, é clara a ausência de retenção ou armazenamento que implica manter durante um determinado tempo na memória, a informação codificada e adquirida. Ou seja, a minha avó vai perdendo informação memorizada como resultado do desuso e da passagem do tempo. Assim, a imagem de elementos naturais sofrem a erosão e o desgaste do tempo, as recordações ou o material gravado, enfraquece progressivamente até desaparecerem completamente da memória. As conversas preferidas da minha avó são sobre as suas aventuras na adolescência e enquanto jovem mulher. E porquê? Porque as suas lembranças mais nítidas são desses tempos. E por isso são as conversas mais felizes que tem. E dessa forma, as minhas favoritas também.
    Júlia Matos 12ºG nº11

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  2. (continuação.....)

    Sendo a memória o que liga o passado ao presente e torna possível que tenhamos uma história pessoal (memória autobiográfica) ao dotar-nos de um sentido interior de continuidade que é vital para que se possa falar da identidade pessoal, quando essa mesma nos escapa, o que dará sentido à vida? Sem memória, a nossa ação quotidiana seria dolorosa, sufocante, uma terrível provação física e psíquica. Ainda que a minha avó não se encontre num estado muito avançado da doença, por vezes, dou por mim a pensar: Quem seria eu se não pudesse lembrar-me dos meus pais e da minha infância, dos meus amigos, dos nossos fracassos e sucessos, dos lugares em que vivi, das experiências que já tive e que ainda vou viver?
    Por outras palavras, em ambos os casos, a memória se apresenta como um incomodo. Na doença hipermnésia, em que muitos viam como um dom, representa um “fardo”, uma vez que a espantosa capacidade impede de esquecer os acontecimentos desagradáveis e as emoções que lhe estão associadas. E no Alzheimer, um “fardo” porque a ausência da memória impossibilita a minha avó de se lembrar do meu batizado, por exemplo.
    Desta forma, é uma incrível “ferramenta” que nos permite adaptar ao meio, uma vez que é condição indispensável da aprendizagem, de atribuir significado às nossas experiências e construir um “sentimento de si”, um sentimento de identidade pessoal, dando continuidade à nossa vida. É ao concluir que a memória não só lembra-te de quem és, mas como faz de ti a pessoa que és que compreendo o verdadeiro e excecional conceito de memória. É realmente assustador a capacidade ''escondida'' por detrás do cérebro humano, da memória em específico, e que sem esta, nada somos “desligados” do já vivido.

    Júlia Matos, nº11, 12ºG

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