terça-feira, 19 de março de 2019

Quando Greta foi a Davos

«À medida que foi ganhando notoriedade, as sextas-feiras de Greta deixaram de ser apenas em frente ao parlamento sueco para serem noutras coordenadas. Na Alemanha e na Bélgica — países para os quais viajou de comboio, já que se recusa a andar de avião por ser mais poluente —, foi recebida por centenas de outros estudantes em greve e também em protesto. Mas uma das viagens que mais marcaram a perceção pública de Greta Thunberg foi até a um ambiente bem mais calmo e sereno do que a frente de um parlamento e a primeira linha de uma manifestação de rua: a reunião anual do Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça, onde durante dias se reúnem os principais líderes e empresários mais importantes do mundo.
“A nossa casa está a arder”, começou por dizer. “De acordo com o IPCC [sigla inglesa para o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, da ONU], temos menos de 12 anos até não podermos apagar os nossos erros. Até lá, são necessárias mudanças sem precedentes, incluindo uma redução das nossas emissões de C02 de pelo menos 50%.”
O discurso, porém, não se cingiu apenas a questões técnicas — questões essas que Greta costuma evitar nos seus discursos. A estratégia da jovem sueca passa mais por apontar o dedo aos mais velhos — e, em Davos, os mais velhos são também os mais ricos. “Aqui em Davos, tal como no resto do mundo, toda a gente está a falar de dinheiro. Parece que o dinheiro e o crescimento são as nossas únicas preocupações. E já que a crise climática é uma crise que nunca foi abordada com sendo uma crise, as pessoas simplesmente não estão conscientes das consequências que isto terá nas nossas vidas quotidianas”, disse.
Por isso, Greta sublinhou ali que não há espaço nem tempo para soluções de meio-termo. “Vocês dizem que nada na vida é a preto e branco. Mas isso é uma mentira. Uma mentira muito perigosa. Ou prevenimos o aquecimento a 1,5 graus ou não prevenimos. Ou evitamos uma reação em cadeia além do controlo humano ou não evitamos. Ou escolhemos voltar a casa enquanto uma civilização ou não escolhemos. Mais preto ou branco do que isto não há. Não há zonas cinzentas no que diz respeito à sobrevivência”, disse, para uma plateia em completo silêncio.
Tão silenciosa que, quando o discurso chegou ao fim, demoraram a brindá-lo com palmas.
Os adultos estão sempre a dizer ‘devemos aos nossos jovens a possibilidade de lhe darmos esperança’. Mas eu não quero a vossa esperança, eu não quero que vocês tenham esperança. Eu quero que vocês entrem em pânico. Eu quero que vocês sintam o medo que eu sinto todos os dias. E eu quero que vocês ajam como se estivessem numa crise. Quero que ajam como se a casa estivesse a arder. Porque está.”
Cinco segundos depois, soaram os aplausos.
Imagem retirada de https://observador.pt/2019/03/14/greta-a-miuda-de-16-anos-que-convenceu-os-jovens-do-mundo-a-fazer-greve-as-aulas-por-causa-das-alteracoes-climaticas/
A mudança começou em casa, pelos pais, ambos figuras públicas na Suécia. A mãe, Malena Ernman, é uma conhecida cantora de ópera que, por influência da filha, deixou de viajar de avião para o estrangeiro — o que, na prática, a levou a dar menos espetáculos. O pai, Svante Thunberg, ator e escritor, é agora vegan, tal como a filha. Na casa da família, onde vive também a irmã mais nova de Greta, foram instalados painéis solares. As deslocações são feitas por regra de bicicleta e só em situações específicas usam o carro. Elétrico, claro.
Tudo isto, porém, é ao nível doméstico — e Greta, como já se sabe, quer ir muito para lá disso. Até porque, sublinha, não é necessário. Foi precisamente isso que disse na sua Tedx Talk, já no final da sua intervenção.
“É nesta parte em que as pessoas começam a falar de esperança, de painéis solares, de energia eólica, da economia circular, e por aí em diante. Mas não é isso que eu vou fazer. Já andamos há 30 anos a dar palmadinhas nas costas e a vender ideias positivas. Lamento, mas não funciona. Porque se funcionasse, as emissões já teriam descido por esta altura. E não desceram. Claro que precisamos de esperança. Mas aquilo de que precisamos mais é de ações. E assim que começarmos a agir, a esperança estará em todo o lado. Por isso, em vez de procurarem por esperança, procurem por ações”, disse Greta que vai faltar às aulas esta sexta-feira. Como em tantas outras e, agora que já não está sozinha, como tantos outros.

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