Nota: os subtítulos são da nossa responsabilidade.
Filosofia e Pandemia: uma lista de problemas
João
Cardoso Rosas, filósofo,
Professor na Universidade do Minho
1.
A epidemia não é uma conspiração do poder
Giorgio Agamben [filósofo
italiano] reagiu prontamente ao alastrar da epidemia em Itália. No dia 26 de
fevereiro [2020] publicou um texto em que lança dúvidas sobre a realidade
factual da epidemia falando sobre "uma suposta pandemia" e
considerando as medidas de emergência como "irracionais e totalmente
infundadas". A suspeição levantada por Agamben, quando existiam já
"zonas vermelhas" na Lombardia, está ancorada na sua filosofia e,
mais especificamente, na convicção de que a governação atual tende a usar a
ideia de "estado de emergência" como seu paradigma de atuação.
Agamben insistiu na mesma linha
argumentativa num outro artigo, publicado no dia 11 de março. Segundo este
autor, algo semelhante ao que atualmente vivemos terá acontecido com a chamada
"guerra ao terrorismo". Perante o declínio desta "guerra",
os governos inventaram outra, a "guerra ao vírus", de modo a poderem
continuar a justificar a expansão dos seus poderes e a limitação das liberdades
dos cidadãos. No quadro do combate ao terrorismo, os cidadãos foram todos
transformados em potenciais terroristas e tratados como tal. No contexto da
"suposta" pandemia, os cidadãos são potenciais contagiadores e por
isso devem ser vigiados e mantidos à distância. Daí o favorecimento do
teletrabalho, ou do ensino não presencial.
Não é difícil simpatizar com os
receios de Agamben sobre as transformações políticas induzidas pela pandemia. É
sem dúvida importante denunciar, como ele o faz, os usos perversos da linguagem
- a "guerra" - a que recorre o discurso político no contexto
pandémico. Mas o que verdadeiramente choca na sua intervenção é a negação
categórica das evidências empíricas: a epidemia não é real, mas
"suposta". As medidas dos governos não visam salvar vidas, são apenas
uma conspiração do poder. Porque pensa que a governação atual tem como
paradigma a criação de um "estado de emergência" permanente, Agamben
reinterpreta, ou sobreinterpreta, factos que à partida não pareciam
contestáveis. A realidade é forçada para dentro da teoria, por assim dizer. (continua)
Artigo publicado no Jornal Diário de Notícias a 19
de setembro 2020, excerto.
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