quinta-feira, 19 de novembro de 2020

PANDEMIA E FILOSOFIA (2)

 Nota: os subtítulos são da nossa responsabilidade.

Filosofia e Pandemia: uma lista de problemas

 

João Cardoso Rosas, filósofo,

Professor na Universidade do Minho

 

1.     A epidemia não é uma conspiração do poder

Giorgio Agamben [filósofo italiano] reagiu prontamente ao alastrar da epidemia em Itália. No dia 26 de fevereiro [2020] publicou um texto em que lança dúvidas sobre a realidade factual da epidemia falando sobre "uma suposta pandemia" e considerando as medidas de emergência como "irracionais e totalmente infundadas". A suspeição levantada por Agamben, quando existiam já "zonas vermelhas" na Lombardia, está ancorada na sua filosofia e, mais especificamente, na convicção de que a governação atual tende a usar a ideia de "estado de emergência" como seu paradigma de atuação.
Agamben insistiu na mesma linha argumentativa num outro artigo, publicado no dia 11 de março. Segundo este autor, algo semelhante ao que atualmente vivemos terá acontecido com a chamada "guerra ao terrorismo". Perante o declínio desta "guerra", os governos inventaram outra, a "guerra ao vírus", de modo a poderem continuar a justificar a expansão dos seus poderes e a limitação das liberdades dos cidadãos. No quadro do combate ao terrorismo, os cidadãos foram todos transformados em potenciais terroristas e tratados como tal. No contexto da "suposta" pandemia, os cidadãos são potenciais contagiadores e por isso devem ser vigiados e mantidos à distância. Daí o favorecimento do teletrabalho, ou do ensino não presencial.
Não é difícil simpatizar com os receios de Agamben sobre as transformações políticas induzidas pela pandemia. É sem dúvida importante denunciar, como ele o faz, os usos perversos da linguagem - a "guerra" - a que recorre o discurso político no contexto pandémico. Mas o que verdadeiramente choca na sua intervenção é a negação categórica das evidências empíricas: a epidemia não é real, mas "suposta". As medidas dos governos não visam salvar vidas, são apenas uma conspiração do poder. Porque pensa que a governação atual tem como paradigma a criação de um "estado de emergência" permanente, Agamben reinterpreta, ou sobreinterpreta, factos que à partida não pareciam contestáveis. A realidade é forçada para dentro da teoria, por assim dizer. (continua)

Artigo publicado no Jornal Diário de Notícias a 19 de setembro 2020, excerto.

Disponível em

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/19-set-2020/filosofia-e-pandemia-uma-lista-de-problemas--12734662.html

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