quinta-feira, 19 de novembro de 2020

PANDEMIA E FILOSOFIA (3)

 Nota. os subtítulos são da nossa responsabilidade.

DIA MUNDIAL DA FILOSOFIA

 

Filosofia e Pandemia: uma lista de problemas

João Cardoso Rosas, filósofo,

Professor na Universidade do Minho

 

2. Os problemas ético-políticos

Embora outros exemplos pudessem ser dados, creio que o "caso Agamben" é suficiente para ilustrar o tipo de abordagem filosófica a evitar. Convém agora explicitar as razões pelas quais julgo que, ainda assim, a filosofia pode ter algo de relevante a acrescentar sobre a pandemia, desde que abandone o registo especulativo e oracular de pensadores como Agamben. Por falta de espaço, farei aqui um mero elenco de problemas, sobretudo de natureza ético-política, alguns dos quais têm já sido objeto de intervenção pública também entre nós, por autores como José Gil, Maria do Céu Patrão Neves ou Viriato Soromenho-Marques, entre outros.

O primeiro desses problemas tem a ver com o medo que a pandemia provoca. Thomas Hobbes, o fundador do pensamento político moderno, considerava que o medo da morte é a nossa paixão fundamental. Na ausência de um estado politicamente organizado prevalece o medo e a vida dos homens tende a ser difícil e breve. A pandemia, tal como acontece geralmente com catástrofes naturais, ou com a guerra, especialmente se for guerra civil, veio recordar-nos a fragilidade das sociedades politicamente organizadas e o modo como elas podem rapidamente cair na anomia se não existir uma condução política da situação. Com certeza que nos próximos tempos os filósofos voltarão a este tipo de reflexão sobre o papel social e político do medo, mas também o de outras paixões que o contrariam (a generosidade, o altruísmo).

Um outro problema, muito específico, colocou-se cedo e com especial acuidade. Trata-se de saber, de um ponto de vista ético, como distribuir cuidados de saúde numa situação de elevada procura e grande escassez de recursos. O critério mais aconselhado na literatura Ética é o do número de anos de vida com qualidade que se projeta para cada um dos indivíduos em causa. Por isso mesmo é que, quando temos de escolher entre salvar uma criança saudável ou alguém com muita idade ou que morreria em breve de outra doença, a escolha se impõe. Mas deve notar-se que este critério é de natureza consequencialista e pode entrar em choque com as nossas convicções sobre o valor absoluto da dignidade humana. [continua]

Artigo publicado no Jornal Diário de Notícias a 19 de setembro 2020, excerto.

 

Disponível em https://www.dn.pt/edicao-do-dia/19-set-2020/filosofia-e-pandemia-uma-lista-de-problemas--12734662.html

 

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