Nota. os subtítulos são da nossa responsabilidade.
Filosofia
e Pandemia: uma lista de problemas
João Cardoso Rosas, filósofo,
Professor na Universidade do Minho
2. Os problemas ético-políticos
Embora outros exemplos pudessem ser
dados, creio que o "caso Agamben" é suficiente para ilustrar o tipo
de abordagem filosófica a evitar. Convém agora explicitar as razões pelas quais
julgo que, ainda assim, a filosofia pode ter algo de relevante a acrescentar
sobre a pandemia, desde que abandone o registo especulativo e oracular de
pensadores como Agamben. Por falta de espaço, farei aqui um mero elenco de
problemas, sobretudo de natureza ético-política, alguns dos quais têm já sido
objeto de intervenção pública também entre nós, por autores como José Gil,
Maria do Céu Patrão Neves ou Viriato Soromenho-Marques, entre outros.
O primeiro desses problemas tem a ver
com o medo que a pandemia provoca. Thomas Hobbes, o fundador do pensamento
político moderno, considerava que o medo da morte é a nossa paixão fundamental.
Na ausência de um estado politicamente organizado prevalece o medo e a vida dos
homens tende a ser difícil e breve. A pandemia, tal como acontece geralmente
com catástrofes naturais, ou com a guerra, especialmente se for guerra civil,
veio recordar-nos a fragilidade das sociedades politicamente organizadas e o
modo como elas podem rapidamente cair na anomia se não existir uma condução
política da situação. Com certeza que nos próximos tempos os filósofos voltarão
a este tipo de reflexão sobre o papel social e político do medo, mas também o
de outras paixões que o contrariam (a generosidade, o altruísmo).
Um outro problema, muito específico,
colocou-se cedo e com especial acuidade. Trata-se de saber, de um ponto de
vista ético, como distribuir cuidados de saúde numa situação de elevada procura
e grande escassez de recursos. O critério mais aconselhado na literatura Ética
é o do número de anos de vida com qualidade que se projeta para cada um dos
indivíduos em causa. Por isso mesmo é que, quando temos de escolher entre
salvar uma criança saudável ou alguém com muita idade ou que morreria em breve
de outra doença, a escolha se impõe. Mas deve notar-se que este critério é de
natureza consequencialista e pode entrar em choque com as nossas convicções
sobre o valor absoluto da dignidade humana. [continua]
Artigo publicado no Jornal Diário de
Notícias a 19 de setembro 2020, excerto.
Disponível em https://www.dn.pt/edicao-do-dia/19-set-2020/filosofia-e-pandemia-uma-lista-de-problemas--12734662.html
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