Imediatamente após ter publicado dois textos dos alunos João Silva e Renato Silva, respetivamente, publicamos o da aluna Adriana Fernandes sobre o conceito de «banalidade do mal», da filosofia de Hannah Arendt, filósofa a que também já aqui fizemos referência (post de 7 de março). Todos estes textos foram escritos pelos alunos com a finalidade de serem aqui publicados.
Hannah Arendt e a Banalidade do Mal
Já alguma vez parou para pensar em todas as
atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial? Certamente que sim, já todos
o fizemos. Um dos aspetos mais chocantes que encontramos são as ações das
pessoas envolvidas, atrocidades que nós consideramos completamente imorais e
impensáveis mas que alguém foi capaz de cometer.
É exatamente
sobre este assunto que a filósofa Hannah Arendt se vai debruçar. Hannah Arendt nasceu
na Alemanha (1906), filósofa de origem judaica, passou os seus primeiros 30
anos de vida na Alemanha Nazi, até que saiu ilegalmente do país e emigrou para
os EUA (1940). Foi nos EUA que lhe apareceu uma das maiores oportunidades da
sua carreira: cobrir jornalisticamente o julgamente de Adolf Eichmann, em Jerusalém,
para o jornal New Yorker. (Adolf Eichmann – membro do partido nazi, responsável
pelo transporte de prisioneiros judeus dos territórios ocupados para os campos
de extermínio).
Durante o
decorrer do julgamento, este afirma não ser antissemita, que no final da 2ª
Guerra sentiu medo daquilo que se seguiria por não ter mais ordens e diretivas para
seguir, falava com frases feitas, colocava o dever acima da sua própria
consciência e assumia a culpa do transporte de judeus mas não do extermínio em
si. Hannah Arendt surpreende-se então por estar perante um homem comum, que não
era um monstro nem um indivíduo demoníaco e que, tal como muitos dos envolvidos
no Holocausto, não era sádico nem pervertido, mas sim “assustadoramente
normal”.
É neste
momento que Hannah Arendt coloca uma das suas maiores e mais importantes
questões: O que levará um homem aparentemente normal a cometer tamanhas
atrocidades?
Para começar,
Hannah Arendt procura entender quais as condições que estiveram na origem deste
estado totalitário. Vivia-se, na Alemanha, uma crise económica e política (Pós
1ª Guerra Mundial) onde se encontravam indivíduos isolados, sem terem qualquer
noção de comunidade que ansiavam por algo que desse sentido à sua vida. Neste
contexto, o líder totalitário apercebe-se desta situação e vai transformar uma
sociedade comum num estado totalitário. Como? Alterando completamente os
valores da sociedade. A particularidade de Hitler foi que implementou o regime
nazi como a única alternativa possível e viável e todo este processo foi feito
com um toque e aparência de normalidade. Assim, nesta nova sociedade com os
valores completamente pervertidos, as palavras de Hitler passam a ser a lei e
ninguém desobedece nem sequer as põe em causa. Esta lei passa a ser o dever dos
cidadãos, que obedecem sem questionar.
Deste modo,
Hannah Arendt conclui que a inversão dos valores da sociedade ocorre
principalmente ao nível da lei moral. Enquanto que, hoje em dia, a nossa
moralidade nos diz “Não matarás”, na altura dizia “Matarás”. É sob estas
circunstâncias que o Mal vai perder a sua característica que o torna
reconhecível: ser uma tentação. Enquanto que nós sabemos que não devemos
roubar, a tentação é para roubar mas resistimos à tentação, por ser errado. Da
mesma forma, naquela altura a moral afirmava que deviam roubar e a tentação era
para não roubar, mas eles não cediam à tentação. O mal vai então entrar nesta
sociedade sem qualquer reconhecimento. As pessoas tornam-se incapazes de
distinguir o bem do mal, renunciando àquilo que os torna ‘pessoas’: a
capacidade de pensar.
É a este
fenómeno que Hannah Arendt vai chamar de Banalidade do Mal, o aparecimento do
mal numa sociedade como uma coisa banal e trivial, sem ser reconhecido por
aqueles que o praticam, que se encontram incapazes de fazer juízos morais. Foi
esta ‘incapacidade de pensar’ que levou muitos homens comuns a cometer
atrocidades numa escala monumental nunca antes vista.
Hannah Arendt
conclui assim que o mal não é radical, como o havia considerado, mas sim
extremo, isto é, o mal é algo superficial que não tem raízes. Instaura-se numa sociedade tal como um fungo que se
espalha à superfície, influenciando tudo e todos mas que não tem um
fundamento, é cometido por pessoas que não têm uma índole demoníaca nem
quaisquer más intenções.
Hannah Arendt
considera fundamental refletir sobre estas questões e sobre todo este processo,
para que, caso um dia se voltem a reunir condições como idênticas, consigamos
apercebermo-nos e evitar que uma catástrofe igual se repita.
Gostaria
apenas de concluir com uma passagem do seu livro Eichmann em Jerusalém, sobre a qual todos deveríamos refletir:
“Politicamente falando, a lição é que em condições de
terror, a maioria das pessoas se conformará, mas algumas pessoas não,
da mesma forma que a lição dos países aos quais a Solução Final foi proposta é
que ela "poderia acontecer" na maioria dos lugares, mas não
aconteceu em todos os lugares”
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