quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Para lá do discurso de Trump

A revista francesa Philosophie Magazine, no seu número de novembro, inclui uma entrevista com Moisés Naím, apresentado como «um dos intelectuais mais influentes dos Estados Unidos». A entrevista aborda o seu último livro intitulado The End of Power e, naturalmente, a questão mais atual da política americana -  a campanha para as eleições presidenciais.
Transcrevo uma parte da sua entrevista que nos pode ajudar a interpretar o discurso de Trump e a sua recetividade junto de largas camadas da população americana, a ponto de a ter convencido a votar nele para presidente dos Estados Unidos da América e de o sistema eleitoral americano o ter feito eleger.

« (...) Toda a gente sente que há mudanças sísmicas, a todos os níveis. E a maior parte das pessoas não sabem se estas mudanças lhes vão ser favoráveis. Para um grande número, essencialmente nos países desenvolvidos, estas mudanças não foram benéficas. Elas veem-nas, então, como ameaças. E querem que alguém páre isso, que elimine a incerteza. Trump promete a segurança. Ele prometeu, por exemplo, que se fosse eleito, acabaria com o terorismo. Isso não tem nenhum sentido. Ninguém tem a fórmula mágica. E no entanto esta promessa acertou no alvo. Trump não faz promessas excessivas. Faz promessas que toda a gente sabe que não funcionam. O seu programa está cheio de ideias mortas. Nós sabemos que os muros não impedem os migrantes.Isso não o impede de ter feito da construção de um muro entre os Estados Unidos e o México o eixo central da sua política de imigração. Na realidade, a exequibilidade desta medida não lhe interessa. Trump evolui num regime de "verdade" que o torna hermético à crítica.

      Fala-se muito neste momento da post-truth politics, de uma política " para além da verdade". Trump é o rosto desta nova política?
Ele introduziu um novo modo, muito eficaz, de se comportar em relação aos factos, que consiste em injetar na política, à vista de toda a gente, mentiras. Trump mente sempre. Isso está estabelecido e documentado. Mas isso não muda grande coisa. Os eleitores têm afetos e a principal função das mentiras de Trump é dar expressão a estes afetos. Assim, eles não se preocupam com o facto de serem mentiras. Houve, durante esta campanha, todo um trabalho de fact-checking, de "verificação de factos" por parte da imprensa e mesmo dos cidadãos comuns. É importante que este trabalho seja feito. Mas isso não afeta propriamente Trump. Vimos a mesma coisa com os partidários do Brexit que avançaram números totalmente erróneos sobre as consequências da saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Reconheceram-no no dia a seguir ao referendo. Sem que isso tenha chocado excessivamente os eleitores. Estes números têm a função de exprimir a sua ansiedade, eles querem acreditar neles, mesmo que sejam falsos. Estamos portanto na era da política pós factual.

    Trump tem alguma chance de ganhar?
As sondagens indicam que é um verdadeiro competidor e que tudo pode acontecer. (...)»

Naím, Moisés (2016), Entrevista a Martin Legros, Philosophie Magazine, nº 104, pp. 70-75.


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