Crianças de Hiroshima usam máscaras para evitar o cheiro de cadáveres dois meses após o bombardeio. (Foto: Keystone/Getty Images) |
Terminámos
o nosso estudo sobre a ética Kantiana e a ética utilitarista com um breve
debate. Tivemos como ponto de partida desafiador um texto que referia a situação
do lançamento da bomba atómica sobre as cidades de Hiroshima (a 6 de agosto de
1945) e Nagasaki ( a 9 de agosto), durante a segunda Guerra Mundial, mediante
decisão do Presidente americano Harry Truman. Nele se apresentava uma
perspetiva legitimadora da decisão assente no consequencialismo e a posição deontologista
da filósofa inglesa Elizabeth Ascombe (1919-2001), que acusou o Presidente de “assassino”. A
partir das informações disponíveis várias questões foram levantadas e algumas
hipóteses deram lugar a deduções e conclusões plausíveis. O J.B. foi muito
assertivo na defesa do seu ponto de vista e elaborou um texto onde deixa clara
a sua posição…
"De
facto, considero Truman, assim como qualquer outro integrante do Governo
americano da época que, estando a par do imenso poder atómico e dos seus
efeitos, escolheu apoiar o uso deste ou optou por, podendo-o fazer, não
protestar abertamente contra a sua utilização naquele contexto, um assassino.
Simplesmente, não considero que qualquer justificação possa ser aceite para o
assassínio bárbaro de milhares de civis e, até soldados, mesmo que tal crime
seja executado com um propósito nobre em mente (o de terminar mais rapidamente
a guerra e, deste modo, prevenir que mais vidas fossem ceifadas do que o
necessário); afinal, que constituem tais consequências na face de milhares de
crianças, mulheres, homens, quer civis quer soldados, a serem, num instante,
carbonizados vivos, pulverizados ou, sofrendo queimaduras mortais e
desenvolvendo cancros e outras enfermidades que seriam passadas a futuras
gerações? Como poderá, em quaisquer que sejam as circunstâncias, justificar-se
uma atrocidade destas? Não se pode. Pura e simplesmente, há ações tão
moralmente repugnantes, tão abjetas, que nenhumas possíveis consequências
positivas advenientes destas lhes poderão conferir sequer um bafejo de
moralidade. Até porque, a narrativa apresentada no texto, de ou as bombas ou a
invasão custosa, constitui um claro falso dilema. Não havia, ao dispor de
Truman e dos seus subordinados, somente duas opções de colocar um ponto final à
guerra que, por esta altura, consistia da gigantesca maioria do Mundo, com
algumas raras exceções, contra o Império Japonês, os seus domínios reduzidos à
maior parte do seu arquipélago e a parcelas fracamente defendidas do Extremo
Oriente continental e do Sudeste Asiático e, a sua estratégia de defesa
reduzida a ataques suicidas contra a Marinha americana. Seria, pergunto-vos tal
situação requeredora do uso duma bomba atómica, das armas mais poderosas
concebidas pelo Homem e que, a princípio, fora desenvolvida somente para uso
contra um Terceiro Reich ou um Japão ainda vigoroso e detentor de uma miríade
de territórios e regiões? Não, claro que não! Poder-se-ia ter optado por, ao
invés da bomba ou de uma invasão que apenas prolongaria uma guerra que, para o
Japão, já estava perdida desde Pearl Harbor, entrar em conversas de paz com o
governo japonês, já ansioso por qualquer rendição que não a incondicional ou,
impor-lhes um embargo e sanções económicas tais que, para sobreviver, o regime
seria obrigado a alterar a sua posição em relação à guerra e política e, a
sujeitar-se a uma renovação e a um armistício. Porém, ao invés de tais cursos
de ação, Truman e os seus colegas preferiram o massacre de duas cidades
inteiras, opção que lhes garantiria, a seu ver, uma reeleição e lhes permitiria
focar as suas políticas no combate ao comunismo da URSS, ao invés de numa
guerra já ganha e dispendiosa economicamente. Portanto, como, pergunto-vos, a
vós que apoiam esta decisão de lançar a bomba, se poderá reconhecer em toda
esta situação algo que não seja a injustiça de Truman e os seus comparsas
criminosos nunca terem sido julgados por crimes de guerra?.
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