sexta-feira, 25 de junho de 2021

Filosofia e Pandemia: uma lista de problemas...

«Um outro problema, muito específico, colocou-se cedo e com especial acuidade. Trata-se de saber, de um ponto de vista ético, como distribuir cuidados de saúde numa situação de elevada procura e grande escassez de recursos. O critério mais aconselhado na literatura Ética é o do número de anos de vida com qualidade que se projeta para cada um dos indivíduos em causa. Por isso mesmo é que, quando temos de escolher entre salvar uma criança saudável ou alguém com muita idade ou que morreria em breve de outra doença, a escolha se impõe. Mas deve notar-se que este critério é de natureza consequencialista e pode entrar em choque com as nossas convicções sobre o valor absoluto da dignidade humana.» Fernando Rosas, hic http://espacocriticonaescola.blogspot.com/search?updated-max=2020-11-19T22:25:00Z&max-results=10#:~:text=Um%20outro%20problema,da%20dignidade%20humana.


Este é o parágrafo que o J.B. do 10ºA escolheu como ponto de partida reflexivo para o texto que se publica.

Dos 7 excertos do texto “Filosofia e Pandemia: uma lista de problemas”, da autoria de João Cardoso Rosas, colocados à disposição no site “Espaço Crítico na Escola”, foi o segundo, lá titulado de “Os problemas ético-políticos”, o que me mais despertou a atenção; não, porém, todo, na íntegra, mas, particularmente, o último parágrafo, que me colocou, durante algum tempo, a refletir, genuinamente, acerca de como em tal situação, liberto de futuras repercussões legais, e sem nada a temer como punição pela minha decisão para além do peso que, dali para a frente, atormentaria a minha consciência, agiria eu. Em que situação? Naquela em que, vendo-me na posse de um único conjunto de equipamento médico destinado ao atenuamento de sintomas associados à Covid-19 e mesmo, à possível recuperação, e, sendo-me apresentados, em simultâneo, dois indivíduos, uma criança e um idoso, padecendo da doença, em ambos já num estado de tal forma avançado que, finalizado o recobro de um, o outro já não precisaria duma cama de hospital mas sim, dum caixão, fosse obrigado a determinar por mim mesmo, na ausência dos parentes dos pacientes, enfermeiros ou superiores, que vida salvar e que vida, através da minha recusa em aquele que a albergava acolher, ceifar. À primeira vista, tal dilema não apresentaria, para muitos, grandes problemas; afinal, é, claro, lamentável a perda de qualquer alma inocente para uma doença, mas, se por um lado, possuírem a capacidade de prestar auxílio à sobrevivência de uma alma inocente a quem restem inúmeras décadas de emoções e experiências, ou, por outro lado, a uma que, possivelmente, dali a menos de cinco anos, estará já a sete palmos abaixo da terra, uma que já experienciou tudo o que este Mundo teria para lhe oferecer e para além de Covid-19, padece já, ou padecerá em breve, de outras maleitas, a maioria das pessoas escolherá priorizar a vida da criança. Porém, ao analisarmos a situação por, somente, este prisma, estamos a desconsiderar incontáveis outros fatores e a antepor a provável esperança de vida superior da criança a uma imensidão de outros aspetos, pelo que, consideremos, por momentos, outras visões, por exemplo, uma, sim, também consequencialista, mas, não em relação aos restantes anos de vida que sobram a cada um dos dois indivíduos em causa, mas, em relação à capacidade de cada um para praticar, de futuro, o mal. Afinal, enquanto ao resgatarmos, da morte certa, um débil septuagenário, não estaremos, com grande probabilidade, a alterar, para pior, o curso da História (no fim de contas, que grandes males poderá, sobre a sociedade, libertar um idoso frágil de, imaginemos, como a criança, da classe média-baixa, a quem, talvez, nem uma década reste), ao, em vez disso, escolhermos salvar o indivíduo mais jovem, a criança, alguém com, pela frente, várias décadas, estaremos a optar por acudir alguém com uma mente ainda bastante aberta a extremismos e ideias prejudiciais para os seus restantes concidadãos, alguém que, até à sua eventual morte, ainda a bastantes anos dali, poderá ser responsável por inúmeras mortes e sofrimento, alguém cuja psique não está ainda, ao contrário, muito provavelmente, da do idoso, completamente fechada a ideais perigosos e que irão contra os direitos humanos mais básicos, alguém que, sinceramente, não faria grande falta no Mundo. Claro que, contudo, admito-o, não é possível afirmar com certeza, acerca desta criança, que o seu futuro só albergará desgraças para outros, longe disso! Tal como é capaz de, para outros inocentes, esta criança só vir a trazer tragédia, esta é também capaz de se vir a revelar um herói, alguém disposto a lutar pela igualdade e melhoria das condições de vida de outros, ou, simplesmente, não vir a deixar, no Mundo, qualquer marca, e nele, apenas levar a cabo uma existência indiferente. Porém, enquanto o futuro da criança é bastante incerto, capaz de tomar bastantes rumos, alguns extremamente bons, outros insignificantes, e outros, extremamente maus, o futuro do idoso é mais certo: provavelmente, até morrer, não se alterará, grandemente, o seu statu quo, mantendo este a mesma relação com o Mundo de sempre. Assim, é mais segura e, potencialmente, para a restante Humanidade, benéfica, a recuperação do idoso, tendo, por isso, o médico, nesta situação, o dever, sim, o dever, de à criança negar o futuro e o idoso socorrer. Contudo, até nesta visão que, a alguns de vocês poderá ter aparecido como lógica e a outros como irracional e bárbara, se prioriza a vida de um indivíduo sobre o outro. Mas porque o deveríamos fazer? Não são todas as vidas iguais, no fim de contas? Não é dito que a vida não tem preço? Então, com que direito me julgaria eu, como médico, de colocar a vida de alguém sobre a outra devido apenas ao seu tempo de vida restante ou à sua capacidade de, no futuro, causar o mal? Não sou Deus, porque me acharia, então, com direito a considerar que uma das duas vidas é mais digna de salvar? De facto, porque deveria, sequer, salvar alguma daquelas duas vidas? Só porque tiveram a sorte de vir ter a um médico com a capacidade de uma delas salvar? Então e todas as outras pessoas no Mundo, todos os inocentes que morrem, injustamente, diariamente? Não teriam também eles o direito de ser salvos, tal como a criança ou o idoso? Não será, então, melhor, deixar ambos morrer e saber que não contribuí para um aumento de desigualdade no Mundo, que não discriminei? Talvez, mas, se por um lado, ao não discriminar quando tive a possibilidade de tal, ao escolher não colocar quaisquer vidas acima de outras, posso considerar ter-me mantido humano, por outro, não perderei também a minha humanidade, não poderei deixar de poder considerar-me humano, se quando tive a oportunidade, escolhi, em vez de um deles socorrer, deixar morrer, dolorosamente, dois indivíduos inocentes, que me procuraram na esperança de serem salvos e que desiludi? Não terei aí, falhado como médico, sim, mas, mais importante, como pessoa? Não terei sido, aí, eu o verdadeiro assassino dos dois e não o vírus que por eles alastrava? Então, haverá, afinal, alguma visão filosófica, algum curso de ação motivado por alguma teoria ética, que nos permita manter, tanto não discriminando como não abandonando à morte ambos os pacientes, a humanidade? Talvez, se abandonarmos estas visões, fundamentalmente, consequencialistas, e, por isso, focadas nas consequências de dado ato (em todo o futuro de uma criança ou, no mal de que esta, possivelmente, será, quando crescer, capaz) e, em vez disso, tentarmos uma outra abordagem, a kantista. Desenvolvida pelo filósofo prusso, Immanuel Kant, esta outra abordagem filosófica, ao contrário da utilitarista, é estritamente contra a classificação de ações como “boas” ou “más” a partir das consequências que delas advêm, mas a partir da universalidade do princípio a que elas aderem. Como assim, poderão, alguns de vocês, perguntar-se? Pois bem, assim: Alguma vez, em toda a vossa vida, mentiram? Alguma vez, com o propósito de não serem obrigados a levar com um sermão ou escaparem-se de um castigo, alteraram, ligeiramente, a verdade? Se sim, poderão pensar que tal ato foi praticado com grande inocência e, embora não se possa, propriamente, classificá-lo de bom, também não se o pode classificar de mau. Contudo, de acordo com Kant e a sua filosofia, essa pequena mentira que contaram é, sim, uma ação má, e bastante. Porquê? Porque, se todos, na Terra, como vocês, mentissem de modo a evitar inconveniências, teríamos um Mundo onde a vigarice, o perjúrio e os falsos testemunhos constituíriam a norma, e, por isso, um Mundo completamente imoral. Logo, de acordo com Kant, mentir, assim como qualquer outra ação que, se aplicada universalmente, não resulte numa sociedade estável e generosa, moral, é maléfica, e, sim, isso incluí mentiras para o bem de outras pessoas. Então, que poderia eu fazer nesta situação que, se aplicado universalmente, não resultaria numa Humanidade depravada, insensível e/ou cruel? Escolher, independentemente do motivo, auxiliar um dos dois doentes e, embora de coração pesado, negar ajuda a outro? Não, pois, nesse caso, se tal princípio for aplicado universalmente, estaremos a criar uma sociedade na qual é considerado aceitável, prestar apenas assistência àqueles cujas circunstâncias nos agradem e sonegá-la àqueles que não preenchem os requisitos, por nós impostos, no fundo, uma sociedade egoísta e arrogante, que, engraçadamente, é similar àquela em que vivemos. Mas, lá por ser idêntica à nossa, isso não faz dela perfeita ou ideal, pelo que essa opção a tomar, de discriminar, é para deitar fora, de acordo com os ensinamentos kantistas. E quanto a negar ajuda aos dois, acho que todos aqui podemos ver que, de acordo com os princípios kantistas, tal decisão não é aceitável. Então, que fazer? Tentar salvar, apesar de sabermos da impossibilidade de tal curso de ação, ambos os doentes? Seria, sim, algo admirável, e, talvez, segundo o kantismo, aceitável, não fosse o facto de, nessa situação, estarmos a condenar, com toda a certeza, os dois à morte (visto que, não dedicando demasiada atenção e equipamento a um só, não conseguiríamos salvar nenhum deles), quando poderíamos ter salvo uma vida, criando assim, se aplicada, universalmente, essa máxima, uma sociedade que, quando confrontada com o facto de, em dada situação, não ser capaz de salvar todos aqueles que, devido a ela, se achem em perigo, mas ser apenas capaz, realisticamente, de, assumamos, em 30, salvar 12, prefere, ainda assim, não concentrar os seus recursos numa única pessoa ou único grupo, e, em vez disso, toma a decisão de os distribuir equitativamente, e, por isso, individualmente, de maneira insuficiente, matando, por isso, todos. Assim, podemos ver que, na verdade, nenhum dos cursos de ação que poderíamos tomar: negar, a ambos, ajuda, tentar salvar os dois ou, salvar um e, deixar a Morte colher o outro, nenhum desses planos parece, se vistos de um prisma kantista, aguentar-se de pé, apresentando todos, sem exceção, alguma falha se aplicados de forma universal. Por isso, se nenhuma das decisões é, deste ponto de vista, perfeita ou ideal, a única coisa que podem fazer é decidir-se por aquela que, para vocês, aparente ser mais razoável e de acordo com os vossos princípios, uma da qual não se venham a arrepender. É esta variedade de respostas, nenhuma delas, do meu ponto de vista, completamente irracional ou incorreta, ao problema de quem, nessa situação difícil, salvar, que me levou a escolher, como preferido, este texto em particular, e, demonstra, no fim de contas, aquilo que há de tão interessante na Filosofia, que é a imensidão de respostas possíveis e teorias interessantes (as que mais me fascinam, e recomendo para possíveis leitores deste comentário, são as mais radicais e/ou bizarras, como a própria ética kantista e, embora não a compreenda totalmente, a teoria dos objetos, de Meinong, e o conceito de especismo) que podem ser aplicadas em dada situação.

 

 

 

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