quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Filosofia da Religião

Religiões: Sagrado e Profano; Puro e Impuro

 Os perigos de uma visão etnocêntrica


Como sabemos, a Filosofia é autónoma, e procura instaurar a autonomia do pensar. No entanto, também é verdade que não recusa o diálogo e as contribuições dos outros saberes. Entre as contribuições que marcaram o pensar filosófico nos séculos XIX e XX, relativamente à questão da Religião, estão as da Antropologia da Religião.

A Antropologia da Religião acerca-se do fenómeno religioso tendo como objeto de estudo as crenças, os mitos fundantes, os textos sagrados, os ritos específicos, o corpus teológico da religião, etc.

A partir do século XIX, os antropólogos, na sua análise das religiões e crenças não europeias e não-asiáticas, sentiram-se sugestionados, sobretudo, pelos sentimentos, aparentemente constados, do Medo e do binómio Pureza/impureza. Importa desde logo chamar a atenção para o pathos em que estes investigadores navegavam, quer emocional quer concetualmente: mesmo sem o querer, investigam, nomeiam e categorizam a partir de uma visão, sobretudo eurocêntrica - por isso até falam em povos, culturas e crenças a que sem pejo denominam como sendo Primitivos. Primitivos no sentido de ainda se situarem nos primórdios evolutivos da cultura e da civilidade (infra, portanto).

Logo à partida queremos evidenciar o logro em afirmar que as crenças destes povos, de modo praticamente exclusivo, acentuam, cindindo, o Sagrado do Profano, o Puro do Impuro. Só o hábito pode levar a normalizar e a esquecer toda a construção concetual, ritual e vivencial destes opostos nas ditas ‘Grandes Religiões’: As abluções rituais antes das orações, o uso do véu pelos elementos do género feminino, o descobrir ou cobrir a cabeça pelos homens, a orientação correta, segundo os pontos cardeais para as preces, as indumentárias rituais, a confissão dos pecados prévia e obrigatória para a vivência plena dos ritos, as normas relativas aos fluídos corporais, etc, não isentam de modo algum destes binómios as religiões ditas grandes, quiçá confundido quantidade e qualidade.

Qualquer fenómeno cultural visto do exterior, e tomado como exótico, pode levar a dois movimentos (quando é esquecida a objetividade e se recusa a possibilidade de existência dos preconceitos e estereótipos): ou de identificação abusiva (os portugueses quando chegaram ao Oriente inicialmente acreditaram que os budistas e os hindús - sanatana dharma - eram cristãos um pouco diferentes) ou de inferiorização destrutiva (as crenças dos povos colonizados eram vistas como demoníacas, primitivas, boçais).

Na verdade, as dicotomias enunciadas acima, tais como as questões da Impureza/Pureza, radicam nas necessidades, por um lado concetuais (Pureza/Ordem; Impureza /Desordem), mas também higiénica e sanitária (Pureza/Saúde; Impureza/Doença). Temos de entender que estes opostos estão presentes de modo universal em todos os universos religiosos e só são vistos como aberrações e castrações por olhares exteriores e que se sentem confrontados nas suas próprias crenças, mesmo que culturalmente inconscientes. Na verdade, como podemos constatar na atual pandemia, a fuga ao temido Caos, seja ele natural ou social, é o grande objetivo. A construção/manutenção de um Cosmos, fundamenta-se na necessidade profunda, presente em todos os aglomerados humanos, em doar sentido, ordem, quer ao natural, quer ao social.

Importa referir que estes binómios não são estanques e muito menos imutáveis: para aqueles que os seguem religiosamente, existe o sentimento de eles serem eternos e imutáveis, no entanto temos de ter consciência da sua dialética: eles organizam o natural e o social, mas também são redefinidos e atualizados de acordo com as necessidades e mudanças naturais e sociais.

Prof. Carlos Reis

9/12/2021 

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