domingo, 5 de abril de 2020

Dia Mundial da Filosofia 2019 - textos de filósofos contemporâneos...(4)

MARTHA NUSSBAUM

Filósofa norte-americana (n. 1947)





Atravessamos uma crise de dimensões gigantescas e de profundo significado global. Não, não me refiro à crise económica global que teve início em 2008. Pelo menos, nessa altura, toda a gente sabia que a crise estava presente e muitos líderes mundiais agiram rápida e desesperadamente para encontrar soluções. (…)  Não, refiro-me a uma crise que em grande medida passa despercebida, como um cancro; uma crise que muito provavelmente será, a longo prazo, bastante mais prejudicial para o futuro dos governos democráticos: uma crise global na educação.
Atualmente, ocorrem mudanças radicais em relação ao que as sociedades democráticas ensinam aos mais novos, e estas mudanças não foram bem ponderadas. Obcecados pelo lucro nacional, os países, e os seus sistemas de educação, estão a descartar levianamente competências que são necessárias para manter as democracias vivas. Se esta tendência persistir, as nações de todo o mundo irão em breve produzir gerações de máquinas úteis, em vez de cidadãos completos que conseguem pensar por si próprios, criticar a tradição e compreender o significado dos sofrimentos e das conquistas dos outros. O futuro da democracia mundial permanece incerto.
Quais são estas mudanças radicais? As humanidades e as artes vêm sendo eliminadas, quer na educação primária e secundária quer no ensino superior, em praticamente todos os países do mundo. Consideradas pelos decisores políticos adereços inúteis, num tempo em que as nações têm de cortar todas as coisas supérfluas de modo a manter-se competitivas no mercado global, estão rapidamente a perder o seu lugar nos currículos e nas mentes e nos corações de pais e crianças. Na verdade, o aspeto imaginativo e criativo e os aspetos do pensamento crítico rigoroso – aquilo a que poderíamos chamar os aspetos humanistas da ciência e da ciência social – estão igualmente a perder espaço, à medida que os países preferem dedicar-se ao  lucro de curto prazo através do desenvolvimento das competências úteis e profundamente técnicas adequadas à geração do lucro.
Esta crise está diante de nós, mas ainda não a enfrentámos. Seguimos em frente como se nada se passasse, quando, na realidade, são notórias grandes alterações por toda a parte. Ainda não refletimos acerca destas alterações, nem sequer as escolhemos e, no entanto, elas limitam cada vez mais o nosso futuro.

NUSSBAUM, Martha (2019). Sem fins lucrativos: Porque Precisa a Democracia das Humanidades. Lisboa: Edições 70 (obra originalmente publicada em 2010).


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