MARTHA NUSSBAUM
Filósofa norte-americana (n. 1947)
Atravessamos uma crise de dimensões gigantescas e
de profundo significado global. Não, não me refiro à crise económica global que
teve início em 2008. Pelo menos, nessa altura, toda a gente sabia que a crise
estava presente e muitos líderes mundiais agiram rápida e desesperadamente para
encontrar soluções. (…) Não, refiro-me a
uma crise que em grande medida passa despercebida, como um cancro; uma crise
que muito provavelmente será, a longo prazo, bastante mais prejudicial para o
futuro dos governos democráticos: uma crise global na educação.
Atualmente, ocorrem
mudanças radicais em relação ao que as sociedades democráticas ensinam aos mais
novos, e estas mudanças não foram bem ponderadas. Obcecados pelo lucro
nacional, os países, e os seus sistemas de educação, estão a descartar
levianamente competências que são necessárias para manter as democracias vivas.
Se esta tendência persistir, as nações de todo o mundo irão em breve produzir
gerações de máquinas úteis, em vez de cidadãos completos que conseguem pensar
por si próprios, criticar a tradição e compreender o significado dos
sofrimentos e das conquistas dos outros. O futuro da democracia mundial
permanece incerto.
Quais são estas
mudanças radicais? As humanidades e as artes vêm sendo eliminadas, quer na
educação primária e secundária quer no ensino superior, em praticamente todos
os países do mundo. Consideradas pelos decisores políticos adereços inúteis,
num tempo em que as nações têm de cortar todas as coisas supérfluas de modo a
manter-se competitivas no mercado global, estão rapidamente a perder o seu
lugar nos currículos e nas mentes e nos corações de pais e crianças. Na
verdade, o aspeto imaginativo e criativo e os aspetos do pensamento crítico rigoroso
– aquilo a que poderíamos chamar os aspetos humanistas da ciência e da ciência
social – estão igualmente a perder espaço, à medida que os países preferem
dedicar-se ao lucro de curto prazo
através do desenvolvimento das competências úteis e profundamente técnicas
adequadas à geração do lucro.
Esta crise está diante
de nós, mas ainda não a enfrentámos. Seguimos em frente como se nada se
passasse, quando, na realidade, são notórias grandes alterações por toda a
parte. Ainda não refletimos acerca destas alterações, nem sequer as escolhemos
e, no entanto, elas limitam cada vez mais o nosso futuro.
NUSSBAUM, Martha (2019).
Sem fins lucrativos: Porque Precisa a Democracia das Humanidades.
Lisboa: Edições 70 (obra originalmente publicada em 2010).
Sem comentários:
Enviar um comentário