quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O que está realmente em causa?* (4)

A argumentação do aluno Gonçalo Luís (11ºE):

      As mulheres que trabalham no Facebook e na Apple, nos Estados Unidos, e queiram adiar a maternidade, apostando na carreira profissional, podem optar pela criopreservação de ovócitos de forma gratuita. As duas empresas, nas quais apenas trinta por cento dos trabalhadores são mulheres, estão dispostas a pagar os elevadíssimos custos associados ao congelamento de óvulos, cientes do talento, criatividade, disponibilidade e flexibilidade femininos no desempenho de altos cargos. Com esta medida, estão a permitir às mulheres estender a sua fertilidade e dedicar a maior parte do seu tempo à (s) empresa (s).
    Uma das razões que me leva a discordar da medida tomada pelo Facebook e pela Apple é o facto de pais tardios acentuarem aquilo a que costumamos chamar “The Generation Gap”. Significa isso que, apesar de já se encontrar defendido que pais mais velhos podem apresentar maior estabilidade emocional e financeira, e podem investir mais na criação dos filhos, o certo é que pais com mais idade vão acentuar a diferença geracional, com impacto na capacidade de fazer face aos desafios e às exigências que têm que ver com a educação, acompanhamento e desenvolvimento das crianças e jovens.
    Outro argumento que debilita as razões exibidas pela Apple e Facebook, para não dizer que as anula liminarmente, é que, sendo a esperança média de vida muito elevada e sendo o índice de desenvolvimento humano no país proponente muito elevado, as mulheres manter-se-ão no mercado de trabalho até muito tarde e a questão da maternidade acontecerá sempre durante a vida ativa da mulher. Por outro lado, esta gravidez tardia traduz-se numa recuperação mais lenta, do ponto de vista físico, com possível perda de produtividade.
       Acresce que, num país onde a taxa de nascimentos tem vindo a baixar, o adiar da natalidade, associado à elevada taxa de divórcios (nos últimos 25 anos, as leis de divórcio "sem culpa", têm tornado o processo de divórcio mais fácil), pode ter um impacto drástico na sua sustentabilidade, a médio e longo prazo.
É importante ainda clarificar que para conseguir uma gravidez que conduza ao nascimento de um bebé, o óvulo tem de sair em boas condições do congelamento. De seguida, precisa ser fecundado in vitro (algo que nem sempre se consegue) e superar o procedimento da implantação uterina, fase na qual muitos tratamentos de fecundação assistida fracassam.
      É o momento de colocar aqui inúmeras questões: Vale o risco? Quais os benefícios? Quem sai a ganhar? O que está realmente em causa? Há liberdade de escolha ou está condicionado o livre arbítrio? O que mobiliza este investimento milionário?
Pese embora duvide que a medida proposta pelas duas gigantes venha a ter o resultado desejado, pelas razões expostas, concedo que a senescência dos óvulos inviabiliza o que seria mais um argumento contra: sendo retirados a mulheres jovens, os óvulos mantêm-se jovens, evitando muitas patologias genéticas/hereditárias associadas à hipotética idade mais avançada da mãe. Generalizado o congelamento de óvulos em jovens mulheres, evitar-se-ia o hipotético problema de uma sociedade a ter de investir mais na saúde e nos cuidados com deficientes.
Declino, contudo, uma medida que é, a meu ver, meramente economicista, não há razões clínicas nela implícitas. Ela valoriza o capital em detrimento do ser, colocando simultaneamente questões de ordem ética, nomeadamente no que se refere à legitimidade de agir, de forma deliberada, contra a natureza do sistema biológico humano. Glenn Cohen, perito em bioética da Universidade de Harvard, considera que existe na medida agora anunciada uma enorme ambiguidade; passa-se a mensagem de que a maternidade não é compatível com os altos níveis de competitividade e exigência das duas empresas, sendo necessário adiá-la através de um método contranatura, sem resultados de sucesso garantidos!

* título da nossa responsabilidade e retirado do texto.

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