segunda-feira, 13 de julho de 2020

Visita de Estudo à Casa de Saúde do Telhal - o que dizem os alunos (4)

O aluno P.L., 12º I, apresenta-nos uma descrição detalhada desta visita, dando conta também das suas experiências, impressões e opiniões. Aqui transcrevemos, quase na íntegra, o seu texto.


«(...) À chegada o grupo foi levado a uma sala de apresentação localizada nos claustros de uma reformada estrutura religiosa. Estiveram presentes três representantes: um padre da comunidade de irmãos; uma senhora que posteriormente nos apresentou um museu que englobava o próprio santo, a ordem religiosa e um pouco de história da psicologia; e o chefe de enfermagem desta casa que acolhia 460 utentes. A apresentação reforçou de forma introdutória de que estes centros não traduzem a mesma realidade expressa no mundo do cinema, e o apelo ao voluntariado dos jovens para entretenimento dos utentes dado o exemplo de atividades de desporto, passeios, música, teatro… A casa de Saúde do Telhal tinha já 126 anos e está organizada em unidades de teor curto, médio e longo. A instituição privada de cariz social e de saúde possui unidades de saúde mental, de reabilitação social, de alcoologia (de duração de 1 mês) e clínica de psicogeriatria para utentes com mais de 65 anos com perturbações mentais. O chefe de enfermagem afirmou também que a ordem hospitaleira apoia hospitais públicos ao receber pacientes durante o período de alguns meses. Introduziu-nos a unidades de contenção ambiental que se justificava nos utentes com problemas de orientação, ou seja que não tem consciência do seu espaço e perdidos correriam risco de vida, e utentes de comportamento inadequado como o de conflito agressivo ou urinar/despir em zonas públicas. Este condicionamento acaba por ser uma medida preventiva. Foram nos apresentadas as unidades em específico, por exemplo: a unidade de Santo António com o objetivo de ajudar os utentes em tarefas domésticas para que estes possam assumir um grau de independência; ou a unidade de S. Bento Menni que se direciona à autonomia dos utentes. Na área de ajustamento psicossocial a instituição não só oferece as unidades como também residências comunitárias no exterior da casa de saúde. Tal como ateliês de atividades ou ocupação (fabris, artes, jardinagem, informática). No final da sua apresentação realçaram-se os principais projetos do instituto como: a comemoração de épocas festivas; o projeto SOL que se destinava a levar as atividades a utentes com deficiências motoras; o projeto de estimulação sensorial com recurso a uma sala Snoezelen; reuniões comunitárias; entre outros... A meu ver, esta apresentação revelou-se demasiado informativa e focada na instituição em si. Foi importante para melhor compreender o funcionamento da casa de saúde mas a identificação de cada unidade juntamente com o seu nome e os seus números tornou-a demasiado exaustiva (...). Após uma breve pausa para lanche nos claustros da antiga igreja foi a vez da sessão de museu. Esta seguinte fase foi dividida em três partes: a vida de São João de Deus, que depois dá introdução à história da irmandade até aos dias de hoje, e por fim um breve resumo da história da psicologia com base na própria casa. O primeiro museu da casa, que apenas colocava em exposição obras feitas por utentes na área da Ergoterapia, foi fundado em 1920. Um novo museu fundado em 2009 deu-lhe continuidade com novas exposições debruçadas num contexto mais histórico tanto da psicologia como da própria instituição (...) Vou apresentar já de seguida a fase final da visita ao museu que tem como objeto a história da psicologia, dado que pretendo dedicar maior atenção à etapa da arte dos utentes que deixarei p deixarei para o fim. A oradora afirmou que até há um tempo relativamente próximo doentes mentais eram vistos como loucos com a justificação de presença demoníaca nos seus corpos. Numa fase posterior à revolução francesa os sofredores de perturbações mentais passam a ser vistos como doentes, e a psicologia surge (como sabemos) nos finais do séc XIX. Foram então apresentados depois alguns dos métodos usados na casa de saúde nos seus primórdios tendo estes sido: a hidroterapia, que consistia no uso de choques térmicos em utentes paralíticos ou depressivos; passeios em ambientes naturais; camisas de força e outros utensílios de contenção; tratamentos piréticos… Tivemos o prazer de poder experienciar uma sala destinada à exposição de artigos feitos por pacientes embora por apenas breves momentos. Esta atividade para os próprios é uma forma de expressão, de ocupação e terapia e a diversidade de artigos destas salas era imensa com quadros, moldes, cestaria, retratos, aguarelas, audiovisuais, fotografia, escultura, origami, e até um avião. É me impossível descrever cada objeto pelo pouquíssimo tempo que tivemos para os analisar, mas talvez o mais apelativo foi o artigo audiovisual onde um utente gravou partes do seu rosto e em legendas estavam escritas perguntas que este mesmo levantou. (...)  Com o fim das atividades da manhã inicia-se o período de almoço. Eu e parte dos meus colegas estabelecemo-nos num recinto aberto próximo ao bar das instalações e tivemos interações com vários utentes, um deles chamado Tiago que foi muito simpático na sua presença, fazia desfiles de moda e era grande fã da série animada da Disney: "Miraculous: Tales of Ladybug & Cat Noir". Cumprimentei-o de forma mais descontraída e alegre possível por meio de um aperto de mão e falámos o que melhor sabíamos relativamente à série pela qual demonstrava tanta excitação, o que dificultava a sua fala mas mesmo assim era perceptível. O período de almoço termina e, reunidos numa sala, fomos agrupados de modo a dividir o grande número de alunos e a facilitação da apresentação de diversas atividades e a interação com pacientes. O nosso grupo de turma é levado pelos túneis subterrâneos espalhados na casa até ao espaço destinado às artes e tecnologia onde encontrámos novamente o Tiago que, juntamente com a orientadora e um outro paciente, nos apresentou o espaço. Não estive focado o suficiente na apresentação em si para a descrever mas vou em vez disso indicar as minhas percepções quanto aos dois pacientes: o Tiago, sempre simpático, quis demonstrar por si próprio tanto o espaço informático como o das artes, apresentou-nos também as suas pinturas, e senti a sua grande necessidade de ser ouvido (referiu mesmo na apresentação o acidente de viação fatal do seu pai e a tristeza de terem encerrado a formação com os cães); o outro paciente cujo nome não me lembro nem indícios de perturbação mental apresentava e caso o visse nas ruas de certeza que não o reconheceria. Dirigimo-nos posteriormente a uma sala onde nos foram apresentados os seus projetos e eu dei especial ao jornal feito pelos utentes que escolhiam cada um um artigo atual que mais lhe chamasse a atenção e o transcreviam para papel. No decorrer desta fomos abordados por dois utentes: Paulo e Carlos, que depois de pedirem autorização para se apresentarem nos contaram as suas atividades, a sua gratidão ao espaço e as relações que lá formaram, afirmaram também que se sentiam bem mais realizados do que quando foram integrados na casa, e um deles (não me recordo qual) tinha desde infância o sonho de ser ator e ao momento tem papel no projeto de teatro orientado por um profissional dentro da instituição. Acima de tudo estavam conscientes das suas condições, do que passaram, da sua realidade… e impressionante foi a forma como, conhecedores dos possíveis medos e estigmas que podíamos ter, viraram isso completamente a seu favor demonstrando uma maior humanidade e espírito positivo que muitos integrados na realidade social presente. Vimos também uma sala onde eram guardados alguns projetos dos utentes e novamente esteve fortemente presente a diversidade, tendo como exemplo quadros, esculturas, cadeiras enfeitadas, foguetões… Mais uma vez o tempo não esteve a nosso favor e limitou muito essa experiência. A segunda etapa das atividades da parte consistiu numa visita a uma atividade onde os utentes formavam peças fabris. Por muito positivo que tenha sido a capacidade de oratória do utente que apresentou o projeto não deixou de ser uma experiência triste. E sendo que não nos tenham sido apresentadas grandes justificações científicas do porquê da atividade não dei grande grau de confiança à experiência. Pareceu me demasiado limitador e nem como fonte de convívio servia visto que os utentes concentrados nas suas funções motoras não comunicava. Talvez o momento mais interessante da atividade foi a fase de interação propositada com alguns pacientes, tendo juntamente com o Tiago, a Maria e a Bruna integrado um grupo composto por três utentes: Um desenhava paisagens arquitectónicas com recurso a réguas e esquadros; um outro estava disposto a falar e interagir (o que presumo ser já habitual dele sendo que que tanto as enfermeiras como os utentes já pareciam acostumados a mandá-lo calar); e um outro paciente com o qual interagi maioritariamente. Este senhor possuía menos capacidades comunicativas, chamou nos 'senhores voluntários' e tratou-nos sempre com o maior respeito que conseguia. Estava, quando chegámos, a fazer contas à mão e, nessa mesma folha, tive a ideia de jogar ao jogo do galo com ele, já que não acreditava que comunicar verbalmente fosse a opção que mais descontraído o deixasse. Algo que achei interessante foi como, em vez da habitual cruz e círculo, escreveu o número 2 como seu símbolo e, no mesmo contexto, escolhi o 1 como o meu. Deixei o ganhar os três primeiros jogos, parecia responder com felicidade. A sua postura era um pouco assustadora mas isso depressa perdeu impacto ao longo da interação. E no final do quarto jogo, que decidi vencer, a atividade das enfermeiras começa. Tal ele como eu estávamos aborrecidos e enquanto as enfermeiras falam, encarou-me, retirou um lápis do seu casaco e continuámos a jogar. Num determinado momento parou concentrado, assumi que estava a pensar e parei de jogar. Passado um tempo convidou me para um jogo da forca e desenhou a força e quatro espaços que foram preenchidos com a palavra "amor". Não era o utente mais comunicativo ou emotivo mas foi através do jogo que expressou o que sentia. Eu comecei a escrever a minha palavra e a enfermeira mandou nos despachar e então pediu me para escrever mais rápido. Coloquei em espaços a palavra "amizade" e quando chegou à solução em vez de ter dito "amizade" respondeu com "nova amizade" sendo que não havia um segundo conjunto de espaços que o indicasse a tal resposta. Manteve-se agradecido, agradeceu-nos sempre como 'senhor voluntário' e dado o final da atividade despedimo-nos. Não me vou estender muito quanto à apreciação subjetiva da visita, penso que já o fiz ao longo do texto. Uma experiência que com certeza acrescentou um novo ponto de vista à nossa perspectiva e que a irá marcar certamente no nosso futuro(...).»

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